São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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TRIBUTAÇÃO

Depois da "MP do Bem", governo agora enfrenta dificuldades para aprovar mudanças no fisco

MP da "Super-Receita" corre risco de naufragar

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois do susto provocado pela "MP do Bem", mais uma medida provisória considerada prioritária pela área econômica do governo corre o risco de naufragar no Congresso: a MP 258, que criou a chamada "Super-Receita".
Editada em julho como parte de um "choque de gestão" na administração pública, a medida une na nova Receita Federal do Brasil as estruturas de fiscalização e arrecadação dos ministérios da Fazenda e da Previdência Social, num processo que só estará concluído em agosto de 2006.
Parado na Câmara desde então, o texto completará 120 dias e deixará de vigorar se não for aprovado por deputados e senadores nos próximos dias -a exemplo do que aconteceu com a "MP do Bem", cujos benefícios tributários tiveram de ser transferidos para uma outra MP, que, ainda assim, só foi aprovada a 15 minutos do encerramento da última sessão em que seria possível a votação.
"Essa medida vai expirar", prevê o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM), um dos principais negociadores da oposição em temas econômicos. "O prazo é curto, a agenda política está carregada, e a base do governo está rachada."
A polêmica em torno da MP foi detonada pelos conflitos entre as corporações ligadas ao fisco. Técnicos da antiga Receita Federal, cujo salário inicial é de R$ 3.900 iniciais, querem status e vencimentos comparáveis aos dos auditores fiscais, cujo salário inicial é de R$ 7.700. Já os procuradores da Previdência reivindicam os poderes dos auditores de fazer a cobrança de tributos.
Os servidores reclamam da criação da "Super-Receita" por medida provisória, instrumento legal que entra em vigor imediatamente, em vez do uso de projeto de lei, como era a intenção inicial do governo. A oposição e boa parte dos aliados ao Palácio do Planalto encamparam essa visão, o que pode levar a MP a ser rejeitada já no exame de sua urgência e relevância, antes da análise de mérito.
"Nós defendemos que as Receitas [fazendária e previdenciária] se unam, porque isso é importante para o país. Mas queremos que as categorias tenham a oportunidade de expressar suas dificuldades", diz Avelino.

"Trem da alegria"
Para contornar as resistências dos servidores e dos partidos aliados mais ligados ao sindicalismo, a começar pelo PT, o governo passou a acenar com concessões: novos planos de carreira e oportunidades profissionais poderão ser introduzidos na própria MP ou em um projeto à parte.
Tal possibilidade gerou reação do influente Unafisco, o sindicato que representa os auditores (7.700 na ativa), os únicos servidores, hoje, com competência legal para aplicar autos de infração aos contribuintes. A categoria vai parar nos próximos dias para pressionar a Câmara a evitar o que chama de "trem da alegria".
Também já se posicionaram contra a MP entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Força Sindical e a Associação Comercial de São Paulo. Mais discreto nas pressões, o empresariado teme que a "Super-Receita" se torne um instrumento de arrocho tributário.
Na Câmara, um abaixo-assinado chegou a reunir cerca de 200 deputados governistas e de oposição para pedir ao governo a retirada de pauta da MP. Um dos articuladores da iniciativa, o petista Tarcísio Zimmermann (RS), hoje avalia que a negociação pode viabilizar a medida. "A MP está pela bola sete, mas o [Jorge] Rachid [secretário da Receita Federal] passou a negociar. Acho que ele percebeu que a situação estava ficando ameaçadora", diz.

Confronto com a oposição
Nesta semana, o governo terá de partir para uma linha de ação que tem sido evitada ao máximo desde o início do mandato do presidente Lula: um confronto aberto com a oposição no plenário da Câmara -e, depois, no Senado, para onde seguirá a MP se for aprovada pelos deputados.
Embora tenha maioria teórica no Congresso, o Planalto não pode contar com a coesão de sua base, especialmente após o agravamento da crise política gerada pelas denúncias de corrupção. Por isso, a praxe é fechar acordos com PSDB e PFL antes das votações, o que será praticamente impossível no caso da "Super-Receita".
"Não creio que a oposição vá ceder", calcula o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). "Mas a base aliada tem número para vencer no voto."
Um estudo da empresa de consultoria Tendências aponta que, neste ano, a fragilidade política tem impedido o Planalto de impor sua agenda ao Congresso, levando até à redução do número de MPs editadas. Neste ano, até agora, foram 42, contra 58 em 2003 e 73 em 2004.
"A julgar pelo desenrolar recente da crise, o padrão minimalista de edição de medidas provisórias pelo governo Lula deve continuar não apenas no último trimestre de 2005 mas possivelmente também ao longo de todo o ano de 2006. Com base nesse indicador, portanto, pode-se constatar que o governo vem governando cada vez menos", diz a Tendências.
(GUSTAVO PATU)

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