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ARTIGO
Guerra EUA-Iraque pode frear retomada econômica
JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com ou sem o apoio da ONU
(Organização das Nações
Unidas), a guerra contra o Iraque
já parece ser inevitável. Os custos
econômicos de tal guerra seriam
enormes, tanto em termos de gastos diretos dos Estados Unidos
como das consequências indiretas que o conflito teria sobre a
economia mundial. Essa guerra
teria lugar contra um pano de
fundo de condições econômicas
globais fracas e exacerbaria as debilidades, possivelmente mergulhando a economia mundial numa recessão. Os resultados econômicos da guerra podem muito
bem depender do contexto diplomático. Se os EUA agirem sozinhos, os custos prováveis da guerra para a economia mundial seriam maiores do que se o país
contasse com o respaldo da ONU.
Os custos da guerra precisam
ser contrabalançados aos custos
de opções alternativas. O fato de a
guerra ter um custo alto não é um
argumento válido a favor de não
se fazer nada, especialmente em
vista do risco sério de que o Iraque pode obter -e, algum dia,
usar- armas de destruição em
massa. No entanto travar uma
guerra num contexto em que os
meios diplomáticos -inspeções
de armas, ameaças de retaliação a
qualquer agressão iraquiana,
prontidão da ONU para agir se o
perigo do Iraque se tornasse iminente- poderiam bastar pode
resultar em custos econômicos
enormes e evitáveis.
A visão tradicional da guerra é
que ela estimula a economia, pelo
menos no curto prazo. Mas essa
visão simples da economia em
tempos de guerra é demasiado estreita para abranger os possíveis
efeitos de uma guerra contra o
Iraque. Precisamos também reconhecer que uma guerra contra o
Iraque, mesmo uma guerra limitada, poderia causar transtornos
profundos ao fluxo internacional
de bens, serviços e investimentos.
Esses efeitos perturbadores não
apenas atrasariam a produção,
mas também enfraqueceriam a
confiança de investidores e consumidores e, desse modo, restringiriam os investimentos privados
e os gastos dos consumidores. O
estímulo macroeconômico direto
que pode resultar de gastos militares poderia ser superado pelas
incertezas e pelos transtornos que
acompanhariam o conflito.
Tais incertezas já estão se evidenciando. Os preços do petróleo
já subiram vários dólares por barril desde o final do verão no hemisfério Norte. Desde junho, os
mercados acionários mundiais
sofreram uma queda de cerca de
20% em termos de dólares. Cada
ponto a mais no índice de probabilidade da guerra vem fazendo os
mercados caírem ainda mais.
A economia mundial moderna
se ergue sobre uma rede complexa de conexões econômicas globais, e essas conexões são diretamente ameaçadas pela guerra. A
guerra criaria riscos óbvios e evidentes aos transportes marítimos,
especialmente ao transporte de
petróleo saído do Oriente Médio.
Os custos aumentados poderiam provocar uma queda ainda
maior nos fluxos de capitais entre
países, intensificando o que vem
acontecendo há dois anos, desde
que o boom das Bolsas americanas chegou ao fim. A queda nesses fluxos se intensificou após os
ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Os investimentos externos diretos em muitas regiões
em desenvolvimento secaram, e
os mercados emergentes que dependem desses fluxos de capitais,
especialmente na América do Sul,
têm visto suas economias mergulhando em crises financeiras cada
vez maiores.
Mesmo que a economia americana se beneficie de uma injeção
de ânimo de curto prazo provocada pelo aumento dos gastos militares, o mesmo não aconteceria
com o resto do mundo. A maior
parte dos países sentiria apenas
efeitos negativos: perturbações do
comércio, alta do petróleo, fuga
de capitais internacionais, cortes
em planos de investimentos -e
tudo isso sem nenhum estímulo
direto capaz de contrabalançar
esses efeitos negativos.
A situação macroeconômica
dos EUA também é preocupante.
As políticas fiscais da administração Bush, somadas ao estouro da
"bolha" financeira americana no
final dos anos 90, empurraram os
EUA para uma trajetória fiscal
instável. Em lugar dos superávits
orçamentários "a perder de vista", os EUA hoje têm grandes déficits orçamentários que vão se
manter por muitos anos ainda.
Uma guerra contra o Iraque provavelmente faria esses déficits orçamentários crescerem vertiginosamente.
Os déficits orçamentários em alta vão envenenar a política interna americana e levar a um impasse orçamentário. Este, por sua
vez, pode provocar a perda da
confiança dos consumidores. Como os gastos dos consumidores
têm funcionado como o último
baluarte remanescente da economia americana desde o estouro da
"bolha" financeira, a guerra contra o Iraque poderia arrasar o último ponto de estabilidade da economia americana.
É claro que os planejadores
americanos têm uma carta escondida na manga. Eles acreditam
que a guerra será rápida, virtualmente sem esforço para os EUA, e
que ela se financiará sozinha, na
medida em que os EUA ganharão
o controle efetivo sobre o petróleo
iraquiano, o que provocaria a
queda nos preços mundiais do
combustível e também financiaria a reconstrução do Iraque no
pós-guerra. É uma perspectiva sedutora, mas improvável. A guerra
pode acabar não levando tão pouco tempo quanto se imagina.
Os custos geopolíticos de uma
guerra unilateral movida pelos
EUA seriam ainda maiores. Uma
guerra rápida e bem-sucedida,
contando com o apoio forte e explícito da ONU, oferece a maior
chance de se evitar consequências
econômicas negativas tremendas.
Uma guerra que oponha os EUA
ao mundo poderia lançar em dúvida o progresso da globalização,
especialmente das negociações
comerciais internacionais. Ademais, se os EUA agirem por conta
própria, os custos pós-conflito
com os quais o país arcará sozinho sem dúvida também serão
maiores. Divisões políticas abertas e profundas entre os EUA e
outros países importantes vão
provocar uma perda de confiança
dos investidores, prejudicando a
estabilidade econômica mundial.
Jeffrey Sachs é professor de economia
e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia
Tradução de Clara Allain
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