|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"É um alívio não depender do mercado"
George Soros, megainvestidor que derrubou a libra nos anos 90, admite que seu fundo já não tem o poder de outros tempos
Administrador já não arrisca toda a fortuna em uma transação, como já fez, para poder deixar legado em sua rede de organizações
DANIEL DOMBEY
DO "FINANCIAL TIMES"
Estamos no dia mais quente
do ano, acordes apocalípticos
ribombam pela nave de uma
igreja vazia e George Soros está
descrevendo seu complexo de
messias. O homem que lucrou
US$ 1 bilhão em um dia apostando contra o Banco da Inglaterra sempre se sentiu como
uma pessoa à parte. Em criança, Soros tinha o que descreve
como "fantasias messiânicas".
"Eu sentia que só estava esperando o tempo passar, até
que encontrasse o meu lugar no
mundo", diz com voz roufenha,
um lembrete de suas origens no
centro da Europa. "Eu não me
sentia à vontade na posição que
ocupava."
Hoje, no entanto, ele se vê em
uma posição criada para alimentar egos superdimensionados -o Mosimann's, um clube
gastronômico instalado em
uma antiga igreja presbiteriana
de Londres. O dia está reservado a treinamento de funcionários e o lugar parece deserto.
Mas seremos servidos da mesma maneira, já que gastamos
150 numa sala privada.
O distanciamento olímpico
de Soros se estende ao ponto de
fingir distração ou indiferença
quanto ao maior de seus feitos,
a "quarta-feira negra", 16 de setembro de 1992.
A aposta de Soros na desvalorização naquele dia da libra
esterlina conduziu à derrocada
do governo de John Major e à
eleição dos trabalhistas e ingressou no folclore político como data inesquecível. Menos,
aparentemente, para o homem
que ganhou mais dinheiro com
os acontecimentos.
"Foi uma quarta-feira?", pergunta. "Foi uma quinta, acho."
"Quarta", eu confirmo. "Definitivamente quarta."
"É mesmo?", ele volta a perguntar, parecendo se distanciar
do homem que foi no passado.
Hoje Soros, 75, já não movimenta mercados. Ele admite
que seu Quantum Fund, tão temido nos anos 90, não é mais
um dos protagonistas cruciais
das finanças. Mas as ambições
dele parecem ter crescido, e
não o contrário. O empresário
estabeleceu uma rede de fundações de caridade que cobre o
planeta, orgulha-se de ter ajudado na Revolução das Rosas,
que derrubou Eduard Shevardnadze da Presidência da Geórgia, em 2003, e contribuiu com
muito dinheiro para a oposição
ao governo de George W. Bush.
Soros também escreveu nove
livros, a maior parte dos quais
nos últimos dez anos, dedicados à "refletividade", uma teoria que ele defende ardorosamente. Tendo lido o mais recente deles -"The Age of Fallibility" [A era da falibilidade]-,
eu tento adiar o momento em
que começaremos a debater
conceitos abstratos.
Em lugar disso, enquanto Soros saboreia lentamente o seu
Campari com soda, pergunto
sobre 1944, o ano em que os nazistas invadiram sua Hungria
natal e mataram milhares de
judeus, como Soros. Ainda que
tenha sido forçado a entregar
notificações de deportação, ele
considera que aquele foi o melhor ano de sua vida.
"Foi indubitavelmente um
ano de formação", diz ele sobre
a era, quando seu pai obteve
documentos falsos que salvaram as vidas de sua família e de
muitas outras pessoas. "Eu era
muito próximo ao meu pai e ele
me transmitiu toda a sua sabedoria em uma demonstração
prática do que é preciso fazer
para sobreviver. Boa parte de
minhas aventuras subseqüentes no mundo financeiro e minhas empreitadas filantrópicas
foram influenciadas por ele,
por aquela situação."
"Aprendi que há momentos
em que as regras normais não
se aplicam", diz. "E também o
fato de que a passividade pode
ser mais perigosa. Talvez assumir um risco seja menos arriscado." Ele se ajeita na cadeira,
incomodado pelo calor.
Soros se alterna entre momentos imperiosos, grandiloqüentes e humildes. Ele expressa satisfação quanto a algumas das mais lisonjeiras descrições feitas sobre ele, tais como "o homem que quebrou o
Banco da Inglaterra" e "o estadista sem Estado". Mas também escuta, acena com a cabeça e oferece adjetivos menos
elogiosos sobre si mesmo e sobre seus argumentos quando
pergunto se ele não é apenas
um bilionário tentando se passar por grande pensador. "Arrogante", ele sugere; "obsceno", ele profere, mais tarde.
Aponto para as diferenças
entre ele e o pai, que ele classifica como sua maior influência.
Ambos basearam sua formação
em experiências que tiveram
durante guerras -o pai em um
campo de prisão siberiano durante a Revolução Russa. Mas o
pai, depois disso, jamais procurou o dinheiro ou o poder.
"De certa forma, ele saiu alquebrado da experiência", diz
Soros sobre o pai, advogado
que promoveu a primeira e
única revista literária em esperanto mas terminou a vida dirigindo uma barraquinha de café
expresso em Coney Island, Nova York. "Ele evitava a ribalta."
Começo humilde
Essa não é a primeira ocasião
em que Soros vê os fundos de
um restaurante. Depois de se
mudar para o Reino Unido, em
1947, ele passou por vários empregos humildes quando estudava na London School of Economics. Trabalhou no Quaglino's, sofisticado restaurante
londrino, e se alimentava principalmente de profiteroles.
Mas foram seus estudos na
LSE que se provaram mais influentes, especialmente o contato fugaz que manteve com
Karl Popper, filósofo que pregava uma "sociedade aberta",
em vez dos totalitarismos do
nazismo e do comunismo.
O que convenceu Soros foi a
percepção de Popper de que, já
que a humanidade é capaz de
cometer erros, as sociedades
deveriam ser receptivas às novas idéias. Soros mesmo ia mais
além, argumentando que é inevitável que as pessoas errem.
E é nesse ponto que a idéia de
"refletividade" começa a se fazer sentir. A idéia é que os equívocos conceituais das pessoas
interagem com a realidade
-seja ao derrubar uma moeda,
seja pela promoção de uma
idéia como a guerra ao terrorismo de Bush. Soros jura que a
idéia o ajudou a fazer fortuna.
"Eu realmente não tenho
problemas quanto a ser rico",
sorri. Ele diz que se permite pequenos luxos, tais como manter uma equipe de funcionários
em seu apartamento em Londres, embora passe a maior
parte do tempo nos EUA.
Soros se transferiu para Nova
York, para trabalhar como administrador de fundos "hedge",
em 1956. Duas décadas mais
tarde, depois de acumular
US$ 30 milhões, ele passou por
uma crise de meia idade.
"Eu estava abalado, criticava-me o tempo todo. Pensei muito,
e sem piedade, sobre os motivos pelos quais precisava daquele dinheiro", diz, enquanto
ataca uma salada de endívia.
"Como parte do processo, decidi criar o Open Society Fund."
Soros classifica a rede de organizações que financia de
"mistura de fundação e movimento". A rede subsidiou salários de ministros na Geórgia e
quer promover transparência
em governos, direitos humanos
e liberdade de imprensa.
Talento
Mas o que o torna mais conhecido é o seu talento para ganhar dinheiro. Há muitas histórias sobre Soros, o financista,
sobre os milhões que ele perdeu na Rússia e no Japão, e sobre seu desejo permanente de
aumentar as apostas.
O lucro de US$ 1 bilhão na
"quarta-feira negra", por exemplo, surgiu de uma aposta de
US$ 10 bilhões.
O financista já não tem o
mesmo apetite por risco em
parte porque ele deseja que
suas fundações perdurem depois que morrer. Isso quer dizer que os dias em que ele colocava toda a sua fortuna em risco em uma única transação são
coisa do passado.
"É um alívio não ser dependente do mercado", diz, acrescentando que considera que
seus livros e sua filantropia serão o seu legado.
Soros também quer mudar a
opinião pública e, na última
eleição, organizou uma turnê
em que proferiu palestras contra Bush -algo, sugiro, que poderia ser visto como um tolo capricho de homem rico. "Já que
sou rico, qualquer tolice que eu
cometa será uma tolice de rico", ele meio ri, meio fala.
E não é estranho que um bilionário escreva um tratado
contra o consumismo norte-americano e contra a maneira
pela qual as empresas procuram estimular desejos?
"Eu obtive sucesso no sistema capitalista", responde.
"Quem está mais qualificado a
criticar a globalização do que
alguém que floresce com ela?"
Texto Anterior: Manhattan tem estilo de vida que os executivos querem, diz "headhunter" Próximo Texto: Frases Índice
|