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OPINIÃO ECONÔMICA
Um balanço de 20 anos
PAULO RABELLO DE CASTRO
O noticiário de fim de ano
martelou o balanço de 2003
na política e na economia. Deu
para perceber o tom positivo e o
saldo a favor da administração
Lula, principalmente do próprio
presidente. Mais além da avaliação de apenas um ano de governo, período insuficiente para a
atribuição de um julgamento
equidistante, acentuaram-se em
2003 ao contornos de uma crescente estabilidade político-institucional no país, que já estava lá
desde a superação da morte de
Tancredo Neves, o governo de
Sarney, a eleição de Collor e a
execução do seu impeachment
com a adequada superação de
seus efeitos, o Real, as duas administrações civilistas de Fernando
Henrique, para desembocar na
falsa (porém necessária ao script)
ameaça embutida na eleição de
Lula e do PT e, finalmente, o teste
duro do seu primeiro ano administrativo, mediante a superação
das dúvidas dos mercados quanto
ao centrismo do exercício do poder no Brasil. O sucesso internacional do presidente Lula, mais
do que seus feitos domésticos,
qualifica e confirma a vocação
centrista da política brasileira de
longo prazo, na qual começa a ficar claro que os grandes interesses
do país são largamente invariantes aos eventuais inquilinos do
Palácio do Planalto, ainda que
cada um ponha sua marca pessoal e, eventualmente, partidária,
ao exercício do mandato.
É essa a constatação das pessoas, ao observar, com maior ou
menor atenção, não importa, a
cena brasileira dos últimos 20
anos desde 1984, da transição castrense para a norma democrática
e civil, que afastou o medo do revertério autoritário e, mais importante ainda, acentuou a capacidade das instituições brasileiras
de produzirem soluções para crises da política (Collor, impeachment, governo de esquerda) ou da
economia (megainflação, indexação geral, desvalorização cambial, crise de energia, pobreza e
má distribuição) com resultados
não só favoráveis às melhores expectativas dos mercados como,
principalmente, consolidadores
da estabilidade político-institucional. É essa capacidade política
do Brasil, firmada nos últimos 20
anos, o que credencia de fato o
país a esperar reduções continuadas no chamado risco-país, medido pelo "spread" dos títulos brasileiros, que hoje voltou a estar
abaixo dos 500 pontos de ágio de
risco e pode perfeitamente recuar
até a faixa entre 200 e 300 pontos,
lembrando que esse mesmo ágio
subira aos píncaros de 2.400 pontos em setembro de 2002, pouco
antes da eleição de Lula.
O risco "de" país que merece recuar ainda mais não é esse, como
calculado pela opinião corrente
dos mercados a respeito do deságio dos títulos brasileiros, e sim, o
"credit rating", a classificação de
risco atribuída ao Brasil por
agências internacionais de avaliação.
A nota chamada "soberana",
aquela que reflete a probabilidade de o Banco Central honrar a
transferência de pagamentos dos
títulos públicos e privados nos
próximos cinco anos, pelas projeções de futuras disponibilidades
de divisas (nossas reservas oficiais
e a vontade soberana de pagar os
compromissos), ainda é qualificada por aquelas agências estrangeiras como de "risco alto", caracterizado por garantias insuficientes e, portanto, elevada chance de
não-pagamento.
Trata-se de uma avaliação há
muito equivocada. Menos pelo
padrão dos indicadores financeiros de reservas livres e/ou de exportações sobre encargos financeiros ou sobre dívida, estes ainda
relativamente fracos por culpa
exclusiva da má seleção de prioridades de instrumentos de políticas monetária-fiscal. Mas avaliação equivocada, sim, pelo elevado
padrão de estabilidade político-institucional exibido pelo Brasil
nos últimos 20 anos, muito superior ao de muitos dos seus vizinhos e, sobretudo, do de outros
países emergentes na Europa e na
Ásia cujas notas de "credit rating" têm sido cronicamente melhores que as do Brasil.
Isso para não falar em comparações que são válidas e possíveis
entre os riscos de algumas corporações, avaliadas pelas agências
de "rating" tradicionais como
"padrão de investimento" e que
se revelaram nada mais que um
castelo de cartas (no caso, cartas
de crédito falsas), como no exemplo recente da Parmalat, empresa
até ontem considerada "investment grade". Melhores precisarão
ser, daqui para frente, as avaliações de governança corporativa
de empresas, porque é disso que se
trata quando somos surpreendidos por casos de grande sucesso se
transformando em casos de polícia. E o mesmo conceito se segue
em relação a países cujo padrão
de governança -a tal estabilidade político-institucional- é pessimamente avaliado por agências, onde casos de patinhos feios
como o Brasil se revelam resilientes e bons pagadores (embora
amargando taxas de risco monumentais) e outros, considerados
exemplares, revelam-se inadimplentes mais adiante.
O principal ainda está por vir. O
Brasil tampouco fez seu dever de
casa completo para reverter o
quadro de má avaliação de risco.
Tem um discurso ainda confuso
sobre seus objetivos econômicos e
políticos, embora melhorando
nesse aspecto. Deve a si mesmo e
aos observadores externos mais
unidade de propósitos no campo
das realizações materiais. Isso se
chama ter um plano econômico
de governo. Precisa de um discurso mais consistente sobre o que
não aceita como imposição externa. E, sobretudo, perceber que
não basta ganhar o titulo de
"darling" das instituições financeiras multilaterais para pagar
menos "spread", seja aqui dentro
ou lá fora. São os coeficientes de
dependência e de vulnerabilidade
do Brasil que precisam ser reduzidos com muito maior velocidade.
E isso não se faz apenas com marketing político.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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