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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As agências reguladoras e a terceirização do governo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Os debates sobre a questão dos contratos de concessão das empresas de energia elétrica e de telecomunicações subiram de tom depois que o ministro José Dirceu (Casa Civil) usou a expressão "herança maldita", para se referir às brutais correções das tarifas previstas para os próximos meses. Ela funcionou como uma verdadeira palavra de ordem, para usar uma expressão clássica da esquerda, e liberou os ministros para criticar os novos marcos regulatórios criados na era FHC para os serviços públicos. O próprio presidente Lula veio a público denunciar o que ele chamou de terceirização das atividades do governo.
Creio que vivemos um momento em que os defensores desse novo arranjo institucional devem se manifestar para resgatar as idéias centrais que serviram de base para a criação das chamadas agências reguladoras, em alguns setores de serviços públicos essenciais. É preciso evitar que o debate tipo palanque eleitoral, a que infelizmente estamos assistindo hoje na imprensa, impeça uma revisão sensata do que foi feito até hoje, separando-se o certo do errado e o que funciona do que foi criado pelo delírio liberal de uns poucos. O governo do PT demonstra que, também nessa questão, chegou ao governo sem uma proposta concreta, definida com clareza e em detalhes, o que o impede de propor com sensatez alterações do quadro legal aprovado pelo Congresso no governo passado.
Para realizar uma discussão madura sobre esse assunto, devemos começar pela explicitação da natureza dos serviços públicos chamados de monopólios naturais. Essas atividades, como a telefonia fixa, a transmissão e a distribuição de energia elétrica e o saneamento de água e esgoto, por suas características técnicas, exigem das concessionárias enormes investimentos na montagem de uma rede fixa de distribuição de seus serviços. Por isso torna-se antieconômica a existência de mais de uma empresa chegando ao consumidor final, criando-se assim a situação que se chama de monopólio natural.
O instrumento que impede que a empresa concessionária -seja ela estatal ou privada- exerça seu poder monopolista é o contrato de concessão. Firmado com o nível de governo que tem o poder constitucional de executar esses serviços, representado ou não por uma agência reguladora independente, nele estão determinadas as obrigações e direitos do concessionário. Válido por um período de tempo definido em função das condições econômicas da atividade que se vai regular -quanto mais intensivo de capital, maior o prazo da concessão- , o contrato deve permitir que três objetivos principais sejam atingidos:
1) a satisfação dos consumidores, garantindo preço e qualidade adequados;
2) a maior universalização possível dos serviços via investimentos continuados e, se necessário, com subsídios explicitados nos orçamentos públicos;
3) a rentabilidade adequada para o capital, seja ele público ou privado, investido na empresa.
A história, nossa e de outros países na América Latina, mostra que os desequilíbrios entre esses objetivos acabam sempre causando sérios problemas na oferta dos serviços públicos. O mais frequente e comum deles ocorre quando o governo procura fixar tarifas antieconômicas para agradar à opinião pública. A concentração de renda, marca comum nessas sociedades, faz com que o peso das tarifas públicas nos orçamentos familiares das classes de menor poder aquisitivo seja desproporcionalmente alto, criando espaço para medidas demagógicas, principalmente em períodos de alta inflação.
Com preços inadequados, a geração de caixa da empresa se reduz e sua capacidade de realizar os investimentos necessários para a manutenção dos serviços entra em colapso. Beneficiário inicial do processo, o consumidor acaba sendo prejudicado pela deterioração dos serviços prestados. Com frequência, antes do amargo fim, existe um período em que o Tesouro é chamado a subsidiar as concessionárias públicas em dificuldades. Tudo termina, ao cabo de alguns anos, em inflação e baixa qualidade na oferta de serviços -o que impede o próprio desenvolvimento econômico do país.
Um segundo desequilíbrio importante ocorre quando a regulação dos monopólios naturais dá às forças de mercado um poder excessivo para definir a forma como os serviços serão prestados. Isso aconteceu na Argentina nos anos 90 do século passado. Nessa situação os preços cobrados serão superiores ao necessário para remunerar adequadamente os investimentos, e a exclusão social pelo nível de renda, muito forte.
Se no caso da primeira armadilha para a empresa concessionária a causa dos problemas é o excesso de poder do governo, para atender seus objetivos de curto prazo em detrimento do futuro, na segunda situação temos a falta de poder regulatório como origem dos problemas.
Buscar soluções racionais e socialmente justas, para construir um modelo institucional nessa área de serviços públicos com característica de monopólio natural, foi uma das grandes contribuições do governo Fernando Henrique Cardoso. Na próxima semana vou fazer a sua defesa diante de meus leitores.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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