|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Com açúcar, sem afeto
GESNER OLIVEIRA
O aumento do preço do petróleo foi uma péssima notícia para o curto prazo. Mas a decisão preliminar da OMC (Organização Mundial do Comércio)
favorável aos pleitos de Brasil,
Austrália e Tailândia contra a
política de subsídios ao açúcar da
União Européia constitui vitória
parcial em jogo de muito tempos.
É preciso paciência para se
acostumar com o tempo da OMC.
O resultado anunciado na última
quinta se refere a relatório preliminar e confidencial entregue às
partes envolvidas. Os países ainda vão fazer comentários ao documento antes de receber um relatório definitivo. E, naturalmente, ainda há possibilidade de recurso por parte da União Européia.
O sistema de proteção ao açúcar
europeu é insustentável. As autoridades de Bruxelas reconhecem
isso e já admitiram que estariam
dispostas a reformar tal política,
ainda que de forma tímida e lenta.
Para garantir preços elevados
internamente, a União Européia
gera excedentes para exportação,
o que, por sua vez, deprime o preço mundial. Isso aumenta o grau
de subsídio requerido e eleva a geração de estoques exportáveis.
Além disso, a concessão de termos
preferenciais para as antigas colônias da África e do Caribe Pacífico eleva as importações e, conseqüentemente, os excedentes exportáveis. O resultado é desastroso para o comércio mundial e para o bolso do contribuinte europeu.
Mas a questão suscitada por essa decisão da OMC é apenas a
ponta do iceberg. Embora a
União Européia seja a campeã
em proteção ao açúcar, vários outros países mantêm práticas claramente contrárias ao livre comércio de açúcar.
Segundo trabalho de fevereiro
deste ano de Donald Mitchell, do
Banco Mundial, disponível em
www.econ.worldbank.org, no período 1999-01, o programa de
apoio ao açúcar recebeu uma
ajuda média anual de US$ 2,7 bilhões da União Européia. As cifras para outros países são menores, mas igualmente expressivas:
de US$ 1,3 bilhão para os EUA,
US$ 700 milhões para o México e
US$ 500 milhões para a Turquia.
Estima-se que a desmontagem do
aparato protecionista para o açúcar geraria ganho líquido de
bem-estar da ordem de US$ 4,7
bilhões anuais.
Tais números sugerem que,
além desse caso, há várias outras
batalhas a serem travadas. Mas
os primeiros resultados positivos
obtidos pelo Brasil, como esse do
açúcar e a recente decisão da
OMC contra os subsídios dos
EUA ao algodão, não são fruto do
acaso. Exigiram investimento da
máquina diplomática e dos ministérios setoriais. Esse esforço começou antes da atual administração e felizmente não foi interrompido pelo governo Lula.
O papel do setor privado é
igualmente importante. A profissionalização e a capacitação técnica de uma entidade como a
Unica (União da Agroindústria
Canavieira de São Paulo) constituem fator importante para contenciosos comerciais dessa natureza. Sem munição adequada de
informações de mercado, análises
setoriais e modelos de simulação,
os negociadores governamentais
ficam desarmados na guerra do
comércio mundial.
Tudo indica que os contenciosos comerciais vão se multiplicar,
independentemente do grau de
liberalização multilateral que venha a ser obtido na Rodada Doha. As dificuldades serão enormes, e os recursos humanos e materiais investidos em uma política
comercial ativa ainda são insuficientes. Mas pelo menos o Brasil
dá mostras de estar gostando do
jogo.
Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: "Feirão" sobre impostos chega a 26 municípios Próximo Texto: Luís Nassif: Investimento externo e poupança Índice
|