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PAULO RABELLO DE CASTRO
Crise de expectativas vs. concertação
O ajuste no Brasil parece
inevitável, mesmo que a
situação externa não se
deteriore com rapidez
A MARÉ da economia global começou a baixar, definitivamente. As declarações mais
recentes do presidente do Fed (banco central dos EUA), o novato Ben
Bernanke, não deixam margem a
dúvidas de quanto à intensidade dos
efeitos da alta dos juros americanos.
O ajuste da maior economia do
mundo será acompanhado por
freios de juros, aplicados de modo
coordenado pelo Banco do Japão e
pelo Banco Central Europeu.
Na contramão do movimento internacional, mas em perfeita sintonia com o atual ciclo eleitoral-monetário doméstico, o Banco Central
do Brasil ainda persiste na curva
descendente do juro nominal. Atrasado irremediavelmente nesse movimento, o BC agora busca correr
em busca do tempo perdido, para
chegar ao segundo semestre exibindo aquele sorriso de PIB em expansão que seria tão a gosto de uma reeleição em 1º turno, para repetir o feito de FHC em 1998.
Mas a história nunca se repete
exatamente do mesmo modo.
Os desafios do próximo presidente, sendo ele o mesmo ou outro, são
de envergadura até maior que a pororoca cambial enfrentada por FHC
na virada do seu segundo mandato.
Os especialistas atentos já conseguem vislumbrar as implicações de
uma reversão de expectativas no
plano externo com a necessidade de
novos e pesados ajustes na macroeconomia brasileira ao início de
2007.
O ajuste no Brasil parece inevitável, mesmo que a situação externa
não se deteriore com rapidez. A razão do ajuste interno é simples: o dever de casa fiscal -corte na despesa
pública- ainda não está feito, apesar da existência de um superávit
primário expressivo. A economia
privada verga diante da carga tributária. E os investimentos caducam
ante a incerteza do câmbio e dos rumos políticos da região, o Brasil incluído nela. Se Alckmin for eleito,
poderá alegar, em beneficio de um
forte aperto inicial, que de fato nada
estava bem, que tudo não passava de
falsa impressão de crescimento sustentado. Mas, se Lula for reeleito, na
esteira do medo popular (até justificável) da nova mudança, que dirá ele
a seu povo, quando levantar o facão
do corte do gasto público, condição
"sine qua non" do reequilíbrio fiscal
a longo prazo?
O primeiro elemento para a complicação do quadro político brasileiro já está definido: o fim das excepcionais condições externas, que propiciaram o avanço espetacular das
exportações brasileiras e a recuperação das nossas reservas, num ambiente de aparente estabilidade de
preços que alguns comentaristas
econômicos insistem em projetar
para além do ano corrente. É a "eleição do frango", mais uma vez, a favorecer o estadista da vez, tal como foi
em 1998, véspera de profunda reversão de expectativas, na esteira da falência do antigo regime cambial.
O segundo elemento ativador da
turbulência política é a ausência
-em si mesma- de uma autocrítica
dos partidos políticos, que nos poderia trazer o beneficio de colocar o
país diante do espelho, numa avaliação mais séria de nossa real situação
de desvantagem, em quase qualquer
área competitiva fora de um campo
de futebol.
O senador Jefferson Peres, numa
leitura primorosa do porvir, sugeriu
na Folha (21/05, "Tendências/Debates") uma "concertación", isto é,
um amplo entendimento político
pós-eleitoral (antes seria impossível) em torno de pontos fundamentais que passariam a constituir
um efetivo projeto de nação. Nas
palavras de Peres, essa "concertación" seria a fixação de macroobjetivos de longo prazo e a definição
de meios para atingi-los. Aí, então,
em torno dessa pauta essencial,
tentar harmonizar ou concertar
uma bancada majoritária menos fisiológica no próximo Congresso.
O desdobramento dessas possíveis negociações vai depender
muito da visão do presidente Lula,
pois, ganhando ou não, sua influência será determinante em
qualquer caso. O ano de 2007 poderá ser lembrado como aquele
que desafiará a estatura moral e
política dos nossos governantes. E,
quando o solavanco de uma crise
econômica começar, pouco poderá
ser feito para deter seu curso. A humildade de reconhecer nossas vulnerabilidades e a coragem de construir as alternativas práticas à crise, desde já, serão a marca registrada do político e do seu projeto de
nação.
PAULO RABELLO DE CASTRO , 57, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
@ - rabellodecastro@uol.com.br
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