São Paulo, Quarta-feira, 07 de Julho de 1999
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GUERRA FISCAL
Senador discute com presidente ao telefone e insinua que poderá deixar governo
Fábrica da Ford na Bahia gera atrito entre ACM e FHC

RUI NOGUEIRA
FERNANDO RODRIGUES
ELIANE CANTANHÊDE
da Sucursal de Brasília

O presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), não admite que a Ford não se instale na Bahia e disse isso ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em conversas telefônicas nos últimos dias. Segundo a Folha apurou, os dois conversaram, pelo menos, na sexta-feira e no sábado.
Foram diálogos duros em alguns momentos. ACM aceita que o governo federal estude a forma legal de conceder os subsídios pedidos pela indústria e tolera até algum tipo de restrição. Mas, se o governo federal, circunstancialmente, criar empecilhos que levem a Ford a desistir de se instalar na Bahia, o senador chegou a insinuar que deixaria o PFL para se transformar em um parlamentar "independente", livre para criticar e elogiar o governo como chefe do Poder Legislativo.
De acordo com informações apuradas pela Folha, o tom ríspido e ameaçador usado por ACM na conversa com FHC foi apenas uma reação espontânea, mas não definitiva. ACM não deseja sair do PFL, mesmo que FHC venha a vetar integralmente a medida provisória aprovada semana passada no Congresso para ajudar a Ford.
O presidente Fernando Henrique pode, nos próximos dias, sancionar ou vetar a MP que concede benefícios à montadora. Antes do telefonema, o porta-voz do Planalto, Georges Lamazière, havia dito que o assunto tinha de ser analisado à luz dos compromissos do Brasil no Mercosul e na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Antes de estudar a ida para a Bahia, a Ford negociou, primeiro, o investimento de US$ 1,3 bilhão e a sua instalação no Rio Grande do Sul, quando o governador ainda era Antônio Britto (PMDB). Candidato à reeleição, Britto perdeu as eleições, ano passado, para o petista Olívio Dutra.
O governo do PT recusou-se a conceder todos os subsídios aprovados por Britto para a Ford e para a GM. A GM concordou em renegociar o acordo. A Ford, irredutível, se recusou a construir a nova fábrica no Rio Grande do Sul.
Pelo menos quatro Estados -Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Pernambuco- ofereceram condições especiais e subsídios na disputa pela nova fábrica da Ford. O vice-presidente da República, Marco Maciel, envolveu-se pessoalmente no assunto e cortejou a montadora para levá-la a Pernambuco.
ACM disse a FHC, no telefonema de sexta-feira, que a disputa entre vários Estados justifica a ação do governo da Bahia em favor da Ford e, por isso, não aceita perder a empresa para outro Estado.
Para ter a Ford na Bahia, ACM liderou no Congresso uma ação política que culminou na inclusão da empresa no regime automotivo especial para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que foi feito em 1997 justamente para favorecer negociações da Bahia com uma outra montadora, a Asia Motors, da Coréia. Com a crise da Ásia, a empresa não cumpriu seus compromissos. A Bahia foi então buscar outra montadora para substituí-la.
O Congresso aprovou na semana passada, antes do recesso, um substitutivo da medida provisória do regime automotivo, com uma alteração -o prazo de adesão das montadoras foi estendido de 31 de maio de 1997 para 31 de dezembro de 99.
Com isso, a Ford terá acesso a um pacote de benefícios fiscais federais mais generoso que aquele previsto para sua instalação no Rio Grande do Sul e mais extenso -será válido até 2010.
Além disso, a montadora contará com incentivos concedidos pelo governo da Bahia. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ampliou em R$ 150 milhões o financiamento destinado à empresa, que alcança R$ 700 milhões para sua instalação no município de Camaçari (BA) - onde existe, obsoleta, a pedra fundamental da Asia Motors.
O governo da Argentina encaminhou anteontem ao Itamaraty nota na qual se diz preocupado com a instalação da montadora Ford na Bahia. O texto acrescenta que os benefícios fiscais e subsídios concedidos à empresa pelos governos federal e estadual descumprem as normas do Mercosul.
Conforme a Folha apurou, os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Celso Lafer (Desenvolvimento) eram contrários ao acordo da Bahia com a Ford. Temiam, justamente, as reações negativas do Mercosul, especialmente da Argentina, e da OMC.


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