São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O gabinete paralelo do PSDB

A forma como transcorreu a eleição de Lula abre, pela primeira vez no país, a oportunidade de uma alternância concreta de propostas de governo. Ou seja, um partido no poder, testando suas idéias, e outro na oposição, levantando alternativas exequíveis.
Esse espaço se abre agora porque, eleito o PT, desaparece o último núcleo das propostas inviáveis do país. Desde o início da luta contra o regime militar, a estratégia das diversas oposições -do PMDB ao PT- foi brandir propostas inexequíveis, sob a alegação de que bastaria vontade política para viabilizá-las.
Agora governo, o PT será obrigado a cair na real, e o PSDB não poderá repetir esse estilo de oposição, por ter sido governo. Essa situação abre espaço para uma disputa inédita de propostas concretas. Abre-se novamente o mercado de idéias, devido à necessidade dos partidos de levantar novos temas, novas bandeiras.
Das eleições emergem dois partidos programáticos, o PT e o PSDB, ambos evoluindo em torno de um ideário social-democrata e com capacidade de aglutinar quadros técnicos para montar projetos de política pública. Curiosamente, no governo Fernando Henrique Cardoso, o potencial do PSDB foi sufocado pela postura imperial do governo e pela visão inerte-liberal do mundo. Foi um governo FHC, não um governo PSDB.
Essa postura acabou paralisando o PSDB. Pior, dos anos 80 até o Real, houve o franco predomínio ideológico dos macroeconomistas, fortalecidos pela mística dos planos econômicos.
Nos anos 90 ocorre um "aggiornamento" cultural no país, novos conceitos que mudam a vida das empresas e de setores específicos, como a bandeira da gestão, da inovação, do planejamento estratégico, das políticas públicas inovadoras, as novas formas de relacionamento entre entes públicos no federalismo, as negociações internacionais.
No entanto o debate nacional girou exclusivamente em torno de metas de superávit fiscal, política monetária, temas que ocuparam espaço desproporcional no debate público e na mídia.
De certo modo, a fragilidade econômica atual do país acabou fazendo com que a campanha eleitoral não conseguisse escapar desse círculo vicioso. Agora, com o país se afastando um pouco do epicentro da crise, é possível que se rompa esse esquematismo de idéias e ocorra a competição virtuosa entre PSDB e PT.
O PT terá o governo federal para colocar suas idéias em prática. Provavelmente o PSDB irá montar um "shadow gabinet", um gabinete paralelo que defenda propostas alternativas às do PT. Além disso, poderá colocar tais idéias em prática em alguns grandes Estados, nos quais se saiu vitorioso. Especialmente os governos de São Paulo e Minas Gerais têm a obrigação de montar secretarias com status de ministério e ousar políticas públicas inovadoras e de fôlego.
Temas para a nova agenda:
Inovação e tecnologia: nos próximos anos, o governo que conseguir articular políticas eficientes nessa área, juntando pesquisadores e área privada, articulando pequenas empresas e multiplicando experiências setoriais bem-sucedidas, terá bandeira das mais relevantes. O aumento da exportação deverá ser o centro dessas políticas.
Gestão pública: ainda são muito tímidas as experiências de gestão pela qualidade e uso da tecnologia no setor público e privado. Já existem políticas estaduais no Rio Grande do Sul (comprometida pelos xiitas de Olívio Dutra) e no Rio de Janeiro. Há a experiência vitoriosa de governo eletrônico em São Paulo. Mas existe potencial enorme para práticas públicas inovadoras.
Ação social: a melhor herança dos anos FHC foi a criação de um novo padrão de ação social pública, graças ao trabalho de dona Ruth Cardoso. O modelo do Comunidade Solidária se tornou padrão vitorioso. Depois, experiências de várias ONGs conseguiram desenvolver um padrão no qual estão definidos o papel dos vários agentes. A ONG testa a experiência social, padroniza, define indicadores e os agentes que podem se multiplicar pelo país. Esses agentes podem ser parceiros privados ou públicos.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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