São Paulo, quinta, 7 de maio de 1998

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LUÍS NASSIF
A Igreja, os saques e o ministro

Recebo do padre César Moreira, diretor-geral da Rádio Aparecida, de Aparecida do Norte, a seguinte correspondência:
"Concordo que em relação à seca e à fome no Nordeste não basta indignação. É preciso organizar solidariedade. Foi exatamente isso que fizemos, nós da Rádio Aparecida, a principal rádio católica do país.
"Hoje, dia 5, um avião da Aeronáutica cedido pela Escola de Especialistas, sediada em Guaratinguetá, cidade ligada a Aparecida, levará até Campina Grande, na Paraíba, 12 toneladas de alimentos que serão entregues ao pároco da cidade de Bananeiras, a 70 quilômetros de Campina Grande.
"Portanto, a Igreja Católica está fazendo alguma coisa. A campanha da CNBB está também nas ruas. É o mínimo que devemos fazer."
É um trabalho meritório da Rádio Aparecida e da CNBB. Mas o que o padre Celso e a igreja achariam se, em vez de filas organizadas, onde todos tivessem vez -velhos, mulheres e crianças-, os donativos fossem alvo de saques, onde os fisicamente mais fortes levassem vantagem?
Esse é o resultado concreto da defesa dos saques feita por bispos e até por um ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence. Ao justificarem saques -ainda mais em armazéns da Comunidade Solidária, onde os alimentos estavam disponíveis para distribuição-, o que conseguiram foi a substituição de um sistema organizado (ainda que precário) de distribuição de alimentos por um sistema selvagem de saques.
Foram saqueados não os armazéns da Comunidade Solidária, mas todos os velhos, mulheres e crianças que não tiveram acesso a filas organizadas, nem tiveram condições de medir forças com saqueadores adultos.
Nesse momento, João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Sem Terra, está organizando saques por todo o Nordeste. Nos últimos tempos, em função de várias críticas recebidas, Stédile vinha adotando posições políticas mais consequentes. Agora, depois que um ministro do STF legitima os saques, por que haveria ele de demonstrar bom senso?
Tem noção o ministro Pertence do peso de sua palavra? Aquilatou as consequências de suas afirmações? Constatou que poderá desarticular todo o sistema de distribuição gratuita de alimentos, prejudicando os mais fracos, apenas para saborear um grande momento de retórica?
Ao estimular os saques -considerando-os aprioristicamente como legítimos-, o que Pertence e alguns bispos conseguiram foi tirar o pão da boca dos mais fracos, para alimentar-se politicamente dele.
Hanseníase
Camacã, na Bahia, tem 60 casos de hanseníase. Itabuna, outros cem. Há quatro meses os doentes não recebem medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), porque, segundo a Secretaria da Saúde da Bahia, há dificuldades para o governo federal fazer a concorrência para a compra.
Rodoanel
Apesar das explicações do secretário dos Transportes, Michael Zetlin, não está clara a atuação da Dersa, de São Paulo, na licitação do Rodoanel.
O papel da Comissão de Licitação é garantir o máximo possível de competidores, a fim de impedir qualquer acerto futuro entre os licitados. No entanto, uma série de decisões atabalhoadas deixam dúvidas quanto a esta intenção.
No período de consultas ao edital, havia dúvidas em relação ao capital das empresas consorciadas: se valia o capital total das empresas, ou o capital de cada empresa, proporcionalmente. No período de consulta, concorrentes expressaram essa dúvida à Comissão de Licitação, inclusive por meio de exemplos numéricos. Em vez de uma resposta clara e objetiva, respondeu-se simplesmente que se lesse o edital.
Na licitação técnica, consórcios foram desclassificados porque uma empresa que respondia por 10% da obra não dispunha de capital correspondente a 10% do exigido. Se a responsabilidade pela obra é de todo o consórcio, qual a lógica dessa decisão?
Três dias antes da apresentação das propostas, a Dersa fez publicar no "Diário Oficial" explicações (não solicitadas por nenhum dos participantes) desqualificando a construção de pisos industriais como prova da experiência na construção de viadutos.
Mesmo discordando de algumas posições da Comissão de Licitação, o secretário Zetlin decidiu não intervir, para preservar sua autonomia. Dado o volume de murmúrios que vêm cercando a licitação, fariam bem ele e o o governador em chamarem a si a responsabilidade pelo processo.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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