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LUÍS NASSIF
Das eleições e dos fatos
Campanhas eleitorais são pródigas em promessas que não se cumprem e biografias que se reescrevem. Mas não se pode atropelar os fatos com a sem-cerimônia que vem ocorrendo.
Tome-se o candidato Ciro Gomes. Há consenso de que o maior erro de política econômica dos últimos anos foi a política cambial adotada a partir da implantação do Plano Real. Exagerou-se na apreciação do câmbio e se
manteve o artificialismo com taxas de juros extremamente elevadas, que arrebentaram com a atividade privada e com as contas públicas.
O ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes foi o maior defensor da apreciação cambial do real e da abertura indiscriminada do mercado, no segundo semestre
de 1994. Chegou a comemorar o fim dos superávits comerciais no
Encontro Nacional dos Exportadores daquele ano. Fez por maldade? Não, por despreparo. Apesar de politicamente inteligente
e sagaz, Ciro Gomes não domina
os fundamentos da teoria econômica, como gosta de fazer crer, e
foi manobrado por uma banda
da equipe econômica.
Em relação ao câmbio, havia
duas correntes dentro do governo: a do "pai" do Real, Pérsio
Arida, que claramente sabia que
a política era insustentável; e, na
outra banda, de pessoas sem um
vigésimo da consistência macroeconômica de Arida.
Ciro optou pelo segundo grupo, seduzido por sua retórica,
não por seu conhecimento. Era
bonito dizer que os defensores da
correção do câmbio eram partidários do atraso, do anacronismo, eram impatriotas, lobistas
da Fiesp, queriam "mamar nas
tetas do governo", e assim por
diante. Foi seduzido pela retórica e a utilizou até para torpedear a indicação de José Serra
para o Ministério da Fazenda.
Serra foi apresentado como inimigo do Real por propor a mudança do câmbio.
A responsabilidade de Ciro sobre a política cambial cessa em
31 de dezembro de 1994, quando
deixa o ministério. Por isso não é
correto imputar-lhe o custo total
do desastre. Verdadeiro pai do
Real, Pérsio Arida tentou alterar
o câmbio em dezembro de 1994,
mas foi impedido pela crise mexicana; depois, em abril de 1995,
mas foi impedido por erros de
implementação da nova banda
cambial.
A partir dali o governo decide
não mais mexer no câmbio, produzindo o desastre que agora se
vê. São responsáveis por esse desastre, pela ordem, Fernando
Henrique Cardoso, o ministro
Pedro Malan, os sucessivos presidentes de Banco Central e consultores e analistas que ainda
concorrerão a um futuro Prêmio
Ignóbil de Economia, quando
for instituído.
A situação piorava dia a dia, e
a sabedoria do período dizia que
"primeiro precisa piorar para
depois melhorar". Quando havia espaço para a redução de juros, não se aproveitava porque
"a situação pode piorar de novo
e a gente terá que elevar os juros", como se os juros precisassem subir e descer degrau a degrau.
Se a responsabilidade de Ciro
cessa em 31 de dezembro de 1994,
sua performance no período não
lhe autoriza a posar de crítico
dessa política.
Um segundo ponto relevante é
o episódio da tentativa de adesão do PSDB ao governo Collor,
em 1992. Ciro acusa FHC e Serra
de propor a aproximação e enaltece Mário Covas por recusar.
Naquele ano, em um café da
manhã no Caesar Park, em São
Paulo, o então governador do
Ceará, Ciro Gomes, passou uma
hora espinafrando Covas para
mim por atrapalhar o acordo.
Aqui nesta coluna eu mesmo
defendia que se deveria aproveitar a fragilidade política de Collor para fazer o acordo, enquadrando o presidente, permitindo
ao país recuperar a governabilidade e avançar em propostas
inovadoras. Por isso, nada a
opor à defesa que Ciro fez do
acordo na época.
O que não pode é se apresentar, agora, como adversário do acordo.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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