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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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COMÉRCIO EXTERIOR

Instituto americano mostra que, sem barreiras, renda agrícola aumentaria em mais de US$ 2 bi por ano

Cancún pode render US$ 6,5 bi ao Brasil

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Se conseguir arrancar um bom resultado nas negociações agrícolas da 5ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), que começa quarta-feira em Cancún (México), o Brasil terá um suculento prêmio: US$ 6,5 bilhões.
O cálculo foi feito não por brasileiros, mas por um instituto norte-americano, o IFPRI (sigla em inglês para Instituto de Pesquisa sobre Política Mundial de Alimentação).
Por essas contas, se os países industrializados concordarem em derrubar o muro protecionista que ergueram em torno de seus produtores rurais, o Brasil aumentará a renda do seu próprio campo em US$ 2,258 bilhões por ano, enquanto o aumento líquido do comércio agrícola será de US$ 4,262 bilhões.
Pena que nem o chefe da delegação brasileira, o chanceler Celso Amorim, acredite em uma vitória plena, a ponto de já estar falando em uma "Cancún 2", ou seja, uma nova reunião ministerial, no início de 2004, para, aí sim, fechar a negociação agrícola.
Reuniões ministeriais são a instituição de cúpula da Organização Mundial do Comércio, a única, portanto, que é autorizada a tomar decisões.
Já se sabe que o encontro de Cancún na próxima semana não produzirá números sobre a liberalização agrícola, que passou a ser o tema dominante e, por extensão, o que condiciona avanços em qualquer outra área da megapauta de negociação.
Amorim vê duas hipóteses para o desfecho de Cancún: a mais otimista "não tem os números, mas tem o potencial de ser preenchida com números favoráveis" em uma hipotética "Cancún 2".
A mais pessimista também não tem números, mas cria "uma equação que não pode ser preenchida com bons números".
Seria igualmente necessária uma "Cancún 2", mas para refletir sobre o dilema assim descrito pelo chanceler brasileiro: "Ou reduzimos o nível de ambições [sobre liberalização comercial em geral] ou aceitamos uma pequena derrapagem no prazo. Prefiro a segunda hipótese".

Doha
O prazo para a conclusão da chamada Rodada Doha de Desenvolvimento, lançada em novembro de 2001 na capital do Qatar, é dezembro de 2004.
Como, no entanto, a OMC chega a uma nova Ministerial, quase dois anos depois, sem números para liberalizar a agricultura, parece remota a hipótese de que seja possível encontrá-los nos meses seguintes a Cancún.
Seria então o fracasso de Cancún, previamente assumido?
Não, responde Pascal Lamy, comissário europeu para o Comércio (uma espécie de ministro).
"Cancún não é o começo nem o fim de uma negociação, mas uma revisão de meio de período, uma checagem para ver se estamos nos trilhos", diz Lamy.
Completa: "O sucesso será medido se verificarmos que percorremos a metade do caminho".
Celso Amorim também discorda da visão tremendista: "Não podemos fazer de Cancún uma Seattle, um tudo ou nada".
Seattle foi a sede do mais estrepitoso fracasso das negociações comerciais planetárias: a 3ª Ministerial da Organização Mundial do Comércio (1999) terminou desorganizadamente, sem documento final, em meio a batalhas campais entre a polícia e manifestantes contra o tipo de globalização em andamento.
Para o Brasil, a perspectiva de fracasso é muito ruim, na medida em que o país apostou suas principais fichas na OMC, entre as três meganegociações comerciais em que está envolvido (as outras duas são a Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, e União Européia/Mercosul).
O que complica mais o cenário, na hipótese de fracasso na Organização Mundial do Comércio, é que, dois meses depois de Cancún, será a vez da reunião ministerial da Alca, em Miami.

"Alca light"
É razoável supor que os Estados Unidos cobrem uma revisão da proposta brasileira de uma "Alca light", desidratada de temas cruciais transferidos para a OMC.
Amorim não aceita a cobrança: "Já havia uma Alca light, porque, na prática, temas de nosso interesse já haviam sido transferidos pelos Estados Unidos para a OMC, como os subsídios agrícolas e a revisão dos mecanismos antidumping".
De todo modo, o chanceler é o primeiro a admitir que "a configuração da Alca, ao contrário da Organização Mundial do Comércio, não é favorável para o Brasil".
De fato, só na OMC o Brasil encontra parceiros do porte de uma Índia ou de uma China, com os quais elaborou e apresentou proposta de liberalização agrícola bem mais ampla do que o documento conjunto de EUA e União Européia.
O texto pilotado por Brasil e Índia acabou assinado por 20 países, que representam 63,4% da população agrícola mundial, 19,2% da economia agrícola do planeta e 26,3% das exportações do setor, nas contas de Marcos Sawaya Jank, especialista em agricultura e negociações comerciais.
Na Alca, o Brasil jamais poderá contar com parceiros desse porte, pela simples razão de que as Américas só têm dois gigantes, o próprio Brasil e os Estados Unidos.


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