São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma nova política de juros

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A mudança na forma de intervenção do Banco Central no mercado de taxa de juros, o principal instrumento de política monetária no Brasil, é hoje um dos pontos importantes de uma agenda de reformas microeconômicas. Ela não está incluída no elenco de propostas do governo, mas deve ser ponto de reflexão dos economistas brasileiros.
Já existe um trabalho, realizado por um grupo de técnicos de um dos grandes bancos internacionais que operam no Brasil, que toca de uma forma competente nessa questão. Mas é preciso que essa reflexão comece a ser feita de maneira pública e sem as restrições normalmente existentes dentro de uma instituição financeira.
As condições macroeconômicas do Brasil hoje permitem que um mecanismo importante como a intervenção no mercado monetário possa ser discutida sem receios. Mesmo porque não se está discutindo a base da política monetária, que é a possibilidade de intervenção sobre a demanda agregada via elevação ou redução das taxas de juros. Também não está em questão o modelo de metas de inflação, adotado há alguns anos no Brasil com relativo sucesso.
Estaremos apenas buscando um processo de mudanças que coloque o mercado brasileiro em linha com o que ocorre na quase totalidade das economias com tradição de estabilidade de preços. Trata-se, portanto, de um esforço de aperfeiçoamento dos mecanismos de mercado para chegar a uma institucionalidade mais eficiente que a de hoje. Por outro lado, essas mudanças caminham no sentido de uma redução importante na conta de juros do governo.
Faço essas observações para que não se catalogue essa minha posição como mais uma irresponsabilidade de um desenvolvimentista brasileiro. Lembro que sou hoje um dos mais antigos profissionais do mercado financeiro em atividade no Brasil. Sempre mantive um equilíbrio entre teoria e prática nestes meus mais de 37 anos como sobrevivente de uma atividade perigosa e traiçoeira. Também já estive duas vezes no governo, quando vivi a experiência de tratar das questões monetárias e de operação de mercado do outro lado da cerca.
Mostradas essas minhas credenciais, passo agora a detalhar o que me parece ser um "road map" seguro para essas mudanças. Creio que deveríamos evoluir para um sistema operacional no qual as taxas de intervenção do BC migrariam para as operações de mercado aberto, com um prazo de 60 dias e 120 dias. Isso em um primeiro momento de transição do sistema atual e que vem sendo mantido inalterado por mais de 20 anos.
No sistema proposto, as reuniões do Copom definiriam essas duas taxas em função de uma análise cuidadosa da situação macroeconômica e das expectativas dos agentes econômicos. Na situação de hoje, poderíamos ter uma taxa de 14% ao ano para as operações de 30 dias e de 16% para as de 60 dias. Já a taxa de um dia poderia ser fixada em algo próximo a 8% ao ano. Com isso, já teríamos três pontos fixados de uma teórica "yield curve", o que permitiria definir a parte mais longa da curva no mercado à vista e de juros futuros.
Mais adiante, o prazo de 60 dias poderia ser alongado progressivamente, e as operações de 30 dias poderiam ser retiradas do mecanismo de intervenção do Banco Central. Feita essa transição com sucesso, poderíamos ter a volta da fixação de um custo para a troca de reservas bancárias no overnight como base da atuação do Banco Central. Com a curva de juros, construída autonomamente pelo mercado e fazendo parte de nossos mecanismos operacionais, poderíamos, finalmente, convergir para a institucionalidade padrão das economias mais avançadas.
Nesse sistema, os títulos de prazos mais longos, tanto privados como públicos, poderiam estar indexados tanto à taxa de 30 como à de 60 dias. Poderia ser usado também um tratamento fiscal mais favorável para os títulos mais longos -e o governo o está propondo-, como um instrumento adicional de alongamento dos prazos. A retirada desses mecanismos de indexação e o alongamento voluntário dos prazos dos títulos prefixados só ocorreriam ao longo de um período de tempo maior, à medida que a confiança na estabilidade de nossa economia permitisse.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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