São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Globalização, petróleo e emprego

ELOI FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ E
ERNANI T. TORRES FILHO


Muita gente , em todo o mundo, acredita que a globalização leva necessariamente ao desemprego. Basta ver os protestos de rua que paralisaram as últimas reuniões do FMI e da OMC nos Estados Unidos. Mas será que essa tendência é inevitável? E no Brasil, a situação poderia ser diferente?
Ainda é cedo para ter uma resposta definitiva para essas perguntas. O risco de perder empregos com a abertura de mercados em um ambiente globalizado existe e não deve ser desprezado. Competitividade, no entanto, não é uma questão apenas industrial nem se limita ao curto prazo. Depende também -e muito- de aspectos institucionais e de políticas macroeconômicas (câmbio, impostos e comércio exterior). Além disso, é algo que pode ser adquirido desde que existam estratégias nacionais, que articulem adequadamente governo e setor privado.
A experiência internacional revela que a abertura do setor petróleo pode viabilizar a geração local de empregos, desde que os investimentos na exploração e produção sejam direcionados primordialmente para o mercado interno. Isso, no entanto, só é sustentável se a indústria nacional for ou estiver em processo de ser competitiva. A história vem mostrando que competitividade e emprego na indústria do petróleo não são resultado da "geração espontânea" nem da ação da "mão invisível do mercado", mas fruto do trabalho organizado e sistemático de uma rede nacional de atores públicos e privados.
O Reino Unido e a Noruega são exemplos bastante ilustrativos. Quando abriram o mar do Norte às empresas estrangeiras, as compras locais eram desprezíveis. Atualmente, cerca de 60% dos investimentos em petróleo realizados na Noruega e 80% na Inglaterra geram empregos nesses países porque as empresas locais são competitivas internacionalmente. Com a globalização, um país que quer absorver investimentos em petróleo precisa apresentar custos competitivos. Caso contrário, os investidores buscarão outras oportunidades ou irão gerar emprego em outro lugar.
A experiência brasileira de abertura do setor petróleo ainda é recente. Mesmo assim, a licitação de áreas de exploração pela ANP e as parcerias da Petrobras já atraíram um número expressivo de empresas estrangeiras, às quais espera-se que rapidamente venham se unir capitais brasileiros. Esse processo vem sendo conduzido tendo-se em mente tanto as perspectivas de aumento da produção de petróleo e gás quanto dos empregos locais. Não se trata de um sonho. A indústria brasileira está hoje em um estágio mais avançado que as da Inglaterra e da Noruega no início do mar do Norte. É maior, mais avançada e mais experiente no atendimento local, o que constitui uma vantagem competitiva razoável.
Para induzir as empresas estrangeiras a comprar no Brasil, o governo vem adotando várias medidas. A ANP incluiu em seus Contratos de Concessão cláusulas importantes a ser observadas pelos concessionários: a necessidade de, em qualquer investimento, solicitar propostas de fornecimento local; a garantia do direito de preferência a empresas brasileiras em condições equivalentes às propostas de fornecedores estrangeiros; e garantir um percentual mínimo de compras locais, fixado em cada proposta no processo da licitação.
A Receita Federal, no intuito de eliminar os impostos sobre investimentos no setor de petróleo, vem aperfeiçoando o Regime Especial de Exportação e Importação (Repetro), voltado para a exploração e produção de petróleo e gás no país. O BNDES criou o Programa de Apoio a Investimento em Petróleo e Gás, que busca tornar mais atrativas as condições de financiamento para projetos de investimento que apresentem um elevado índice de compras nacionais. A Petrobras, a principal investidora no setor no futuro próximo, vem colocando encomendas a fornecedores brasileiros.
Fora do ambiente de governo, há que destacar o papel da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), organização privada que tem por objetivo promover a indústria brasileira fornecedora de bens e serviços para o setor de petróleo. Além de importante fórum de negociação e debates entre atores públicos e privados, a Onip busca aproximar compradores e vendedores por meio de mecanismo criativos, como seu Cadastro de Fornecedores Nacionais, que permitirá a empresas estrangeiras, ainda sem experiência no mercado brasileiro, identificar de forma rápida, segura e de baixo custo potenciais fornecedores nacionais.
A despeito dos passos que já foram dados, os fornecedores nacionais ainda não dispõem de condições totalmente satisfatórias para competir no mercado nacional. Nossas empresas continuam sujeitas a entraves fiscais, creditícios e burocráticos gravosos, que, por incrível que possa parecer, não são aplicáveis aos bens e serviços estrangeiros. É esse forte viés a favor das importações que precisa ser eliminado o mais rápido possível.
A experiência internacional mostra que, no caso do setor petróleo, é possível promover um ciclo virtuoso de emprego com a abertura de mercado. Para tanto é preciso que a sociedade e as instituições dos governos locais atuem de forma organizada e coerente com esse objetivo. Com a globalização, não há mais soluções fáceis.


Eloi Fernández Y Fernández, 51, é diretor da ANP (Agência Nacional de Petróleo) e professor do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica).
Ernani T. Torres Filho, 44, economista, é assessor especial da ANP (Agencia Nacional de Petróleo) e professor do Departamento de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).



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