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OPINIÃO ECONÔMICA
As agências reguladoras e a terceirização do governo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Os debates sobre a questão
dos contratos de concessão
das empresas de energia elétrica e
de telecomunicações subiram de
tom depois que o ministro José
Dirceu (Casa Civil) usou a expressão "herança maldita", para se
referir às brutais correções das tarifas previstas para os próximos
meses. Ela funcionou como uma
verdadeira palavra de ordem, para usar uma expressão clássica da
esquerda, e liberou os ministros
para criticar os novos marcos regulatórios criados na era FHC para os serviços públicos. O próprio
presidente Lula veio a público denunciar o que ele chamou de terceirização das atividades do governo.
Creio que vivemos um momento em que os defensores desse novo arranjo institucional devem se
manifestar para resgatar as
idéias centrais que serviram de
base para a criação das chamadas agências reguladoras, em alguns setores de serviços públicos
essenciais. É preciso evitar que o
debate tipo palanque eleitoral, a
que infelizmente estamos assistindo hoje na imprensa, impeça
uma revisão sensata do que foi
feito até hoje, separando-se o certo do errado e o que funciona do
que foi criado pelo delírio liberal
de uns poucos. O governo do PT
demonstra que, também nessa
questão, chegou ao governo sem
uma proposta concreta, definida
com clareza e em detalhes, o que o
impede de propor com sensatez
alterações do quadro legal aprovado pelo Congresso no governo
passado.
Para realizar uma discussão
madura sobre esse assunto, devemos começar pela explicitação da
natureza dos serviços públicos
chamados de monopólios naturais. Essas atividades, como a telefonia fixa, a transmissão e a distribuição de energia elétrica e o
saneamento de água e esgoto, por
suas características técnicas, exigem das concessionárias enormes
investimentos na montagem de
uma rede fixa de distribuição de
seus serviços. Por isso torna-se antieconômica a existência de mais
de uma empresa chegando ao
consumidor final, criando-se assim a situação que se chama de
monopólio natural.
O instrumento que impede que
a empresa concessionária -seja
ela estatal ou privada- exerça
seu poder monopolista é o contrato de concessão. Firmado com o
nível de governo que tem o poder
constitucional de executar esses
serviços, representado ou não por
uma agência reguladora independente, nele estão determinadas as obrigações e direitos do
concessionário. Válido por um
período de tempo definido em
função das condições econômicas
da atividade que se vai regular
-quanto mais intensivo de capital, maior o prazo da concessão-
, o contrato deve permitir que três
objetivos principais sejam atingidos:
1) a satisfação dos consumidores, garantindo preço e qualidade
adequados;
2) a maior universalização possível dos serviços via investimentos continuados e, se necessário,
com subsídios explicitados nos orçamentos públicos;
3) a rentabilidade adequada
para o capital, seja ele público ou
privado, investido na empresa.
A história, nossa e de outros
países na América Latina, mostra
que os desequilíbrios entre esses
objetivos acabam sempre causando sérios problemas na oferta dos
serviços públicos. O mais frequente e comum deles ocorre quando o
governo procura fixar tarifas antieconômicas para agradar à opinião pública. A concentração de
renda, marca comum nessas sociedades, faz com que o peso das
tarifas públicas nos orçamentos
familiares das classes de menor
poder aquisitivo seja desproporcionalmente alto, criando espaço
para medidas demagógicas, principalmente em períodos de alta
inflação.
Com preços inadequados, a geração de caixa da empresa se reduz e sua capacidade de realizar
os investimentos necessários para
a manutenção dos serviços entra
em colapso. Beneficiário inicial
do processo, o consumidor acaba
sendo prejudicado pela deterioração dos serviços prestados. Com
frequência, antes do amargo fim,
existe um período em que o Tesouro é chamado a subsidiar as
concessionárias públicas em dificuldades. Tudo termina, ao cabo
de alguns anos, em inflação e baixa qualidade na oferta de serviços
-o que impede o próprio desenvolvimento econômico do país.
Um segundo desequilíbrio importante ocorre quando a regulação dos monopólios naturais dá
às forças de mercado um poder
excessivo para definir a forma como os serviços serão prestados. Isso aconteceu na Argentina nos
anos 90 do século passado. Nessa
situação os preços cobrados serão
superiores ao necessário para remunerar adequadamente os investimentos, e a exclusão social
pelo nível de renda, muito forte.
Se no caso da primeira armadilha para a empresa concessionária a causa dos problemas é o excesso de poder do governo, para
atender seus objetivos de curto
prazo em detrimento do futuro,
na segunda situação temos a falta
de poder regulatório como origem
dos problemas.
Buscar soluções racionais e socialmente justas, para construir
um modelo institucional nessa
área de serviços públicos com característica de monopólio natural, foi uma das grandes contribuições do governo Fernando
Henrique Cardoso. Na próxima
semana vou fazer a sua defesa
diante de meus leitores.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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