São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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MERCADO TENSO
Decisão tomada pelo Banco Central na sexta-feira só vale no curto prazo, pois agrava o déficit público
Só juro não afasta crise,
dizem analistas


ANDRÉ SOLIANI
SILVANA QUAGLIO
da Reportagem Local


Aumentar os juros, como anunciou o Banco Central na noite de sexta-feira, não afastará o Brasil do risco de uma crise cambial. Na opinião unânime de 15 economistas -liberais e heterodoxos- consultados pela Folha. A alternativa pode ser usada, no máximo, como coadjuvante no contra-ataque à especulação que ameaça o real.
Para todos, o aumento dos juros é uma medida que só funciona por períodos curtos e não restabelece a confiança dos investidores.
O professor de economia Luciano Coutinho chega a classificar o aumento de juros como uma "medida nefasta", que não atrairá novos investimentos, mas admite que poderá "impedir o dinheiro de sair".
Dependendo de como é aplicada, a medida pode até piorar a percepção dos investidores em relação à capacidade do Brasil de resistir à crise. Há o recente exemplo da Rússia, que subiu os juros e depois aplicou um calote nos investidores, lembra o ex-ministro do Planejamento Antonio Kandir.
O economista Aloizio Mercadante, do PT, afirma que o governo está sendo forçado pelo mercado a aumentar os juros. "Ninguém mais compra os títulos públicos", diz. "O governo está privilegiando a agenda eleitoral em vez de combater a crise", critica ele, candidato a deputado federal.
"No início do plano, os juros altos eram necessários para desestimular o consumo. Mas já a partir de 95 o governo deveria ter mudado isso", diz Guido Mantega, um dos formuladores do programa de governo do candidato petista à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Do ex-ministro Delfim Netto ao economista Celso Martone, a elevação dos juros é vista com preocupação. Ela traz, dizem, consequências sérias.
A primeira é o estouro do déficit público, que já está em patamares considerados muito altos -acima de 6% do PIB. Os economistas dizem que até 3% do PIB seria um nível aceitável para um país em desenvolvimento. O aumento da dívida pública dificultaria o seu financiamento e espantaria ainda mais os investidores.
A segunda é provocar recessão numa economia que já está estagnada. A recessão, contudo, será inevitável, pelo menos durante o ano que vem, dizem vários dos economistas ouvidos.
Apenas os representantes petistas opinam que num eventual governo Lula a aposta seria no crescimento. Os demais concordam que o governo, qualquer que seja ele (Lula ou FHC), terá de provocar uma redução da atividade econômica para solucionar a crise e reorganizar a casa.
Para que o aumento dos juros surta algum efeito, deveria vir acompanhado de socorro externo. Luciano Coutinho estima que seriam necessários cerca de US$ 18 bilhões de fora.
Já Delfim Netto aposta na possibilidade de negociação entre as empresas brasileiras, que detêm 80% da dívida externa brasileira, e seus credores.




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