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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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DE CARA NOVA

Novo economista-chefe quer reduzir risco cambial para que países emitam títulos no exterior na própria moeda

FMI defende empréstimo em moeda local

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Nomeado nos últimos dias economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), o indiano Raghuram Rajan vai se dedicar a encontrar um jeito de mudar a forma com que governos têm acesso a dinheiro privado.
Sua idéia é achar um formato no qual os países possam emitir títulos em moeda local. "Isso poderia tornar mais fácil o trabalho de prevenção de crises", diz ele.
Aos 40 anos, Rajan assume o posto hoje ocupado por Kenneth Rogoff, que decidiu voltar a Harvard. O novo chefe do departamento de pesquisa do FMI veio da Universidade de Chicago e traz duas importantes diferenças em relação a seus antecessores.
A primeira é o fato de ser oriundo de um país subdesenvolvido. A segunda é sua formação: é especializado em finanças, enquanto seus últimos antecessores tinham foco voltado à macroeconomia.
Quatro meses atrás, quando Rajan estava lançando seu livro "Saving Capitalism from the Capitalists" ("Salvando o Capitalismo dos Capitalistas"), a Folha propôs a ele que discutisse suas idéias à luz do momento brasileiro. À época, afirmou que, "em alguma extensão, as altas taxas de juros são sintoma do fato de que nenhum grupo quer largar seus benefícios". Nesta semana, numa entrevista por telefone de Chicago, foi novamente questionado sobre o tema. "Você tem que ter credibilidade de forma que possa começar a reduzi-la", afirmou.
 

Folha - Como o sr. foi para o FMI?
Raghuram Rajan -
Creio que seja um esforço maior [do FMI] em assuntos financeiros e bancários. Tradicionalmente, são mais focados em macroeconomia. Nos últimos tempos, eles vêm se movendo nessa direção.

Folha - Quais são seus objetivos?
Rajan -
Em termos gerais, toda a área de estabilidade do setor financeiro está na cabeça da maioria das pessoas. Particularmente, estou interessado na questão de como os países podem começar a tomar empréstimos em suas próprias moedas, o que faria isso possível. Porque, na medida do possível, isso ofereceria uma maneira de estabilização dos países.

Folha - Empréstimos de quem?
Rajan -
Do mercado. Suponha que a Argentina pudesse emitir títulos em peso na Suíça. Isso tornaria mais fácil o trabalho de prevenção de crises.
As pessoas argumentam que um dos problemas seria que não se pode confiar que os países em desenvolvimento vão manter a taxa de câmbio. E, caso se queira aplicar um default à dívida, seria apenas deixar a taxa de câmbio ir para o inferno. Seria interessante descobrir mais. É uma área nova que se deveria pesquisar mais.

Folha - O Brasil recentemente emitiu títulos com CACs [cláusulas que facilitam a renegociação de dívidas]. O que o sr. acha das CACs?
Rajan -
Há argumentos a favor e contra. A favor, que elas fazem muito sentido em termos de que, quando há default, fica mais fácil a renegociação. Contra, que, porque torna mais fácil a renegociação, o default fica mais possível, então aumenta as taxas de juros e torna mais difícil o empréstimo.
Esses argumentos levam a uma questão empírica: o mercado está mais preocupado com os custos adiante, no caso de um grande default? Ou a inclinação ao default é tão mais alta com esses títulos que simplesmente não vale a pena?
Não há nada conclusivo que se possa dizer. Valerá a pena ver se podemos refinar os testes e apresentar uma resposta mais clara.

Folha - O que pensa sobre o FMI?
Rajan -
O FMI é uma organização que está se reinventando. Tanto em termos de qual deveria ser sua missão quanto na maneira como tenta cumprir essa missão.
O FMI foi muito acusado de ser doutrinário, e pode ser -do lado de fora, não posso dizer. Mas há gerentes abertos a idéias.
Outra que parece: o FMI é frequentemente acusado de servir aos interesses dos países ricos, mas acho que os gerentes estão muito interessados em seus membros. Creio que, independentemente de isso ter ou não sido verdade no passado, agora o é.

Folha - Em países como o Brasil, o FMI é visto por parte da população como instrumento da elite. O que há de errado e certo nessa visão?
Rajan -
Países que têm políticas governamentais que precisam ser endurecidas podem usar a desculpa de apontar para alguém que os está forçando, estão tomando medidas impopulares, que não é da vontade deles, mas de gente do FMI. [O FMI] será culpado por coisas politicamente impopulares, mas isso pode fazer parte de um interesse maior do país.
O FMI parece estar consciente de que precisa desenhar uma linha entre as coisas pelas quais ele é responsável e o que são decisões políticas tomadas pelo país.
Mas, quando você impõe objetivos, há tensão. Você quer que o país entre no orçamento. Ao mesmo tempo, quer que ele corte gordura, não músculo. Coisas como educação são parte do músculo. Agora, quão intrusivo se pode ser sobre o que cortar? Suponha que você coloque seus objetivos, mas os políticos respondam cortando o músculo, não a gordura. E então culpam o FMI por isso.
Isso tudo implica que o FMI tem que falar mais diretamente com o público nos países. Não a ponto de tomar o lugar dos políticos, mas de explicar o que estão tentando fazer. O FMI acredita que os programas funcionam se os países os assumirem. Uma maneira é tentar vendê-los de maneira mais precisa.

Folha - Como um país como o Brasil pode reduzir juros?
Rajan -
É um pouco como reestruturação da dívida soberana. Você tem que construir credibilidade de forma que pode começar a reduzi-la. Ou você não tem credibilidade para fazer isso, e a inflação vai ao céu. Cuidar dos problemas estruturais torna mais fácil construir credibilidade. Isso ajuda a baixar os juros.


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