São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Carta aos leitores

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"A "humanidade" não avança; ela nem sequer existe." Friedrich Nietzsche

Hoje gostaria de conversar um pouco com os leitores que me escrevem. Vocês talvez não imaginem a influência que um comentário pode ter sobre o ânimo do colunista. Na semana retrasada, um leitor escreveu muito gentilmente, elogiou a minha "obstinação", mas foi também impiedoso: aconselhou-me a seguir o exemplo da professora Maria da Conceição Tavares, despedindo-me do debate econômico brasileiro. "É inútil continuar", disse ele, desiludido com o governo Lula.
O desânimo do leitor me contagiou. No artigo da quinta-feira passada, resolvi então deixar a economia brasileira de lado e tratar do companheiro Bush. Para quê! Colhi muito mais reações negativas (várias delas bastante exaltadas) do que positivas -mais um sinal de que o referido companheiro é um incompreendido no resto do mundo.
Não importa. Aprecio qualquer reação aos artigos, mesmo negativa. Um ponto de vista comum a muitos que me escreveram: pode até ser que o presidente Bush, ao fragilizar a posição internacional dos EUA, esteja de fato prestando, sem querer, um certo serviço a países como o Brasil, mas como esquecer a guerra, as mortes e o perigo que ele representa para a humanidade?
Vou dizer algo que talvez desagrade ainda mais: nós, brasileiros, não temos cacife, realmente, para nos preocuparmos com a "humanidade". Se mal conseguimos lidar com os nossos problemas nacionais e as relações do país com o resto do mundo! Aliás, cabe até a pergunta, "en passant": será que a humanidade existe mesmo? A questão é controvertida. O filósofo citado em epígrafe, por exemplo, nega terminantemente sua existência.
Deixo a questão no ar; não tenho como continuar no assunto agora. Volto aos leitores. Até cidadãos americanos escreveram para reclamar do suposto "apoio" a Bush ou do tom irreverente do artigo da semana passada. Um deles, de San Diego, na Califórnia, declarou-se "um pouco confuso", não sabendo se eu, afinal, apoiava ou não o presidente Bush. E sugeriu que, em futuros artigos, eu me refira ao presidente dos Estados Unidos como "presidente Bush", e não "companheiro Bush", uma vez que a palavra "companheiro" é, segundo ele, "highly offensive" (altamente ofensiva)...
Vejam, leitores, que a ironia, mesmo leve, tem que ser usada com certo cuidado. No caso, a ironia não era nem dirigida ao presidente dos Estados Unidos, mas ao do Brasil, pois foi o companheiro Lula que, sem ironia, referiu-se a ele como "companheiro Bush". Quanto a apoiá-lo ou não, esclareço que, se fosse cidadão americano, nunca votaria em George W. Bush (hoje em dia, é preciso explicar tudo!).
A mensagem do leitor de San Diego talvez seja sintomática do estado de espírito dos americanos. No exterior, disse ele, muitos não gostam da nossa posição no Iraque. Mas os ataques de 11 de setembro de 2001 mudaram a nossa maneira de ver o mundo; não podemos mais permitir que nações e indivíduos ameacem a segurança de nossos cidadãos e dos cidadãos dos nossos aliados, explicou.
Onze de Setembro? Os ataques terroristas parecem ter sido um reforço inestimável para as piores tendências agressivas e imperiais já presentes na sociedade americana e, especificamente, em setores importantes do governo Bush. Da mesma maneira, as reações truculentas e estabanadas dos Estados Unidos só fizeram aumentar o prestígio dos extremistas muçulmanos. Bin Laden e Bush, ironicamente, estão de mãos dadas, trabalhando para os mesmos propósitos: a desestabilização do Oriente Médio e o enfraquecimento da influência dos Estados Unidos no mundo.
Mas vamos deixar o companheiro Bush sossegado. Reconfortou-me ler na própria Folha, no dia seguinte, na sexta-feira, a entrevista do grande pintor catalão Antoni Tàpies. Ele usa com freqüência textos em suas obras, mas só acredita mesmo na expressão plástica. É que as palavras, mais do que servir à comunicação, semeiam a "incomunicação", disse Tàpies, citando o escritor Michel Leiris.
Nada mais verdadeiro. Todo escritor de artigos de jornal é, em alguma medida, um frustrado. Escreve na distância do leitor e nunca sabe como os seus textos são realmente recebidos. Fica, às vezes, pasmo com as incompreensões que suscita. Parte da explicação, acredito, deve estar no fato de que a palavra foi inventada não para ser lida, mas para ser escutada, em comunicação direta e imediata. Na origem, a palavra não vinha solta, mas era sempre amparada por recursos não-verbais, o tom da voz, as ênfases e modulações, a expressão facial, o gesto, a trilha sonora (trilha sonora já é exagero). É aí que ela produz todo o seu efeito, com toda a clareza possível. E quem se exprime percebe então, antes de qualquer reação verbal, o impacto produzido pelo que é dito.
Portanto, leitores, quando puderem, escrevam que eu vou ler, considerar e, se possível, responder. Não só responder como atender. Reparem que o leitor citado no início deste artigo está sendo contemplado. Por duas semanas consecutivas, deixei de lado o debate econômico.
Mas, como sou "obstinado", não vou me despedir. Volto a ele semana que vem.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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