São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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CAPITALISMO VERMELHO

Segundo economista, investimento cresce em ritmo menor e diminui demanda por commodities

China reduz pressão sobre preços globais

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de jogar nas alturas os preços de inúmeras matérias-primas, a voracidade da China no mercado internacional começa a diminuir, com a desaceleração de seu ritmo de investimentos.
O maior indício desse movimento é a "dramática" queda na velocidade de expansão das importações neste ano, avalia o economista Nicholas Lardy, do IIE (Institute for Internacional Economics), de Washington, considerado um dos maiores especialistas em China do mundo.
Lardy diz ainda que o país asiático tem de mudar seu modelo de desenvolvimento, reduzindo o peso de investimentos e exportações no PIB e aumentando o do consumo. Só depois disso seria possível uma valorização mais agressiva da moeda local, o yuan.
A seguir, trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone:

Folha - As importações chinesas estão crescendo em ritmo menor do que em anos anteriores, apesar de a economia continuar se expandindo na mesma velocidade. Isso indica um excesso de capacidade?
Nicholas Lardy -
Essa é uma anomalia muito importante. O crescimento da economia parece estar no mesmo patamar de anos anteriores, mas o das importações é dramaticamente inferior. Eu creio que isso sugere que a demanda de investimentos na China diminuiu de maneira significativa.
Se olharmos a composição das importações, a maior queda ocorreu nas categorias de máquinas e equipamentos. Essas importações estão agora crescendo a um ritmo equivalente a um quarto do registrado nos dois últimos anos.

Folha - Mas o índice de investimentos é ainda muito alto, não?
Lardy -
Sim, os dados mensais de investimentos em ativos fixos são bastante altos, mas eu creio que eles são enganosos, por alguns problemas metodológicos nas estatísticas mensais de investimentos. Se compararmos os números dos últimos anos com o que aparece nas estatísticas sobre o PIB, vemos que esse dado é bastante inferior à soma dos valores divulgados mensalmente.

Folha - Quais as conseqüências do menor investimento chinês?
Lardy -
Para o resto do mundo, a China não é mais uma grande fonte de pressão de alta sobre os preços da maioria das commodities. No ano passado, a importação de petróleo pela China cresceu 37%, 38%. Nos primeiros nove meses deste ano, as importações de petróleo chinesas subiram apenas 3% ou 4%. A China não está mais aumentando sua demanda de muitas matérias-primas na mesma velocidade que vimos em 2003 e 2004.

Folha - Essa é uma má notícia para países que exportam matérias-primas para a China, como o Brasil?
Lardy -
Eu diria que minério de ferro [que representa 23% das exportações brasileiras à China] é uma exceção. As importações de minério de ferro ainda estão crescendo muito rápido porque a produção de aço chinês está aumentando rapidamente.
Há uma tremenda mudança na posição da China no mercado global de aço. O país foi o maior importador do mundo em 2003, em 2004 as importações caíram pela metade e, neste ano, deve ser exportador líquido.
A demanda da China por aço no mercado mundial evaporou. Como sua própria produção de aço está aumentando, sua demanda por minério de ferro continua a crescer de forma significativa.

Folha - Então a má notícia é para os fabricantes de aço?
Lardy -
Sim. Os preços de aço ficaram razoavelmente fortes neste ano, por razões independentes da demanda chinesa. Mas no restante do ano e até 2007 a China deve pressionar para baixo os preços do aço no mercado global. Neste ano, a China vai produzir cerca de 360 milhões de toneladas de aço [o Brasil produz 32 milhões].

Folha - O aumento da produção chinesa vai levar a um excesso de capacidade global no setor de aço?
Lardy -
Poderíamos ter um período de vários anos com excesso de capacidade mundial, mas há incertezas em relação a isso. A China reconheceu que a situação mudou de maneira dramática e pediu aos fabricantes nacionais de aço que cortem sua produção em pelo menos 5% neste ano. Eles estão tomando medidas que, se forem totalmente implementadas, devem amenizar a situação.
Mas não é certo que os fabricantes vão seguir essa orientação. A China tem muitos produtores -cerca 70 grandes fabricantes- e os dez maiores controlam uma parcela relativamente pequena do mercado. Se fosse um setor altamente concentrado, o governo teria mais chances de sucesso na tentativa de reduzir a produção.

Folha - Ainda que o investimento diminua neste ano, ele ainda será bastante alto em relação ao PIB. Por quanto tempo mais a China pode sustentar um modelo de desenvolvimento baseado no aumento dos investimentos?
Lardy -
Os chineses reconhecem que o padrão de crescimento baseado em investimentos que eles implementam desde 2002 não é sustentável. Ele está conduzindo a um excesso de capacidade em vários setores, a pressões de redução de preços, a diminuição de lucros e a uma queda em investimentos.
No momento, as exportações líquidas se transformaram na maior fonte de crescimento, substituindo, em alguma medida, a demanda por altos investimentos.
Os índices de crescimento do PIB continuam fortes porque o volume de exportações menos importações está crescendo a uma velocidade muito grande. Como você mencionou, o aumento das importações tem sido muito menor que o de anos recentes. Mas a expansão das exportações se mantém em 32%, 33%, apenas dois ou três pontos percentuais abaixo de 2004.
No entanto, as autoridades também reconhecem que esse modelo não é sustentável por muito tempo. A estratégia que eles têm discutido cada vez mais é a transição a um modelo de crescimento que se sustente mais no consumo doméstico.

Folha - Qual a probabilidade de que essa transição ocorra?
Lardy -
É muito incerto. A China não tem alguns dos instrumentos tradicionais que países usariam para estimular o consumo, como a redução do Imposto de Renda da pessoa física. Esse imposto já é muito baixo na China e corresponde a 1% do PIB.
Ainda que o imposto fosse eliminado, isso não levaria necessariamente a um aumento do consumo, especialmente se considerarmos o fato de que ele só é pago pela metade dos empregados que ganham os salários mais altos. A outra metade não paga nada.
O sistema tributário da China se baseia em impostos indiretos e sobre valor agregado. O provável efeito do corte desses tributos seria uma ligeira redução de preços de alguns produtos. Não é claro que isso levaria a um grande aumento de consumo.
Do lado dos gastos públicos, uma importante parcela deles vai para investimentos. Mas o governo está tentando cortar a taxa de investimentos. Com isso, o único estímulo que eles poderiam usar é aumentar o consumo do governo.
Isso significaria em primeiro lugar elevar os gastos com saúde e educação. Mas o consumo do governo como percentual do PIB é relativamente baixo, apenas 10% a 12%. Ainda que eles possam aumentá-los entre 20% e 30% no período de dois anos, estaríamos falando de 1% a 1,5% do PIB ao ano.

Folha - Além disso, há um grande estímulo à poupança, tendo em vista a ausência de uma rede de proteção social na China.
Lardy -
Exatamente. Eu creio que muito da poupança é realizada por precaução. As pessoas estão poupando porque estão preocupadas em ter de pagar médicos, remédios e hospitais se elas ficaram doentes. Apenas 14% da população tem algum tipo de seguro-saúde. O restante tem de pagar do seu bolso.
As aposentadorias são incertas, muitos perderam os benefícios na reestruturação dos últimos anos e muitas pessoas estão poupando para quando se aposentarem.

Folha - Por que o sr. diz que o modelo de crescimento baseado em exportações não é sustentável?
Lardy -
Por duas razões. A primeira é doméstica. Muitos na China reconhecem que a moeda está subavaliada, o que tende a aumentar a lucratividade dos exportadores e elevar os investimentos nesse setor. Mas, no longo prazo, com uma taxa de câmbio de equilíbrio, muitos dos investimentos que foram realizados em exportações não serão lucrativos.
Acredito que eles reconhecem que, se mantiverem a moeda subavaliada por muito tempo, irão sofrer uma significativa distorção nas decisões de investimentos.
A razão externa é que eles vão sofrer pressões protecionistas em muitos de seus mercados mais importantes, em razão de seu grande superávit.

Folha - Qual a probabilidade de uma nova valorização do yuan?
Lardy -
No curto prazo, eu creio que a liderança chinesa esteja relutante em valorizar o yuan, porque o crescimento econômico está muito dependente das exportações. Se eles apenas valorizarem a moeda, estarão aceitando um ritmo de crescimento menor e uma menor criação de empregos.
Acredito que o que eles estão tentando fazer é criar políticas para aumentar a demanda doméstica ao longo do tempo.
Se eles sentirem confiança de que essas políticas podem funcionar, então eles devem permitir que a moeda se aprecie. Não creio que muito, mas algo como três a cinco pontos percentuais no período de vários meses.

Folha - Quais são os maiores riscos para a economia do país?
Lardy -
O maior risco é o investimento diminuir ainda mais em 2006, o que reduziria o ritmo de crescimento da economia.
Nós falamos sobre políticas que tentam aumentar a demanda interna, mas há uma força atuando na direção oposta.
Na medida em que investimentos diminuem, a maior queda ocorre na construção, setor que utiliza muita mão-de-obra. Se o crescimento na construção desacelera -o que eu acho que já está ocorrendo-, isso leva a um menor ritmo de criação de empregos e tende a funcionar contra o aumento do consumo.
O grande risco é que o menor crescimento em investimentos leve a uma desaceleração do consumo, que é baixo, mas responde por 40% do PIB. Se essa parcela da demanda começar a enfraquecer, então o risco é a economia crescer menos em 2006 e 2007.

Folha - Quão menos?
Lardy -
Estamos falando de uma desaceleração de dois a três pontos percentuais. Não seria grande, mas seria uma redução em relação ao passado recente.

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