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OPINIÃO ECONÔMICA
Entre micrólogos e macrófilos
PAULO RABELLO DE CASTRO
Bateu o desconfiômetro. Finalmente. Todos os lados do
poliedro econômico nacional afinal parecem convergir para o
diagnóstico da falta de crescimento. Até os curiosos notáveis e
palpiteiros publicáveis do exterior
-Stiglitz, Fischer, Rubin,
Sachs- não deixam de sublinhar
sua perplexa desconfiança sobre
os rumos da economia de Pindorama. Aqui, não há mais querela
entre tupis, tamoios, xavantes e
charruas: todos sabem que crescer
é preciso.
As impressionantes comemorações do décimo aniversário do
Real, com depoimentos exclusivos
de seus pais, padrinhos e compadres, deram caráter oficial à nova
palavra de ordem: após dez anos
tentando estabilizar preços, que
tal tocar a marchinha do crescimento? Vamos agora debater
aquilo que gerações passadas
conseguiam alcançar na maior
simplicidade: crescer.
Outro dia, ganhei de presente
do amigo Mauro Salles uma cópia do "Programa de Governo"
apresentado ao Congresso em setembro de 1961 pelo Conselho de
Ministros do governo parlamentarista liderado por Tancredo Neves. Os autores, sob a coordenação de Roberto Campos e Bulhões
Pedreira, já no intróito, apontavam nossa "problemática" principal. Repito: era 1961, e acabávamos de sair de um dos mais impressionantes ciclos de expansão
do pós-guerra, culminando com o
Plano de Metas de JK. E o que diziam os planejadores de então?
Campos e sua equipe consideravam "insuficiente" o desempenho
de 5,2% alcançado pelo Brasil,
quando cotejado com o de outros
países citados no texto. Era preciso crescer mais. Daí o plano de
elevar o crescimento para 7,5%
ao ano, sugerindo-se uma série de
políticas e ações de governo (investimentos) destinadas a "diminuir a disparidade da renda em
relação a países mais avançados"
e assegurar "emprego produtivo a
uma população que aumenta rapidamente" ("Programa de Governo", pág. 3).
Passados 40 anos, o país do realejo comemora a recuperação
econômica com uns sofridos 3,5%
projetados para 2004. Crescer, no
Brasil de hoje, não é mais fato
normal. Normal, agora, é estagnar, como estagnado ficou o rendimento médio do assalariado
pela última década inteira, sem
que quase ninguém se desse conta
de algo errado.
Também, pudera! Qual foi o último programa de governo comprometido com o crescimento?
Que eu me lembre, foi o 2º PND
(1975-79), do ministro Reis Velloso, aliás, um dos poucos cidadãos
que ainda perseguem o tema, por
meio de seus célebres colóquios no
auditório do BNDES, em que envergonhados presidentes e ministros costumam desfilar suas generalidades de praxe.
Não há mais plano. Não há
mais planejamento nacional.
Planejadores foram solenemente
desempregados pela turma do
Real, convencidos -como estavam eles- de que um "compromisso com o crescimento" poderia
representar a perpetuação da gastança pública e do intervencionismo sobre a economia de livre
mercado. Mas como a vida dá
voltas! Dez anos após a profissão
de fé neoliberal, os economistas
estabilizadores voltam à cena para pedir o que mais execraram: o
planejamento do crescimento. E a
quem pedem isso? Ao governo do
PT, que, por sua vez, parece convertido ao minimalismo das metas inflacionárias. Nessa comédia
de desencontros burlescos, de satíricos personagens molierianos,
ganham evidência os grupos de figurantes oraculares, histriônicos
ou meramente fanfarrões, mas
sempre prontos a oferecer seus
números e projeções e apontar o
mapa da saída para a tal falta de
crescimento.
São figurantes de tribos diferentes, mas sempre com o mesmo
diagnóstico: é o cidadão que precisa melhorar, não o Estado. "Micrólogos" querem liberar a iniciativa privada de suas penosas ineficiências (reformas microeconômicas é nome do milagre), olvidados de que foi o peso morto do Estado que aboliu o crescimento.
Macrófilos querem mais juros,
mais tributos e mais regulamentos, crentes de que, por meio da
pressão necessária, do magro ventre do cidadão comum, farão expelir os ovos de ouro do crescimento.
Que ledo engano! Que grande
fanfarronada! O Estado, esse sim,
por seu abusivo peso e por seus
tentáculos, sufoca o crescimento,
antes natural no passado, quando a "ineficiente" economia do
velho Brasil fazia a máquina do
progresso girar e expandir riqueza.
Hoje em dia, micrólogos e macrófilos controlam tudo tão bem
que não há mais oxigênio para a
liberdade e o planejamento da
prosperidade. Na política monetária, o governo não administra a
moeda, nem contém as tarifas,
muito menos a indexação, menos
ainda sua dívida interna, mas
diz-se especialista em controlar a
inflação do setor privado mediante juros lunáticos. Na área
fiscal, não se controlam as despesas, porém o déficit vira superávit
primário por meio de estratosféricos tributos. No campo social, não
se prevê o ambiente para o emprego, única fonte normal de
compartilhamento de riquezas,
mas ampliam-se os programas
assistenciais para minorar a tragédia do não-emprego. E a assistência faz explodir os orçamentos
públicos. Nada, porém, se compara à má ambientação da produção, pois o trabalho empresarial
tornou-se atividade totalmente
desaconselhável, ao passo que viver de rendas, ou postular assistência pública, ou uma aposentadoria precoce é alvo de qualquer
cidadão de bom senso. O Estado
tornou-se o veículo político da incriminação do trabalho e da exoneração do ócio remunerado.
A busca do crescimento, chama
apagada do nosso coração coletivo, começaria por passar a limpo
nossa vocação controlista, que
quer sempre "consertar o cidadão", esquecendo os erros do Estado. Ao governo caberia, antes
de tudo, coordenar-se, apresentando sua proposta ou plano. Ou,
por falta de imaginação, copiar
um programa antigo. Aliás, o do
governo parlamentarista de Tancredo, por sua conceitual atualidade, poderia muito bem servir
de estímulo à criatividade de micrólogos e macrófilos.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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