São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Inflação importada?


Hipótese de queda do preço de commodities realimenta debate sobre importação de preços altos e eficácia do BC

O FATO DE que em quase toda parte a inflação tenha subido desandou no clichê da "inflação mundial causada por commodities" e daí na idéia defendida por alguns economistas de que a inflação brasileira seria em grande parte importada. A inflação importada seria uma superbactéria resistente a antibióticos puramente monetários. A tese da superbactéria inflacionária perdeu um pouco de força ao se verificar que micróbios autóctones se tornaram também tão comuns quanto a dengue no verão. Mas a hipótese ainda arriscada de iminente tombo das commodities requentou tal idéia, agora com sinal invertido: graças ao fim do contágio, a inflação no Brasil tende a cair. Uma variante mais sofisticada da hipótese do contágio externo atribui parte do surto inflacionário verificado de meados de 2007 para cá ao salto extra que os preços das commodities deram a partir de então. A crise nos EUA, que levou à queda nos juros americanos e a mais desvalorização do dólar, deu mais gás aos preços de petróleo, minérios e comida. Ao mesmo tempo, a desvalorização do dólar em relação ao real não seria mais suficiente para conter a contaminação de preços "internos" pelos "externos" (o dólar mais fraco barateia importados): o preço dos importados estaria subindo mais depressa que o real em relação ao dólar. No ano passado, o próprio Banco Central observava que a contribuição do câmbio ao controle da inflação tenderia a ser menor (embora considerar o peso do câmbio na inflação não implica a defesa da tese da "inflação importada", e esse obviamente não é o caso do BC). O ex-ministro Delfim Netto é o defensor mais ilustre da tese de que a inflação explodiu de meados de 2007 para cá devido ao descompasso entre preços mundiais acelerados e a insuficiente desvalorização do dólar em relação ao real. Delfim é também um crítico do BC, embora não fique claro se atribui a causa principal da inflação brasileira à "inflação mundial". Mas faz sentido a tese de que a valorização do real foi "ultrapassada" pela aceleração dos preços externos? Os preços "externos" não influenciam os "internos" só por meio da importação. Há "contágio" também por meio dos bens exportados. Etc. Ainda assim, observe-se a evolução dos preços dos bens intermediários, cerca de 55% do total das importações brasileiras, os quais refletem a alta dos produtos primários. Tais preços (em dólar, claro) subiam em torno de 4% entre abril de 2006 e julho de 2007. Daí aceleraram, para 15% em junho de 2008. Mas a desvalorização nominal do dólar em relação ao real, em torno de 5% entre meados de 2006 e o início de 2007, voltou a ganhar força também no final de 2007. Desde então, flutua em torno de 16% (sempre no acumulado em 12 meses). Esse exemplo simples não refuta a tese do "contágio externo" e do efeito câmbio, mas a enfraquece. Nem leva em conta a alta da importação de combustíveis, mais caros e muito "contagiantes". Mas, no período considerado, também subiram os preços de bens não-comercializáveis, e o consumo interno corre à frente do PIB. Enfim: parece que alguns preços mundiais puseram lenha na fogueira acesa aqui dentro.

vinit@uol.com.br


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