São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Com açúcar, sem afeto

GESNER OLIVEIRA

O aumento do preço do petróleo foi uma péssima notícia para o curto prazo. Mas a decisão preliminar da OMC (Organização Mundial do Comércio) favorável aos pleitos de Brasil, Austrália e Tailândia contra a política de subsídios ao açúcar da União Européia constitui vitória parcial em jogo de muito tempos.
É preciso paciência para se acostumar com o tempo da OMC. O resultado anunciado na última quinta se refere a relatório preliminar e confidencial entregue às partes envolvidas. Os países ainda vão fazer comentários ao documento antes de receber um relatório definitivo. E, naturalmente, ainda há possibilidade de recurso por parte da União Européia.
O sistema de proteção ao açúcar europeu é insustentável. As autoridades de Bruxelas reconhecem isso e já admitiram que estariam dispostas a reformar tal política, ainda que de forma tímida e lenta.
Para garantir preços elevados internamente, a União Européia gera excedentes para exportação, o que, por sua vez, deprime o preço mundial. Isso aumenta o grau de subsídio requerido e eleva a geração de estoques exportáveis. Além disso, a concessão de termos preferenciais para as antigas colônias da África e do Caribe Pacífico eleva as importações e, conseqüentemente, os excedentes exportáveis. O resultado é desastroso para o comércio mundial e para o bolso do contribuinte europeu.
Mas a questão suscitada por essa decisão da OMC é apenas a ponta do iceberg. Embora a União Européia seja a campeã em proteção ao açúcar, vários outros países mantêm práticas claramente contrárias ao livre comércio de açúcar.
Segundo trabalho de fevereiro deste ano de Donald Mitchell, do Banco Mundial, disponível em www.econ.worldbank.org, no período 1999-01, o programa de apoio ao açúcar recebeu uma ajuda média anual de US$ 2,7 bilhões da União Européia. As cifras para outros países são menores, mas igualmente expressivas: de US$ 1,3 bilhão para os EUA, US$ 700 milhões para o México e US$ 500 milhões para a Turquia. Estima-se que a desmontagem do aparato protecionista para o açúcar geraria ganho líquido de bem-estar da ordem de US$ 4,7 bilhões anuais.
Tais números sugerem que, além desse caso, há várias outras batalhas a serem travadas. Mas os primeiros resultados positivos obtidos pelo Brasil, como esse do açúcar e a recente decisão da OMC contra os subsídios dos EUA ao algodão, não são fruto do acaso. Exigiram investimento da máquina diplomática e dos ministérios setoriais. Esse esforço começou antes da atual administração e felizmente não foi interrompido pelo governo Lula.
O papel do setor privado é igualmente importante. A profissionalização e a capacitação técnica de uma entidade como a Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo) constituem fator importante para contenciosos comerciais dessa natureza. Sem munição adequada de informações de mercado, análises setoriais e modelos de simulação, os negociadores governamentais ficam desarmados na guerra do comércio mundial.
Tudo indica que os contenciosos comerciais vão se multiplicar, independentemente do grau de liberalização multilateral que venha a ser obtido na Rodada Doha. As dificuldades serão enormes, e os recursos humanos e materiais investidos em uma política comercial ativa ainda são insuficientes. Mas pelo menos o Brasil dá mostras de estar gostando do jogo.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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