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ENTREVISTA
GUIDO MANTEGA
Mais exportadoras terão benefício
Pacote prevê redução no percentual obrigatório de exportação para que empresa possa obter vantagens fiscais
MARIA CRISTINA FRIAS
COLUNISTA DA FOLHA
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
O ministro Guido Mantega
(Fazenda) adiantou com exclusividade para a Folha medidas
para o pacote cambial que deverá ser anunciado até o final
do mês, depois de ser aprovado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas estendem benefícios fiscais a um maior número de exportadores e estimulam pequenos e médios empresários que estão no Simples
a exportar mais.
Mantega diz que, se Henrique Meirelles sair do Banco
Central, a autoridade monetária manterá a mesma política,
assim como a ministra-chefe
da Casa Civil, Dilma Rousseff,
se eleita, "manteria o [superavit] fiscal, a política monetária,
portanto, a inflação sob controle". Seria "burrice" mudar a política inflacionária, afirma.
"Essa história de mais à esquerda, mais à direita não faz o
menor sentido. Por que alguém
ia mudar algo que está funcionando bem?"
Depois de alfinetar o prefeito
Gilberto Kassab pelo aumento
de tarifa de ônibus e do IPTU,
diz que não pensa em ir para
nenhum banco no exterior depois do governo Lula. "Pretendo ficar no Brasil. Meu lugar
está reservado na FGV." A seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - Que tipo de medida o governo prepara para os exportadores,
além do novo fundo para exportações (Eximbank), já adiantado?
GUIDO MANTEGA - São medidas
que estão em fase final, sendo
discutidas com o ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento),
e todas têm que passar pela
aprovação de Lula.
A primeira é ampliar o conceito de empresa preponderantemente exportadora, que tem
vantagens fiscais. Hoje, para
ser empresa preponderantemente exportadora, a empresa
tem que exportar 60% [da produção]. Baixamos para 40% a
obrigatoriedade de exportar e
mais empresas terão os benefícios, isenções etc.
A segunda medida é isentar
as empresas enquadradas no
Simples, com renda bruta
anual de até R$ 2,4 milhões. Se
além desse valor elas exportarem, não serão desenquadradas. Até certo limite vão continuar a se beneficiar do Simples.
É um estímulo para que pequenas e médias possam exportar e
gozar dos privilégios.
A terceira é isentar remessas
de serviços do Imposto de Renda, se estiverem ligadas a operação de comércio exterior.
Uma empresa exportadora que
vai expor em uma feira, por
exemplo, tem que pagar pelos
serviços. Essa remessa será
isenta de IR por estar ligada ao
comércio exterior.
Outra: criar apólice de seguro
usando como base o FGE (Fundo Garantidor de Exportação),
que já existe. Exportador recebe apólice e com isso vai baratear o custo, pois baixa o risco.
Vamos incluir no PSI (Programa de Sustentação do Investimento), que tem taxa de juros
de 4,5% ao ano -as mais baratas do mercado-, para financiamento, os manufaturados,
não só bens de capital [como
atualmente], para se beneficiarem dessas linhas de crédito.
FOLHA - E em relação à modernização da legislação cambial?
MANTEGA - Fizemos a medida
mais vantajosa para o exportador: permitir que o resultado da
exportação fique no exterior.
FOLHA - Nada mais?
MANTEGA - Estão em estudo
outras medidas para o crédito.
Uma demanda forte é que a
gente devolva créditos de exportação. Essa é mais complicada, porque esbarra na disponibilidade do Tesouro.
FOLHA - Avançou a desoneração da
folha de pagamento das empresas?
MANTEGA - Neste momento, eu
diria que não temos condições.
Daqui a três, quatro meses, vai
depender da arrecadação. Se
houver espaço, faremos mais
medidas de desoneração para
exportação e investimento.
FOLHA - Como foi a arrecadação
até fevereiro?
MANTEGA - Dentro das expectativas, janeiro um pouquinho a
mais, fevereiro dentro das expectativas.
FOLHA - O governo deixará uma
dependência de capital financeiro
externo crescente. Isso já ajudou a
abortar ciclos de crescimento. Por
que seria diferente agora?
MANTEGA - Não foi isso que
abortou nossos ciclos de crescimento. Foi a dívida externa, e
não o deficit em transações correntes. A dívida externa hoje é
de US$ 200 bilhões, a privada e
a pública, sendo que a pública é
de cerca de US$ 70 bilhões. E
temos US$ 240 bilhões de reservas. A situação que vamos
deixar para o próximo governo
é maravilhosa, mesmo com o
deficit em transações correntes
maior do que eu gostaria. Mas
esse deficit está sendo coberto
pelos investimentos externos.
Não está indo para o consumo.
Essa é a diferença.
FOLHA - Que medidas vai tomar
para conter o deficit?
MANTEGA - Aquilo de que falamos agora são medidas para estimular o setor externo. Em
parte, esse deficit se deve também à crise. Quando houver a
recuperação da economia internacional, poderemos aumentar nossa exportação. Com
esse deficit em transações correntes, a tendência é que não
haja tanta valorização do real.
O real poderá até sofrer alguma
desvalorização.
FOLHA - Empresários reclamam da
falta de política industrial.
MANTEGA - Temos uma política
industrial. Retiramos o IPI da
maioria dos bens de capital. Fizemos o PSI, uma linha de financiamento de R$ 42 bilhões.
Reduzimos o tempo de utilização do crédito de PIS/Cofins de
24 para 12 meses. Isso é política
industrial.
FOLHA - Que garantia há de que
que fundos públicos são bem aplicados nesses conglomerados?
MANTEGA - Existem setores,
dominados por grandes empresas, em que ou você entrega para uma empresa estrangeira ou
fortalece uma nacional. Não há
problema para o recurso do
contribuinte porque, se é um
empréstimo do BNDES, posso
garantir que é o mais criterioso
que você possa imaginar.
FOLHA - Quais são os critérios para
escolher os grupos favorecidos?
MANTEGA - Qualquer grupo que
chegue ao BNDES, que apresente um projeto de expansão
sólido, bem fundamentado.
Tem que mostrar o projeto inteiro, o fluxo de caixa. Ele é checado, virado do avesso. O grupo
tem que ter solidez, não pode
ter nenhum tipo de insolvência, porque isso são regras do
sistema financeiro, que o
BNDES tem que seguir. O nível
de inadimplência do BNDES é
muito próximo a zero.
FOLHA - O senhor acha inevitável a
alta de juros?
MANTEGA - Todo janeiro a inflação é mais alta. Neste ano foi
um pouquinho maior por causa
das chuvas, que afetaram o
item alimentação e o álcool.
Além disso, o prefeito [de São
Paulo, Gilberto] Kassab elevou
em 17% a tarifa de ônibus, um
pouco salgada, e, depois, subiu
o IPTU. Também as mensalidades escolares sobem em janeiro. Em março, todos esses
índices estarão para baixo.
FOLHA - O sr. continua não vendo
rugas na testa de Meirelles, como
disse em Davos?
MANTEGA - Não, eu não vejo, ele
é muito bem conservado e não
sei o que ele faz, mas tem uma
aparência...
FOLHA - Se Meirelles sair do BC,
parte do mercado teme pela independência das decisões. Como o sr.
vê essa questão?
MANTEGA - Em primeiro lugar,
ele não deu nenhum sinal de
que vai sair. Não sei se vai sair
ou não. Se ele sair, não deve haver nenhuma preocupação pelo
seguinte: a mesma política do
BC continuará a ser praticada.
A mesma coisa aconteceria se
eu saísse da Fazenda. A política
é do governo, não do ministro.
Nem do Meirelles nem minha.
FOLHA - Então, o Banco Central
não precisa ser independente?
MANTEGA - O Banco Central vai
continuar com a mesma política, que toma decisão de forma
técnica. É isso o que interessa,
ou seja, qual é o medo? Vamos
baixar os juros independentemente da inflação... Isso não
acontece. Ele vai subir a taxa,
independentemente de ser ano
eleitoral. Você lembra que, em
2006, ele subiu os juros? Se ele
sair, continua a mesma política,
porque a política não é pessoal
dele. É do governo.
FOLHA - O sr. acha que ele deve ficar ou sair?
MANTEGA - Acho que essa é
uma decisão de foro íntimo. Se
ele tem pretensões políticas,
deve cumprir aquilo que ele
acha melhor para ele. Para o governo, era melhor que ele ficasse porque para a equipe econômica, vamos dizer assim, está
funcionando, está indo bem.
FOLHA - O sr. acha que um governo
Dilma, que poderia ser mais à esquerda que o atual, poderia alterar a
política de meta de inflação?
MANTEGA - Acho que uma possível administração Dilma seguiria a política econômica de
hoje. Portanto, manter o sistema de metas, o câmbio flutuante, o combate à inflação e, sobretudo, a prioridade do crescimento, que é a grande marca
deste governo. É o desenvolvimento, com solidez macroeconômica. Ela manteria o fiscal, a
política monetária, portanto, a
inflação sob controle, não é?
Por uma razão muito simples:
porque à população não interessa a inflação.
A inflação corrói o poder
aquisitivo. Então, é burrice. A
Dilma não quer a volta da inflação. Essa história de mais à esquerda, mais à direita não faz o
menor sentido, não é nem mais
à esquerda nem mais à direita.
É continuar aquilo que está
dando certo, que é uma política
testada na crise e que continua
obtendo excelentes resultados.
Por que alguém ia mudar algo
que está funcionando bem?
FOLHA - Pensando no futuro, o sr.
tem pretensões de ser, por exemplo,
presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)?
MANTEGA - Minha preocupação
é fechar com chave de ouro esse
mandato de Lula. Ficarei muito
satisfeito em fechar com a economia crescendo 5%, 5,5% e inflação sob controle. Com um
superavit firmado em 3,3%. O
emprego crescendo no país,
respeitabilidade internacional.
Não pretendo ir para o BID
nem para o Banco Mundial.
Pretendo ficar no Brasil. Em
princípio, o meu lugar está lá
reservado na Fundação Getulio
Vargas. Portanto, não vou ficar
desempregado.
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