São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Crise de expectativas vs. concertação

O ajuste no Brasil parece inevitável, mesmo que a situação externa não se deteriore com rapidez

A MARÉ da economia global começou a baixar, definitivamente. As declarações mais recentes do presidente do Fed (banco central dos EUA), o novato Ben Bernanke, não deixam margem a dúvidas de quanto à intensidade dos efeitos da alta dos juros americanos. O ajuste da maior economia do mundo será acompanhado por freios de juros, aplicados de modo coordenado pelo Banco do Japão e pelo Banco Central Europeu. Na contramão do movimento internacional, mas em perfeita sintonia com o atual ciclo eleitoral-monetário doméstico, o Banco Central do Brasil ainda persiste na curva descendente do juro nominal. Atrasado irremediavelmente nesse movimento, o BC agora busca correr em busca do tempo perdido, para chegar ao segundo semestre exibindo aquele sorriso de PIB em expansão que seria tão a gosto de uma reeleição em 1º turno, para repetir o feito de FHC em 1998. Mas a história nunca se repete exatamente do mesmo modo. Os desafios do próximo presidente, sendo ele o mesmo ou outro, são de envergadura até maior que a pororoca cambial enfrentada por FHC na virada do seu segundo mandato. Os especialistas atentos já conseguem vislumbrar as implicações de uma reversão de expectativas no plano externo com a necessidade de novos e pesados ajustes na macroeconomia brasileira ao início de 2007. O ajuste no Brasil parece inevitável, mesmo que a situação externa não se deteriore com rapidez. A razão do ajuste interno é simples: o dever de casa fiscal -corte na despesa pública- ainda não está feito, apesar da existência de um superávit primário expressivo. A economia privada verga diante da carga tributária. E os investimentos caducam ante a incerteza do câmbio e dos rumos políticos da região, o Brasil incluído nela. Se Alckmin for eleito, poderá alegar, em beneficio de um forte aperto inicial, que de fato nada estava bem, que tudo não passava de falsa impressão de crescimento sustentado. Mas, se Lula for reeleito, na esteira do medo popular (até justificável) da nova mudança, que dirá ele a seu povo, quando levantar o facão do corte do gasto público, condição "sine qua non" do reequilíbrio fiscal a longo prazo? O primeiro elemento para a complicação do quadro político brasileiro já está definido: o fim das excepcionais condições externas, que propiciaram o avanço espetacular das exportações brasileiras e a recuperação das nossas reservas, num ambiente de aparente estabilidade de preços que alguns comentaristas econômicos insistem em projetar para além do ano corrente. É a "eleição do frango", mais uma vez, a favorecer o estadista da vez, tal como foi em 1998, véspera de profunda reversão de expectativas, na esteira da falência do antigo regime cambial. O segundo elemento ativador da turbulência política é a ausência -em si mesma- de uma autocrítica dos partidos políticos, que nos poderia trazer o beneficio de colocar o país diante do espelho, numa avaliação mais séria de nossa real situação de desvantagem, em quase qualquer área competitiva fora de um campo de futebol. O senador Jefferson Peres, numa leitura primorosa do porvir, sugeriu na Folha (21/05, "Tendências/Debates") uma "concertación", isto é, um amplo entendimento político pós-eleitoral (antes seria impossível) em torno de pontos fundamentais que passariam a constituir um efetivo projeto de nação. Nas palavras de Peres, essa "concertación" seria a fixação de macroobjetivos de longo prazo e a definição de meios para atingi-los. Aí, então, em torno dessa pauta essencial, tentar harmonizar ou concertar uma bancada majoritária menos fisiológica no próximo Congresso. O desdobramento dessas possíveis negociações vai depender muito da visão do presidente Lula, pois, ganhando ou não, sua influência será determinante em qualquer caso. O ano de 2007 poderá ser lembrado como aquele que desafiará a estatura moral e política dos nossos governantes. E, quando o solavanco de uma crise econômica começar, pouco poderá ser feito para deter seu curso. A humildade de reconhecer nossas vulnerabilidades e a coragem de construir as alternativas práticas à crise, desde já, serão a marca registrada do político e do seu projeto de nação.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

@ - rabellodecastro@uol.com.br


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