|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VENEZUELA
Apesar da alta do preço do barril, efeitos da crise política, má administração e falta de transparência ameaçam setor
Indústria do petróleo regride sob Chávez
DO "FINANCIAL TIMES"
Por boa parte da história moderna da Venezuela, o destino
econômico do país acompanhou
de perto os altos e baixos do petróleo. Afortunadamente para o
presidente Hugo Chávez, seus
quase sete anos no posto coincidiram com uma alta firme no preço
do petróleo cru. Neste ano, a exportação de petróleo deve bater
um recorde histórico, atingindo
os US$ 34 bilhões, um terço acima
dos US$ 26 bilhões registrados no
ano passado.
O boom permitiu que Chávez
acelerasse os gastos públicos. De
acordo com o banco central venezuelano, os dispêndios operacionais do governo aumentaram em
45% em agosto em termos nominais, o equivalente a 30% em termos reais. Isso permitiu que ele
sustentasse sua popularidade dedicando bilhões de dólares a programas, conhecidos como "misiones", que fornecem serviços
gratuitos de saúde nos "barrios",
aulas de alfabetização para a terceira idade e outros serviços.
Chávez diz que o país está à beira de uma nova era do ouro, e dirigentes da estatal Petroleos de
Venezuela (PDVSA) estão contratando consultores e geólogos
para recalcular as dimensões das
reservas nacionais.
A Venezuela tem os maiores depósitos de hidrocarbonetos das
Américas. Mas, se os depósitos de
petróleo ultrapesado forem avaliados devidamente e incluídos no
total de reservas, insiste o governo, seria possível atribuir ao país a
maior reserva mundial, o que teoricamente permitiria que negociasse uma conta maior de extração com a Opep (Organização dos
Países Exportadores de Petróleo).
Um cálculo como esse pode
mascarar diversos problemas
fundamentais. Roger Tissot, analista da consultoria PFC Energy,
sediada em Washington, para o
mercado da América Latina, considera que a Venezuela está longe
de ser capaz de fornecer mais petróleo, não importa que dimensões tenham suas reservas. "Na
verdade, não importa que a Venezuela alegue ter as maiores reservas do mundo", afirma Tissot.
"Isso é irrelevante porque eles já
vêm extraindo em plena capacidade", completa.
Funcionários do governo venezuelano dizem que o país está extraindo 3,4 milhões de barris ao
dia, mas especialistas e a própria
Opep calculam que o número real
é de por volta de 2,6 milhões de
barris. Vítima de batalhas políticas e má administração, a produção de petróleo da PDVSA despencou nos três últimos anos.
Como punição por uma greve,
no final de 2002, Chávez demitiu
quase 20 mil trabalhadores da
empresa, com experiência média
de 15 anos. Os substitutos não foram capazes de administrar de
maneira adequada os poços e demais instalações petroleiras da
empresa.
Quase todo mês surgem notícias de paralisação da produção
de petróleo em uma refinaria devido a incêndio ou acidente. "Não
se pode abandonar do dia para a
noite um total acumulado de 300
mil anos de experiência e substituir os demitidos por outras pessoas, muitas das quais apontadas
por razões políticas, sem que isso
acarrete problemas", disse José
Toro Hardy, consultor do setor
petroleiro e ex-diretor da PDVSA.
Mas o mais notável é que restrições orçamentárias estão agravando os problemas de produção.
Por meio do uso de fundos opacos e sem finalidade específica,
Chávez vem desviando dinheiro
que de outra forma seria usado
em manutenção para bancar suas
"misiones". A PDVSA canalizou
US$ 4,4 bilhões para "gastos sociais" no ano passado, total superior aos US$ 3 bilhões investidos
em manutenção de poços e outros ativos, de acordo com documentos que apresentou à Securities and Exchange Commission (a
SEC, agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza
os mercados de valores mobiliários). Os críticos da atuação da
empresa alegam que ela deveria
investir muito mais em seus poços de petróleo para impedir uma
queda na produtividade.
Além disso, a despeito do boom
de preços, a receita tributária gerada pela PDVSA parece estar
caindo como porcentagem do total arrecadado nacionalmente. No
Orçamento do ano que vem, a expectativa é a de que o setor não-petroleiro, muito mais fraco, responda pela maior parte da arrecadação fiscal.
O problema é que boa parte do
superávit registrado pela PDVSA
é controlado pessoalmente pelo
presidente. O Orçamento do ano
que vem se baseia em um preço
de apenas US$ 26 por barril para a
cesta de petróleos pesados exportada pela Venezuela. Ainda que o
petróleo do país seja negociado
por preço cerca de US$ 10 por
barril inferior ao padrão West Texas Intermediate, a referência para o petróleo cru, os economistas
alegam que a estimativa modesta
tem um motivo principal: quanto
mais baixo for o valor estimado,
maior a margem disponível para
gastos determinados pelo presidente. Toby Bottome, editor do
boletim noticioso "Venecomy",
afirma que "os números do Orçamento não têm relação com a realidade".
Enquanto a produção da
PDVSA cai, o volume produzido
pelas empresas estrangeiras de
petróleo está aumentando. No entanto, esse lado do mercado também pode estar em risco. À medida que o preço do petróleo sobe, o
governo tenta aumentar sua participação nessas receitas. Nos 12
meses passados, Chávez impôs
aumentos nos royalties e nas alíquotas tributárias que incidem
sobre as operações de petróleo de
empresas estrangeiras. Agora, o
governo quer ir mais adiante.
A nova exigência é a de que as
multinacionais convertam seus
contratos operacionais, assinados
na metade dos anos 90, em joint
ventures nas quais o Estado detenha participação majoritária. Rafael Ramirez, ministro da Energia,
afirmou recentemente que o Estado pode assumir participação
acionária de até 80% em 32 projetos que no momento são tocados
com base em acordos operacionais com a PDVSA, mas terão de
ser convertidos em joint ventures
até 2006.
As operações envolvidas produzem cerca de 500 mil barris diários. Empresas como ChevronTexaco, ConocoPhilips and TotalFinaElf poderiam sofrer alterações
em suas classificações de crédito,
caso suas operações venezuelanas
sejam convertidas em joint ventures. Orlando Ochoa, um economista de Caracas, diz que as mudanças constantes na estrutura
jurídica, a instabilidade política
de Chávez e o caos administrativo
conspiram para que a Venezuela
não possa explorar plenamente
suas riquezas energéticas. "O clima gerado pelas experiências de
Chávez com o socialismo do século 21 não é o correto para propiciar o nível de investimento necessário", afirmou.
Texto Anterior: Política monetária: Apesar do custo, analistas defendem reservas Próximo Texto: Previdência complementar: Escolha de IR sobre fundo vai até final do ano Índice
|