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ANÁLISE / TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Dinheiro some, e Vale do Silício enfrenta sua pior crise
Paul Sakuma/Associated Press
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Clientes de loja em Palo Alto (Califórnia) testam jogos dos videogames XBox (esq.) e PlayStation 2 |
PAUL ABRAHAMS
DO "FINANCIAL TIMES"
Hoje, alguns dos maiores
cartazes ao longo da estrada
que corta o Vale do Silício são da
Allied, empresa de mudanças que
está atarefada transportando o
excesso de mão-de-obra para fora
da região. Desde o final de 2000 a
região de San Francisco perdeu
mais de 110 mil empregos. O condado (município) de Santa Clara,
no coração do Vale do Silício, hoje
tem um índice de desemprego de
7,6%, o maior da Califórnia.
Placas de "Aluga-se" estão surgindo por toda parte. Há vagas de
sobra nos estacionamentos. O
complexo de sete prédios que
abrigava o Excite@home, provedor de serviços que pediu falência
em setembro passado, continua
vazio.
O Vale do Silício claramente está com problemas. Não é apenas o
conjunto único de profissionais
qualificados que está se dissipando. O investimento de capital de
risco despencou 48% no primeiro
semestre deste ano, segundo a
PwC (PricewaterhouseCoopers).
E, segundo dados obtidos pelo
"Financial Times", a pesquisa e
desenvolvimento corporativos
também estão caíram a um timo
anualizado de 5% no mesmo período.
Essas tendências levantam uma
pergunta preocupante: a rapidez e
a gravidade da depressão estão
causando danos irreparáveis ao
delicado ecossistema que alimentou a mistura única de inovação e
espírito empreendedor do Vale
na década de 90? Colocado de outra maneira: a recessão será cíclica
ou o futuro da região como líder
mundial em inovação tecnológica
está ameaçado?
Vozes influentes começam a sugerir que o tipo de sucesso desfrutado até dois anos atrás pode ter
terminado. "Esta é uma desaceleração brutal, a pior na história do
setor de TI [tecnologia da informação] nos EUA", diz Larry Ellison, presidente e principal executivo da Oracle. "O Vale do Silício
nunca mais será o mesmo."
John Goodrich, um dos fundadores da Wilson Sonsini Goodrich Rosati, principal firma de
advocacia da região, concorda. "O
Vale do Silício nunca mais será o
que foi entre 1995 e 1999."
Sem fregueses
O norte da Califórnia sofreu recessões antes, mas nenhuma tão
rápida, abrangente e duradoura
quanto a atual. Quase todos os setores (equipamentos de telecomunicações, hardware e software
empresarial, semicondutores,
servidores e empresas pontocom)
estão sofrendo. "Os clientes não
estão comprando e não há um fim
à vista", diz Vincent Tobkin, chefe
de tecnologia global e telecomunicações da consultoria Bain.
O impacto sobre os rendimentos foi duro. A Merrill Lynch estima que o setor de tecnologia está
perdendo mais dinheiro do que
em qualquer momento de sua
história. Os executivos estão examinando cada linha da contabilidade, incluindo P&D (pesquisa e
desenvolvimento), o alimento vital da região.
No ano passado, apesar do início da recessão, as 30 maiores empresas de tecnologia na área da
Baía de San Francisco ainda conseguiram aumentar a P&D, investindo um total de US$ 21,2 bilhões, um aumento anual de
2,4%. Na primeira metade deste
ano, a maioria das 30 principais
empresas cortou P&D em 5%,
num total de US$ 11,9 bilhões. Para colocar a coisa em contexto: as
empresas americanas em geral
não registraram um corte em gastos de P&D desde 1960, quando a
Fundação Nacional de Ciências
começou a divulgar os dados.
Inovação em queda
"O que é tão preocupante é que
esta foi uma depressão econômica branda, mas a desaceleração
em gastos de P&D foi muito mais
profunda do que durante a recessão de 1991", afirma Dan Wilson,
economista do Federal Reserve
(banco central dos EUA) em San
Francisco.
Ainda mais abrupto é o declínio
em outra importante fonte de investimentos em inovação o capital de risco. O capital de risco foi
essencial para o sucesso do Vale
do Silício, tentando engenheiros e
marqueteiros a deixar empresas
estabelecidas para criar novas
companhias. Durante a segunda
metade dos anos 90, muitos grandes grupos de TI, como a Cisco
Systems, compraram empresas financiadas por capital de risco para adquirir sua tecnologia. Na verdade, elas terceirizaram a P&D.
Hoje, as novatas estão lutando
para levantar capital. "O ano passado foi o primeiro na história da
indústria do capital de risco em
que os retornos foram negativos.
Este ano parece que será igual",
adverte Dixon Doll, um veterano
há 30 anos no mercado e fundador da Doll Capital Management.
"Os obstáculos para as ofertas
públicas iniciais de ações de tecnologia são enorme", afirma Doll.
"Isso é inédito na história do nosso setor. Você pode ter uma companhia com faturamento entre
US$ 30 milhões e US$ 40 milhões,
e até rentável, mas você não consegue abrir o capital."
No primeiro semestre de 2000,
no auge do boom, os capitalistas
de risco investiram US$ 19,3 bilhões no Vale do Silício. No ano
passado, no mesmo período, eles
investiram apenas US$ 7,8 bilhões. No primeiro semestre deste
ano, o número foi de apenas US$
4,05 bilhões, segundo a PwC e a
National Venture Capital Association.
O pouco dinheiro investido neste ano não vai para novatas, mas
para companhias para as quais os
fundos já alocaram capital. A esperança é mantê-las vivas até que
o mercado de IPOs (ofertas públicas iniciais) ou fusões e aquisições
se recupere.
Em dois anos, o investimento
em inovação inicial por capitalistas de risco despencou 85%. No
primeiro semestre deste ano, apenas US$ 646 milhões do capital de
risco investido no Vale do Silício
foram para novatas, comparados
com US$ 2,25 bilhões no mesmo
período do ano passado e US$
4,29 bilhões no primeiro semestre
de 2000.
"A falta de dinheiro inicial e para a primeira fase é realmente perturbadora", diz Goodrich, da Wilson Sonsini Goodrich Rosati.
Uma medida dos danos prováveis
é fornecida pelo Departamento de
Patentes e Marcas Comerciais,
que prevê que as inscrições nacionais para patentes subirão apenas
1,3% neste ano, comparadas com
mais de 10% anuais desde 1996.
É claro que o Vale sofreu recessões antes, tendo sobrevivido a ciclos em defesa, calculadoras,
computadores pessoais, semicondutores, biotecnologia, modems,
software e equipamentos de rede.
E é verdade que sua economia
mantém uma notável resistência:
a velocidade com que a força de
trabalho, a terra e o capital são
realocados é de tirar o fôlego.
A Baía de San Francisco ainda é
um dos melhores lugares do
mundo para se comercializar tecnologia, graças a seu acesso a engenheiros de primeira classe, universidades e capital. Mesmo enquanto as companhias falem, novas chegam para substituí-las. Recentemente, a Parthus, um grupo
de irlandês de criação de semicondutores, e a ActivCard, uma
companhia francesa de chips inteligentes, anunciaram sua intenção de se estabelecer ali.
"Nas circunstâncias mais sombrias, continuo muito otimista",
diz Craig Conway, presidente e
principal executivo da companhia de software empresarial Peoplesoft, e ele não é o único. Mas
outros, em número crescente, temem que essa confiança possa ser
exagerada.
"Os que acreditam que esta é
apenas uma depressão cíclica estão loucos", diz Ellison. "Eles não
conseguem ver o que está acontecendo diante de seus olhos. "Havia uma crença infantil de que as
coisas sempre subiriam. Isso é insensato. Nosso setor vai amadurecer, e, quando uma coisa amadurece, a inovação diminui."
Capital à míngua
Como diz Stewart Gross, diretor-executivo do Warburg Pincus, grupo privado de investimentos: "A escala dos danos infligidos ao Vale do Silício dependerá
em parte de quanto tempo vai durar a depressão. Se ela continuar,
sem dúvida terá um efeito sério
sobre a inovação."
Em curto prazo, como quase todo mundo concorda, as coisas
provavelmente vão piorar. As
grandes empresas parecem estar
digerindo a tecnologia que já têm
antes de investir na próxima onda. "Nos últimos dez anos, houve
grandes saltos em inovação. Estamos esperando que o cliente
acompanhe", diz Tracy Lefteroff,
analista da PwC.
Mas somente os otimistas continuam confiantes em que, quando
a economia americana e a rentabilidade corporativa se recuperarem, os gastos em tecnologia voltarão a crescer em dois dígitos.
Para outros, a queda nos gastos
em TI é causada não apenas pela
recessão, mas por um desilusão
indefinida na própria inovação.
"Não há uma febre de empresas
pontocom e nenhuma grande
inovação tão atraente que você
precise investir. Não há catalisador, nenhum "santo graal" tecnológico", afirma Rick Sherlund,
analista de software na Goldman
Sachs. "O crescimento do rendimento anual na indústria de software talvez não tenha mais dois
dígitos, e, possivelmente, será tão
baixo quanto 6% a 7% ao ano. Podemos estar num período prolongado de crescimento anêmico."
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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