São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

Das eleições e dos fatos

Campanhas eleitorais são pródigas em promessas que não se cumprem e biografias que se reescrevem. Mas não se pode atropelar os fatos com a sem-cerimônia que vem ocorrendo.
Tome-se o candidato Ciro Gomes. Há consenso de que o maior erro de política econômica dos últimos anos foi a política cambial adotada a partir da implantação do Plano Real. Exagerou-se na apreciação do câmbio e se manteve o artificialismo com taxas de juros extremamente elevadas, que arrebentaram com a atividade privada e com as contas públicas.
O ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes foi o maior defensor da apreciação cambial do real e da abertura indiscriminada do mercado, no segundo semestre de 1994. Chegou a comemorar o fim dos superávits comerciais no Encontro Nacional dos Exportadores daquele ano. Fez por maldade? Não, por despreparo. Apesar de politicamente inteligente e sagaz, Ciro Gomes não domina os fundamentos da teoria econômica, como gosta de fazer crer, e foi manobrado por uma banda da equipe econômica.
Em relação ao câmbio, havia duas correntes dentro do governo: a do "pai" do Real, Pérsio Arida, que claramente sabia que a política era insustentável; e, na outra banda, de pessoas sem um vigésimo da consistência macroeconômica de Arida.
Ciro optou pelo segundo grupo, seduzido por sua retórica, não por seu conhecimento. Era bonito dizer que os defensores da correção do câmbio eram partidários do atraso, do anacronismo, eram impatriotas, lobistas da Fiesp, queriam "mamar nas tetas do governo", e assim por diante. Foi seduzido pela retórica e a utilizou até para torpedear a indicação de José Serra para o Ministério da Fazenda. Serra foi apresentado como inimigo do Real por propor a mudança do câmbio.
A responsabilidade de Ciro sobre a política cambial cessa em 31 de dezembro de 1994, quando deixa o ministério. Por isso não é correto imputar-lhe o custo total do desastre. Verdadeiro pai do Real, Pérsio Arida tentou alterar o câmbio em dezembro de 1994, mas foi impedido pela crise mexicana; depois, em abril de 1995, mas foi impedido por erros de implementação da nova banda cambial.
A partir dali o governo decide não mais mexer no câmbio, produzindo o desastre que agora se vê. São responsáveis por esse desastre, pela ordem, Fernando Henrique Cardoso, o ministro Pedro Malan, os sucessivos presidentes de Banco Central e consultores e analistas que ainda concorrerão a um futuro Prêmio Ignóbil de Economia, quando for instituído.
A situação piorava dia a dia, e a sabedoria do período dizia que "primeiro precisa piorar para depois melhorar". Quando havia espaço para a redução de juros, não se aproveitava porque "a situação pode piorar de novo e a gente terá que elevar os juros", como se os juros precisassem subir e descer degrau a degrau.
Se a responsabilidade de Ciro cessa em 31 de dezembro de 1994, sua performance no período não lhe autoriza a posar de crítico dessa política.
Um segundo ponto relevante é o episódio da tentativa de adesão do PSDB ao governo Collor, em 1992. Ciro acusa FHC e Serra de propor a aproximação e enaltece Mário Covas por recusar.
Naquele ano, em um café da manhã no Caesar Park, em São Paulo, o então governador do Ceará, Ciro Gomes, passou uma hora espinafrando Covas para mim por atrapalhar o acordo.
Aqui nesta coluna eu mesmo defendia que se deveria aproveitar a fragilidade política de Collor para fazer o acordo, enquadrando o presidente, permitindo ao país recuperar a governabilidade e avançar em propostas inovadoras. Por isso, nada a opor à defesa que Ciro fez do acordo na época.
O que não pode é se apresentar, agora, como adversário do acordo.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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