São Paulo, sábado, 07 de maio de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforma processual é um processo

GESNER OLIVEIRA

O mundo anda à velocidade da luz. O Brasil vai devagar, quase parando. Assim mesmo, há mudanças em curso, como a reforma processual, que podem modernizar as relações econômicas no país.
O governo federal enfrenta dificuldade em fixar uma agenda de prioridades no Congresso. As derrotas do Executivo na Câmara nesta semana na indicação de nomes para o Conselho Nacional de Justiça e para o Conselho Nacional do Ministério Público reforçam essa impressão.
Mas seria um equívoco imaginar que está tudo parado. O Executivo não detém o monopólio das reformas institucionais. Tampouco há um Dia D a partir do qual todas as reformas serão aprovadas e o Brasil será um outro país. As reformas encerram um processo complexo de mudança que demanda alterações profundas, não apenas de leis e regulamentos mas de mentalidade e cultura.
É por isso que as reformas costumam requerer mais de uma administração para acontecer. Foi assim com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que fez cinco anos nesta semana e que resultou de longo e penoso processo prévio de amadurecimento; e que ainda precisa de aperfeiçoamentos para garantir a boa gestão das contas públicas. Será assim com o vasto conjunto de projetos que compõem a chamada reforma processual.
Este ano avança rapidamente sem que vários projetos importantes apresentem chance de aprovação. A infra-estrutura do país está em frangalhos, mas ainda se discute se as agências reguladoras devem ou não ter mais autonomia. Reformas como a sindical e a trabalhista são tão urgentes quanto delicadas do ponto de vista político. À medida que 2006 se aproxima, as chances de avanço nessas e em outras matérias diminuem. Não se decide muita coisa em ano de eleição presidencial e Copa do Mundo.
Em contraste com tais mudanças, a reforma processual gera menos potencial de divergência. Embora a discussão técnica seja complexa, não há objeção de natureza político-partidária. O trabalho das assessorias dos parlamentares está andando rapidamente, apesar da paralisia do Congresso.
Exemplo disso é o projeto que prevê reformulação do processo de execução de título judicial, já aprovado pela Câmara e pendente de exame pelo Senado. Há boas chances de aprová-lo neste ano. Se isso acontecer, não será uma revolução na economia, mas um passo importante terá sido dado.
A cobrança de dívidas na Justiça constitui processo moroso e burocrático no Brasil. Isso aumenta o risco e inibe a oferta de crédito e o investimento. A proposta em tramitação torna o procedimento mais ágil. Uma das mudanças é a eliminação da necessidade de abrir uma nova ação na Justiça para efetuar a cobrança de algo que já foi reconhecido como dívida em sentença condenatória. Na atualidade, alguém que já obteve uma sentença favorável depois de anos é obrigado a começar novo calvário para conseguir receber o dinheiro. Muitas vezes morre antes de receber a quantia que lhe é devida.
Tal ineficiência da Justiça acentua a concentração de renda. Pequenos credores não dispõem de recursos para enfrentar a batalha jurídico-burocrática e acabam desistindo. A inoperância do Judiciário distorce a concorrência em favor das grandes empresas.
Apesar de virtudes, o projeto ainda precisa ser aperfeiçoado em vários aspectos, conforme ressalta nota técnica do consultor do Senado Bruno Dantas. Ainda persiste grave problema de incentivos e assimetria de informação entre o devedor e o credor. Um exemplo claro é a dificuldade de receber créditos pela necessidade de levantar os bens do devedor. Em outros países, como os EUA e a Alemanha, é o devedor, e não o credor, que tem de apresentar bens suscetíveis de penhora.
O sistema judiciário brasileiro é ineficiente e impõe altos custos para a sociedade, especialmente para os mais pobres e para as empresas de menor porte. A reforma processual não vai ser aprovada na íntegra nem vai alterar esse quadro da noite para o dia. Mais uma razão para acelerar a tramitação de projetos de natureza técnica e consensual de forma a reduzir o hiato que separa o Brasil dos países que já atingiram maturidade institucional.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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