São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Entre micrólogos e macrófilos

PAULO RABELLO DE CASTRO

Bateu o desconfiômetro. Finalmente. Todos os lados do poliedro econômico nacional afinal parecem convergir para o diagnóstico da falta de crescimento. Até os curiosos notáveis e palpiteiros publicáveis do exterior -Stiglitz, Fischer, Rubin, Sachs- não deixam de sublinhar sua perplexa desconfiança sobre os rumos da economia de Pindorama. Aqui, não há mais querela entre tupis, tamoios, xavantes e charruas: todos sabem que crescer é preciso.
As impressionantes comemorações do décimo aniversário do Real, com depoimentos exclusivos de seus pais, padrinhos e compadres, deram caráter oficial à nova palavra de ordem: após dez anos tentando estabilizar preços, que tal tocar a marchinha do crescimento? Vamos agora debater aquilo que gerações passadas conseguiam alcançar na maior simplicidade: crescer.
Outro dia, ganhei de presente do amigo Mauro Salles uma cópia do "Programa de Governo" apresentado ao Congresso em setembro de 1961 pelo Conselho de Ministros do governo parlamentarista liderado por Tancredo Neves. Os autores, sob a coordenação de Roberto Campos e Bulhões Pedreira, já no intróito, apontavam nossa "problemática" principal. Repito: era 1961, e acabávamos de sair de um dos mais impressionantes ciclos de expansão do pós-guerra, culminando com o Plano de Metas de JK. E o que diziam os planejadores de então? Campos e sua equipe consideravam "insuficiente" o desempenho de 5,2% alcançado pelo Brasil, quando cotejado com o de outros países citados no texto. Era preciso crescer mais. Daí o plano de elevar o crescimento para 7,5% ao ano, sugerindo-se uma série de políticas e ações de governo (investimentos) destinadas a "diminuir a disparidade da renda em relação a países mais avançados" e assegurar "emprego produtivo a uma população que aumenta rapidamente" ("Programa de Governo", pág. 3).
Passados 40 anos, o país do realejo comemora a recuperação econômica com uns sofridos 3,5% projetados para 2004. Crescer, no Brasil de hoje, não é mais fato normal. Normal, agora, é estagnar, como estagnado ficou o rendimento médio do assalariado pela última década inteira, sem que quase ninguém se desse conta de algo errado.
Também, pudera! Qual foi o último programa de governo comprometido com o crescimento? Que eu me lembre, foi o 2º PND (1975-79), do ministro Reis Velloso, aliás, um dos poucos cidadãos que ainda perseguem o tema, por meio de seus célebres colóquios no auditório do BNDES, em que envergonhados presidentes e ministros costumam desfilar suas generalidades de praxe.
Não há mais plano. Não há mais planejamento nacional. Planejadores foram solenemente desempregados pela turma do Real, convencidos -como estavam eles- de que um "compromisso com o crescimento" poderia representar a perpetuação da gastança pública e do intervencionismo sobre a economia de livre mercado. Mas como a vida dá voltas! Dez anos após a profissão de fé neoliberal, os economistas estabilizadores voltam à cena para pedir o que mais execraram: o planejamento do crescimento. E a quem pedem isso? Ao governo do PT, que, por sua vez, parece convertido ao minimalismo das metas inflacionárias. Nessa comédia de desencontros burlescos, de satíricos personagens molierianos, ganham evidência os grupos de figurantes oraculares, histriônicos ou meramente fanfarrões, mas sempre prontos a oferecer seus números e projeções e apontar o mapa da saída para a tal falta de crescimento.
São figurantes de tribos diferentes, mas sempre com o mesmo diagnóstico: é o cidadão que precisa melhorar, não o Estado. "Micrólogos" querem liberar a iniciativa privada de suas penosas ineficiências (reformas microeconômicas é nome do milagre), olvidados de que foi o peso morto do Estado que aboliu o crescimento. Macrófilos querem mais juros, mais tributos e mais regulamentos, crentes de que, por meio da pressão necessária, do magro ventre do cidadão comum, farão expelir os ovos de ouro do crescimento.
Que ledo engano! Que grande fanfarronada! O Estado, esse sim, por seu abusivo peso e por seus tentáculos, sufoca o crescimento, antes natural no passado, quando a "ineficiente" economia do velho Brasil fazia a máquina do progresso girar e expandir riqueza.
Hoje em dia, micrólogos e macrófilos controlam tudo tão bem que não há mais oxigênio para a liberdade e o planejamento da prosperidade. Na política monetária, o governo não administra a moeda, nem contém as tarifas, muito menos a indexação, menos ainda sua dívida interna, mas diz-se especialista em controlar a inflação do setor privado mediante juros lunáticos. Na área fiscal, não se controlam as despesas, porém o déficit vira superávit primário por meio de estratosféricos tributos. No campo social, não se prevê o ambiente para o emprego, única fonte normal de compartilhamento de riquezas, mas ampliam-se os programas assistenciais para minorar a tragédia do não-emprego. E a assistência faz explodir os orçamentos públicos. Nada, porém, se compara à má ambientação da produção, pois o trabalho empresarial tornou-se atividade totalmente desaconselhável, ao passo que viver de rendas, ou postular assistência pública, ou uma aposentadoria precoce é alvo de qualquer cidadão de bom senso. O Estado tornou-se o veículo político da incriminação do trabalho e da exoneração do ócio remunerado.
A busca do crescimento, chama apagada do nosso coração coletivo, começaria por passar a limpo nossa vocação controlista, que quer sempre "consertar o cidadão", esquecendo os erros do Estado. Ao governo caberia, antes de tudo, coordenar-se, apresentando sua proposta ou plano. Ou, por falta de imaginação, copiar um programa antigo. Aliás, o do governo parlamentarista de Tancredo, por sua conceitual atualidade, poderia muito bem servir de estímulo à criatividade de micrólogos e macrófilos.


Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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rabellodecastro@uol.com.br


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