São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

O empresário e o país

Recebo a seguinte carta de Jorge Paulo Lemann, controlador da AmBev e, agora, sócio da Interbrew:
"Como você uma vez disse que não fazemos "esforço social", anexo um relatório de meu esforço pessoal (relatório de atividades da Fundação Lemann)".
"Quanto à transação AmBev/ Interbrew, fico triste com seus comentários. Não sou "piranha financeira" nem imediatista. Quem comprou ações da Brahma preferencial conosco em 1989 teve um rendimento de 25% ao ano, composto em dólares, versus 9,9% para o Ibovespa e 7,4% para o índice Dow Jones."
"Agora, estamos bloqueando nossas ações da nova empresa por 20 anos pelo menos, numa tentativa de realizar o sonho de construir a melhor cervejaria do mundo. E que na pior das hipóteses será 50% brasileira."
"Nesse mundo confuso, não posso garantir resultados. Mas garanto muito esforço para construir um negócio bonito, do qual todos brasileiros poderão ter orgulho e de ótimos resultados financeiros para todos os investidores de longo prazo."
Minha posição sobre o tema já foi expressa nas colunas anteriores e nada há a retificar, a não ser certo exagero no uso do termo "piraña financeira", utilizado pela primeira vez no Chile para identificar jovens ambiciosos que estudaram fora, tiveram acesso a fundos e investidores norte-americanos e utilizaram esse conhecimento para participar de privatizações malcheirosas e golpes em sócios e acionistas. Não é o caso de Lemann e de seus sócios.
Lemann é o único player brasileiro no mercado financeiro internacional e não pode ser confundido com, por exemplo, Daniel Dantas.
A questão é outra, é a falta de visão nacional da geração de empresários que, como ele, passou a dominar a liquidez do país na última década. O que os diferencia da geração dos anos 50, dos Walther Moreira Salles, dos Feffer, dos Klabin, dos Lafer, dos Amador Aguiar, dos Setubal é que a geração anterior trabalhava de forma muito mais sistêmica o conceito de país.
Nem se diga que fossem mais desprendidos. A questão era outra. No ambiente pré-internacionalização, esses empreendedores viam o destino do país umbilicalmente ligado ao seu. Suas empresas cresceriam dependendo das condições institucionais para o florescimento de seus negócios. Essa condição tornou-os quase todos empresários com visão pública, que participaram intensamente da montagem de um aparato institucional moderno, com todas as dificuldades que a política brasileira impõe.
A geração financeira atual foi formada dentro da escola da arbitragem. O bom negócio é comprar barato e vender caro. Essa visão imediatista os tornou distantes da realidade brasileira, do interesse na reconstrução nacional.
No relatório do seu instituto, Lemann reconhece que, "até alguns anos atrás, acreditava que, cumprindo bem minha vocação de empresário, estaria devolvendo ao país a oportunidade que ele me proporcionou". Depois, viu que podia dar mais e criou a fundação para ações tópicas, especialmente na área da educação.
Está devolvendo uma semente ao solo que o ajudou. Mas não está plantando árvores como os empreendedores que o precederam.


E-mail -
Luisnassif@uol.com.br



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