São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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ANÁLISE/O TESOURO DO IMPÉRIO

O'Neill, o das gafes e das frases infames, já vai tarde

FIM DO ESPETÁCULO

À medida que a economia dos EUA vacilava, nos últimos dois anos, sob a influência do colapso nos mercados financeiros e dos escândalos de governança corporativa, O'Neill, Lindsey e Pitt [SEC] apresentaram um espetáculo subsidiário contínuo com suas gafes, declarações equivocadas e tropeços, os quais solaparam a reputação do governo em termos de competência na política econômica. A saída deles tem por claro objetivo encerrar esse espetáculo

GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan demitiu seis ministros em 1963, Harold Wilson, o líder da oposição, notou com satisfação que ele havia demitido metade do gabinete. Mas acrescentou secamente: "Foi a metade errada".
Em Washington, ocorreu a dramática renúncia dos dois principais expoentes da política econômica do governo Bush. Mas o famoso insulto de Wilson parece pouco adequado às circunstâncias da renúncia de Paul O'Neill e Larry Lindsey. De fato, depois da saída de Harvey Pitt da presidência da Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão federal norte-americano que regulamenta e fiscaliza os mercados de valores mobiliários), parece que o presidente Bush agiu para eliminar três dos principais pontos fracos de seu governo.
À medida que a economia dos Estados Unidos vacilava, nos últimos dois anos, sob a influência do colapso nos mercados financeiros e dos escândalos de governança corporativa, O'Neill, Lindsey e Pitt apresentaram um espetáculo subsidiário contínuo com suas gafes, declarações equivocadas e tropeços,os quais, embora fornecessem entretenimento para a mídia, solaparam a reputação do governo em termos de competência na política econômica. A saída deles tem por claro objetivo encerrar esse espetáculo.
Vindos de um presidente conhecido por sua ferrenha lealdade a seus amigos e assessores, os acontecimentos de ontem foram um lembrete de o quanto a política pode ser brutal. Primeiro, O'Neill anunciou, por meio da divulgação de uma carta notavelmente seca ao presidente, que estava deixando o gabinete. Foi um prazer, ressaltou ele em tom acerbo, servir o país em tempos tão "desafiadores".
Caso restasse alguma dúvida, poucos minutos depois a Casa Branca anunciou que O'Neill deixara o posto a pedido do presidente. E então, enquanto Washington estava digerindo as notícias quanto à partida do secretário do Tesouro, o governo informou que Lindsey também estava deixando seu posto como presidente do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca e principal assessor econômico de Bush.
Já era claro há algum tempo que uma reforma na equipe econômica do governo Bush estava sendo preparada, e que era provável que acontecesse logo depois das eleições para o Congresso, no mês passado. O principal alvo da Casa Branca durante todo o processo, de acordo com funcionários do governo, era O'Neill. O apreço do secretário pelas saraivadas verbais impensadas causou repetidos embaraços ao presidente.
Algumas das gafes eram simplesmente motivo de risada, como a sua observação de que "se excetuarmos Three Mile Island e Chernobyl, o histórico da energia nuclear vem sendo muito bom". Algumas custaram caro ao governo. Em diversas ocasiões, sua disposição apressada de se pronunciar sobre acontecimentos nos mercados de câmbio internacionais causou quedas severas na cotação do dólar. Suas declarações desdenhosas, meses atrás, em um momento em que o Brasil estava afundado em negociações com o FMI, quanto à probabilidade de que novos empréstimos "terminassem em contas numeradas na Suíça", provavelmente elevou em US$ 10 bilhões o montante do pacote do FMI para o país, já que a instituição multilateral de crédito e o governo norte-americano tiveram de reparar os danos causados pela declaração à credibilidade dos pacotes do Fundo.
Mas o mais importante é que as receitas políticas de O'Neill, e não suas declarações infames, é que parecem ter causado o maior dano à sua posição no governo. Desde o começo, expressou ceticismo quanto ao uso da política fiscal como ferramenta de estímulo à economia. E já que o estímulo fiscal passou a ser o principal argumento de Bush em defesa de seu corte de impostos de US$ 1,35 trilhão aprovado pelo Congresso em 2001, a atitude dele era de pouca ajuda, para dizer o mínimo.
O'Neill continuou então a expressar otimismo ensolarado sobre as perspectivas econômicas, a despeito da inquietação crescente e cada mais óbvia do público quanto à saúde da recuperação. Nas últimas semanas, ele se opôs fortemente a novas medidas fiscais de auxílio à recuperação, assumindo posição de confronto direto com Lindsey e a Casa Branca.
Essa aparente complacência e a profunda desconfiança quanto ao papel do governo na promoção da recuperação deixaram O'Neill em posição de confronto com um governo ávido por ser visto como ativo no combate à estagnação econômica. Bush e os republicanos conquistaram um triunfo notável nas eleições. Mas os estrategistas políticos da Casa Branca, comandados por Karl Rove, o principal assessor político de Bush, continuam inseguros quanto à reeleição.
Rove sabe que, não importa o que aconteça no Iraque, a economia interna será crucial para determinar de que maneira o povo votará daqui a dois anos.
Se a demissão de O'Neill era, portanto, previsível, como explicar a saída simultânea de Lindsey? Afinal, o principal assessor econômico de Bush foi o principal defensor dos cortes de impostos em 2001 e vem pressionando desde a eleição por novo estímulo fiscal. Ninguém poderia acusá-lo de deixar o ativismo econômico fora das prioridades do governo.
O problema de Lindsey era diferente. Suas repetidas disputas com O'Neill e outros membros do governo Bush resultaram em vazamentos prejudiciais sobre tensões internas no governo.
As relações de Lindsey com a imprensa eram incertas, para dizer o mínimo. E, embora tenha sido proponente vigoroso do ativismo fiscal, quanto à outra questão central da política econômica nos 12 meses passados -a reforma financeira- ele adotou atitude tão indiferente quanto a de O'Neill. A Casa Branca não deu nenhuma indicação, ontem, quanto aos sucessores de O'Neill e Lindsey. Alguns analistas interpretam o fato como sinal de que os acontecimentos transcorreram um pouco mais rápido do que o governo planejava, com O'Neill, especialmente, talvez se recusando a cumprir o cronograma que a Casa Branca preferiria.
Se você planeja demitir alguém, em geral é uma boa idéia ter um sucessor em mente. No Tesouro, as especulações se concentram em Phil Gramm, que recentemente se aposentou como senador pelo Texas, um economista conservador. Outro candidato é Don Evans, secretário do Comércio, amigo íntimo de Bush, muito apreciado pelos republicanos, se bem que suas credenciais econômicas sejam bastante duvidosas.
Muitos analistas econômicos enfatizaram o fato de que restam apenas dois anos antes da próxima eleição presidencial. Quem assumir a política econômica estará atendendo às demandas do ciclo eleitoral. Como disse Richard Medley, da Medley Global Advisers, consultoria política e econômica, "para todos os propósitos e intenções, Karl Rove é o próximo secretário do Tesouro".


Tradução de Paulo Migliacci


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