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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Como o Brasil mudou!
O país está na iminência de ter
juros reais menores, mas, para
tanto, será preciso conter a
explosão dos gastos públicos
VOLTO AO Brasil, e a esta coluna, depois de 15 dias na Alemanha com meus filhos e netos. O futebol e a seleção brasileira
ainda ocupam um grande espaço em
meus pensamentos. Por isso, quando li as manchetes dos jornais de ontem, não foi possível deixar de associar as notícias sobre a inflação com
o fracasso em Frankfurt. Imediatamente, pensei no quanto nosso Brasil mudou nos últimos anos. Hoje,
comemoramos uma inflação baixa e
sob controle e choramos o nosso futebol.
Nosso passado, até o Plano Real,
em 1994, estava tomado por fracassos retumbantes no campo da inflação, inclusive com recordes mundiais expressivos, e muitos sucessos
no campo do futebol. Éramos vistos
como o país da inflação e do futebol.
Hoje, não existe mais essa impressão, pelo menos do lado da inflação.
Já não posso dizer o mesmo em relação ao futebol. Mas vejamos o que
acendeu esse otimismo, que tenho
certeza não ser da mesma natureza
do que cercou nossa seleção na Alemanha.
A Fipe, instituição de grande respeito e que acompanha a inflação
em São Paulo, divulgou na última
quarta-feira seus cálculos para a primeira metade de 2006. O aumento
dos preços ao consumidor, nesses
seis meses, foi de apenas 0,20% ao
ano. Baseada nos números da primeira metade do ano, a Fipe está
prevendo uma inflação, em 2006, da
ordem de 2,5%, muito inferior à de
4,5% verificada no ano passado.
Mas, como sempre, é necessária
uma análise mais detalhada desses
números para entendermos a dinâmica da inflação no período. Os preços ao consumidor podem ser divididos em três blocos distintos, em
razão de seus diferentes processos
de formação no mercado.
Um primeiro grupo tem sua dinâmica altamente correlacionada com
as forças de oferta e procura, ainda
mais agora que somos uma economia com elevado grau de abertura e
participação cada vez maior de importações e exportações. Os economistas chamam esse grupo de preços competitivos ou livres. Na cesta
de consumo do paulistano, eles representam metade do total.
Um segundo grupo, formado principalmente por alimentos e itens ligados ao setor de energia, tem seus
preços muito influenciados pelas
cotações internacionais desses produtos e por questões de oferta. Por
isso, dependem muito mais das forças de mercado no exterior do que
do equilíbrio macroeconômico interno. A taxa de câmbio também é
fundamental nesse caso. Como o
real se valorizou 7,4% neste primeiro semestre e a Petrobras administrou os preços dos combustíveis,
houve uma pressão deflacionista
muito forte.
Um terceiro grupo, formado principalmente por produtos ligados ao
setor de serviços, tem os preços administrados por cláusulas contratuais ligadas à inflação passada.
Acho correto também incluir nesse
grupo serviços como educação e seguro-saúde, cujos preços ainda são
determinados com práticas oligopolistas por parte das empresas.
Essa divisão é importante, pois os
efeitos da política monetária são diferentes em cada um dos casos. Se
trabalharmos apenas com os chamados preços livres, excluindo os
alimentos, conceito que se aproxima do que se convencionou chamar
de núcleo da inflação, a alta de preços anualizada no primeiro semestre deste ano em São Paulo foi de
apenas 2,6%. Para ter uma idéia da
dimensão da desinflação que estamos vivendo, basta considerar que
os números da Fipe mostram aumentos de preços, segundo esse
mesmo critério, de 6,7% em 2004 e
4,8% em 2005.
Um outro dado interessante para
ser analisado é o impacto da queda
dos preços dos alimentos, fruto
principalmente da valorização cambial, na inflação medida pela Fipe:
com alimentos, a inflação nesse
mesmo segmento de preços livres
teria sido de -0,7%, e não os 2,6% ao
ano citados acima. De qualquer modo, nosso país é outro quando olhamos apenas a forma como os preços
ao consumidor têm se comportado
nos últimos tempos.
Esses resultados -somados ao
brutal ajuste das contas externas
dos últimos anos- indicam que o
país está na iminência de trabalhar
com juros reais muito mais baixos,
depois de vários anos de liderança
absoluta no campeonato dos juros
altos. Para tanto, o desafio do novo
governo será impedir que os gastos
públicos continuem a crescer de forma explosiva.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2 terra.com.br
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