|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CAPITALISMO VERMELHO
Segundo economista, investimento cresce em ritmo menor e diminui demanda por commodities
China reduz pressão sobre preços globais
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de jogar nas alturas os
preços de inúmeras matérias-primas, a voracidade da China no
mercado internacional começa a
diminuir, com a desaceleração de
seu ritmo de investimentos.
O maior indício desse movimento é a "dramática" queda na
velocidade de expansão das importações neste ano, avalia o economista Nicholas Lardy, do IIE
(Institute for Internacional Economics), de Washington, considerado um dos maiores especialistas em China do mundo.
Lardy diz ainda que o país asiático tem de mudar seu modelo de
desenvolvimento, reduzindo o
peso de investimentos e exportações no PIB e aumentando o do
consumo. Só depois disso seria
possível uma valorização mais
agressiva da moeda local, o yuan.
A seguir, trechos da entrevista,
concedida à Folha por telefone:
Folha - As importações chinesas
estão crescendo em ritmo menor
do que em anos anteriores, apesar
de a economia continuar se expandindo na mesma velocidade. Isso
indica um excesso de capacidade?
Nicholas Lardy - Essa é uma anomalia muito importante. O crescimento da economia parece estar
no mesmo patamar de anos anteriores, mas o das importações é
dramaticamente inferior. Eu creio
que isso sugere que a demanda de
investimentos na China diminuiu
de maneira significativa.
Se olharmos a composição das
importações, a maior queda ocorreu nas categorias de máquinas e
equipamentos. Essas importações
estão agora crescendo a um ritmo
equivalente a um quarto do registrado nos dois últimos anos.
Folha - Mas o índice de investimentos é ainda muito alto, não?
Lardy - Sim, os dados mensais de
investimentos em ativos fixos são
bastante altos, mas eu creio que
eles são enganosos, por alguns
problemas metodológicos nas estatísticas mensais de investimentos. Se compararmos os números
dos últimos anos com o que aparece nas estatísticas sobre o PIB,
vemos que esse dado é bastante
inferior à soma dos valores divulgados mensalmente.
Folha - Quais as conseqüências do
menor investimento chinês?
Lardy - Para o resto do mundo, a
China não é mais uma grande
fonte de pressão de alta sobre os
preços da maioria das commodities. No ano passado, a importação de petróleo pela China cresceu 37%, 38%. Nos primeiros nove meses deste ano, as importações de petróleo chinesas subiram
apenas 3% ou 4%. A China não
está mais aumentando sua demanda de muitas matérias-primas na mesma velocidade que vimos em 2003 e 2004.
Folha - Essa é uma má notícia para países que exportam matérias-primas para a China, como o Brasil?
Lardy - Eu diria que minério de
ferro [que representa 23% das exportações brasileiras à China] é
uma exceção. As importações de
minério de ferro ainda estão crescendo muito rápido porque a
produção de aço chinês está aumentando rapidamente.
Há uma tremenda mudança na
posição da China no mercado
global de aço. O país foi o maior
importador do mundo em 2003,
em 2004 as importações caíram
pela metade e, neste ano, deve ser
exportador líquido.
A demanda da China por aço no
mercado mundial evaporou. Como sua própria produção de aço
está aumentando, sua demanda
por minério de ferro continua a
crescer de forma significativa.
Folha - Então a má notícia é para
os fabricantes de aço?
Lardy - Sim. Os preços de aço ficaram razoavelmente fortes neste
ano, por razões independentes da
demanda chinesa. Mas no restante do ano e até 2007 a China deve
pressionar para baixo os preços
do aço no mercado global. Neste
ano, a China vai produzir cerca de
360 milhões de toneladas de aço
[o Brasil produz 32 milhões].
Folha - O aumento da produção
chinesa vai levar a um excesso de
capacidade global no setor de aço?
Lardy - Poderíamos ter um período de vários anos com excesso
de capacidade mundial, mas há
incertezas em relação a isso. A
China reconheceu que a situação
mudou de maneira dramática e
pediu aos fabricantes nacionais
de aço que cortem sua produção
em pelo menos 5% neste ano. Eles
estão tomando medidas que, se
forem totalmente implementadas, devem amenizar a situação.
Mas não é certo que os fabricantes vão seguir essa orientação. A
China tem muitos produtores
-cerca 70 grandes fabricantes-
e os dez maiores controlam uma
parcela relativamente pequena do
mercado. Se fosse um setor altamente concentrado, o governo teria mais chances de sucesso na
tentativa de reduzir a produção.
Folha - Ainda que o investimento
diminua neste ano, ele ainda será
bastante alto em relação ao PIB. Por
quanto tempo mais a China pode
sustentar um modelo de desenvolvimento baseado no aumento dos
investimentos?
Lardy - Os chineses reconhecem
que o padrão de crescimento baseado em investimentos que eles
implementam desde 2002 não é
sustentável. Ele está conduzindo a
um excesso de capacidade em vários setores, a pressões de redução
de preços, a diminuição de lucros
e a uma queda em investimentos.
No momento, as exportações líquidas se transformaram na
maior fonte de crescimento, substituindo, em alguma medida, a
demanda por altos investimentos.
Os índices de crescimento do
PIB continuam fortes porque o
volume de exportações menos
importações está crescendo a
uma velocidade muito grande.
Como você mencionou, o aumento das importações tem sido
muito menor que o de anos recentes. Mas a expansão das exportações se mantém em 32%,
33%, apenas dois ou três pontos
percentuais abaixo de 2004.
No entanto, as autoridades também reconhecem que esse modelo não é sustentável por muito
tempo. A estratégia que eles têm
discutido cada vez mais é a transição a um modelo de crescimento
que se sustente mais no consumo
doméstico.
Folha - Qual a probabilidade de
que essa transição ocorra?
Lardy - É muito incerto. A China
não tem alguns dos instrumentos
tradicionais que países usariam
para estimular o consumo, como
a redução do Imposto de Renda
da pessoa física. Esse imposto já é
muito baixo na China e corresponde a 1% do PIB.
Ainda que o imposto fosse eliminado, isso não levaria necessariamente a um aumento do consumo, especialmente se considerarmos o fato de que ele só é pago
pela metade dos empregados que
ganham os salários mais altos. A
outra metade não paga nada.
O sistema tributário da China se
baseia em impostos indiretos e
sobre valor agregado. O provável
efeito do corte desses tributos seria uma ligeira redução de preços
de alguns produtos. Não é claro
que isso levaria a um grande aumento de consumo.
Do lado dos gastos públicos,
uma importante parcela deles vai
para investimentos. Mas o governo está tentando cortar a taxa de
investimentos. Com isso, o único
estímulo que eles poderiam usar é
aumentar o consumo do governo.
Isso significaria em primeiro lugar elevar os gastos com saúde e
educação. Mas o consumo do governo como percentual do PIB é
relativamente baixo, apenas 10%
a 12%. Ainda que eles possam aumentá-los entre 20% e 30% no período de dois anos, estaríamos falando de 1% a 1,5% do PIB ao ano.
Folha - Além disso, há um grande
estímulo à poupança, tendo em
vista a ausência de uma rede de
proteção social na China.
Lardy - Exatamente. Eu creio
que muito da poupança é realizada por precaução. As pessoas estão poupando porque estão preocupadas em ter de pagar médicos,
remédios e hospitais se elas ficaram doentes. Apenas 14% da população tem algum tipo de seguro-saúde. O restante tem de pagar
do seu bolso.
As aposentadorias são incertas,
muitos perderam os benefícios na
reestruturação dos últimos anos e
muitas pessoas estão poupando
para quando se aposentarem.
Folha - Por que o sr. diz que o modelo de crescimento baseado em
exportações não é sustentável?
Lardy - Por duas razões. A primeira é doméstica. Muitos na
China reconhecem que a moeda
está subavaliada, o que tende a
aumentar a lucratividade dos exportadores e elevar os investimentos nesse setor. Mas, no longo
prazo, com uma taxa de câmbio
de equilíbrio, muitos dos investimentos que foram realizados em
exportações não serão lucrativos.
Acredito que eles reconhecem
que, se mantiverem a moeda subavaliada por muito tempo, irão
sofrer uma significativa distorção
nas decisões de investimentos.
A razão externa é que eles vão
sofrer pressões protecionistas em
muitos de seus mercados mais
importantes, em razão de seu
grande superávit.
Folha - Qual a probabilidade de
uma nova valorização do yuan?
Lardy - No curto prazo, eu creio
que a liderança chinesa esteja relutante em valorizar o yuan, porque o crescimento econômico está muito dependente das exportações. Se eles apenas valorizarem a
moeda, estarão aceitando um ritmo de crescimento menor e uma
menor criação de empregos.
Acredito que o que eles estão
tentando fazer é criar políticas para aumentar a demanda doméstica ao longo do tempo.
Se eles sentirem confiança de
que essas políticas podem funcionar, então eles devem permitir
que a moeda se aprecie. Não creio
que muito, mas algo como três a
cinco pontos percentuais no período de vários meses.
Folha - Quais são os maiores riscos para a economia do país?
Lardy - O maior risco é o investimento diminuir ainda mais em
2006, o que reduziria o ritmo de
crescimento da economia.
Nós falamos sobre políticas que
tentam aumentar a demanda interna, mas há uma força atuando
na direção oposta.
Na medida em que investimentos diminuem, a maior queda
ocorre na construção, setor que
utiliza muita mão-de-obra. Se o
crescimento na construção desacelera -o que eu acho que já está
ocorrendo-, isso leva a um menor ritmo de criação de empregos
e tende a funcionar contra o aumento do consumo.
O grande risco é que o menor
crescimento em investimentos leve a uma desaceleração do consumo, que é baixo, mas responde
por 40% do PIB. Se essa parcela da
demanda começar a enfraquecer,
então o risco é a economia crescer
menos em 2006 e 2007.
Folha - Quão menos?
Lardy - Estamos falando de uma
desaceleração de dois a três pontos percentuais. Não seria grande,
mas seria uma redução em relação ao passado recente.
Texto Anterior: Previdência complementar: Escolha de IR sobre fundo vai até final do ano Próximo Texto: Artigo: O mundo se equilibra na cabeça do alfinete do desequilíbrio americano Índice
|