|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Carta aos leitores
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"A "humanidade" não avança; ela
nem sequer existe." Friedrich
Nietzsche
Hoje gostaria de conversar um pouco com os leitores
que me escrevem. Vocês talvez
não imaginem a influência que
um comentário pode ter sobre o
ânimo do colunista. Na semana
retrasada, um leitor escreveu
muito gentilmente, elogiou a minha "obstinação", mas foi também impiedoso: aconselhou-me a
seguir o exemplo da professora
Maria da Conceição Tavares,
despedindo-me do debate econômico brasileiro. "É inútil continuar", disse ele, desiludido com o
governo Lula.
O desânimo do leitor me contagiou. No artigo da quinta-feira
passada, resolvi então deixar a
economia brasileira de lado e tratar do companheiro Bush. Para
quê! Colhi muito mais reações negativas (várias delas bastante
exaltadas) do que positivas
-mais um sinal de que o referido
companheiro é um incompreendido no resto do mundo.
Não importa. Aprecio qualquer
reação aos artigos, mesmo negativa. Um ponto de vista comum a
muitos que me escreveram: pode
até ser que o presidente Bush, ao
fragilizar a posição internacional
dos EUA, esteja de fato prestando,
sem querer, um certo serviço a
países como o Brasil, mas como
esquecer a guerra, as mortes e o
perigo que ele representa para a
humanidade?
Vou dizer algo que talvez desagrade ainda mais: nós, brasileiros, não temos cacife, realmente,
para nos preocuparmos com a
"humanidade". Se mal conseguimos lidar com os nossos problemas nacionais e as relações do
país com o resto do mundo! Aliás,
cabe até a pergunta, "en passant":
será que a humanidade existe
mesmo? A questão é controvertida. O filósofo citado em epígrafe,
por exemplo, nega terminantemente sua existência.
Deixo a questão no ar; não tenho como continuar no assunto
agora. Volto aos leitores. Até cidadãos americanos escreveram
para reclamar do suposto "apoio"
a Bush ou do tom irreverente do
artigo da semana passada. Um
deles, de San Diego, na Califórnia, declarou-se "um pouco confuso", não sabendo se eu, afinal,
apoiava ou não o presidente
Bush. E sugeriu que, em futuros
artigos, eu me refira ao presidente
dos Estados Unidos como "presidente Bush", e não "companheiro
Bush", uma vez que a palavra
"companheiro" é, segundo ele,
"highly offensive" (altamente
ofensiva)...
Vejam, leitores, que a ironia,
mesmo leve, tem que ser usada
com certo cuidado. No caso, a ironia não era nem dirigida ao presidente dos Estados Unidos, mas
ao do Brasil, pois foi o companheiro Lula que, sem ironia, referiu-se a ele como "companheiro
Bush". Quanto a apoiá-lo ou não,
esclareço que, se fosse cidadão
americano, nunca votaria em
George W. Bush (hoje em dia, é
preciso explicar tudo!).
A mensagem do leitor de San
Diego talvez seja sintomática do
estado de espírito dos americanos. No exterior, disse ele, muitos
não gostam da nossa posição no
Iraque. Mas os ataques de 11 de
setembro de 2001 mudaram a
nossa maneira de ver o mundo;
não podemos mais permitir que
nações e indivíduos ameacem a
segurança de nossos cidadãos e
dos cidadãos dos nossos aliados,
explicou.
Onze de Setembro? Os ataques
terroristas parecem ter sido um
reforço inestimável para as piores
tendências agressivas e imperiais
já presentes na sociedade americana e, especificamente, em setores importantes do governo Bush.
Da mesma maneira, as reações
truculentas e estabanadas dos Estados Unidos só fizeram aumentar o prestígio dos extremistas
muçulmanos. Bin Laden e Bush,
ironicamente, estão de mãos dadas, trabalhando para os mesmos
propósitos: a desestabilização do
Oriente Médio e o enfraquecimento da influência dos Estados
Unidos no mundo.
Mas vamos deixar o companheiro Bush sossegado. Reconfortou-me ler na própria Folha, no
dia seguinte, na sexta-feira, a entrevista do grande pintor catalão
Antoni Tàpies. Ele usa com freqüência textos em suas obras,
mas só acredita mesmo na expressão plástica. É que as palavras, mais do que servir à comunicação, semeiam a "incomunicação", disse Tàpies, citando o escritor Michel Leiris.
Nada mais verdadeiro. Todo escritor de artigos de jornal é, em alguma medida, um frustrado. Escreve na distância do leitor e nunca sabe como os seus textos são
realmente recebidos. Fica, às vezes, pasmo com as incompreensões que suscita. Parte da explicação, acredito, deve estar no fato
de que a palavra foi inventada
não para ser lida, mas para ser escutada, em comunicação direta e
imediata. Na origem, a palavra
não vinha solta, mas era sempre
amparada por recursos não-verbais, o tom da voz, as ênfases e
modulações, a expressão facial, o
gesto, a trilha sonora (trilha sonora já é exagero). É aí que ela produz todo o seu efeito, com toda a
clareza possível. E quem se exprime percebe então, antes de qualquer reação verbal, o impacto
produzido pelo que é dito.
Portanto, leitores, quando puderem, escrevam que eu vou ler,
considerar e, se possível, responder. Não só responder como atender. Reparem que o leitor citado
no início deste artigo está sendo
contemplado. Por duas semanas
consecutivas, deixei de lado o debate econômico.
Mas, como sou "obstinado",
não vou me despedir. Volto a ele
semana que vem.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Biossegurança/análise: Uma no cravo, outras na ferradura Índice
|