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ANÁLISE/O TESOURO DO IMPÉRIO
O'Neill, o das gafes e das frases infames, já vai tarde
FIM DO ESPETÁCULO
À medida que a economia dos EUA vacilava, nos últimos dois anos, sob a influência do colapso nos mercados financeiros e dos escândalos de governança corporativa, O'Neill, Lindsey e Pitt [SEC] apresentaram
um espetáculo subsidiário contínuo com suas gafes,
declarações equivocadas e tropeços, os quais solaparam a reputação do governo em termos de competência na política econômica. A saída deles tem por claro
objetivo encerrar esse espetáculo
GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"
Quando o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan demitiu seis ministros em
1963, Harold Wilson, o líder da
oposição, notou com satisfação
que ele havia demitido metade do
gabinete. Mas acrescentou secamente: "Foi a metade errada".
Em Washington, ocorreu a dramática renúncia dos dois principais expoentes da política econômica do governo Bush. Mas o famoso insulto de Wilson parece
pouco adequado às circunstâncias da renúncia de Paul O'Neill e
Larry Lindsey. De fato, depois da
saída de Harvey Pitt da presidência da Securities and Exchange
Commission (SEC, o órgão federal norte-americano que regulamenta e fiscaliza os mercados de
valores mobiliários), parece que o
presidente Bush agiu para eliminar três dos principais pontos fracos de seu governo.
À medida que a economia dos
Estados Unidos vacilava, nos últimos dois anos, sob a influência do
colapso nos mercados financeiros
e dos escândalos de governança
corporativa, O'Neill, Lindsey e
Pitt apresentaram um espetáculo
subsidiário contínuo com suas
gafes, declarações equivocadas e
tropeços,os quais, embora fornecessem entretenimento para a mídia, solaparam a reputação do governo em termos de competência
na política econômica. A saída deles tem por claro objetivo encerrar
esse espetáculo.
Vindos de um presidente conhecido por sua ferrenha lealdade
a seus amigos e assessores, os
acontecimentos de ontem foram
um lembrete de o quanto a política pode ser brutal. Primeiro,
O'Neill anunciou, por meio da divulgação de uma carta notavelmente seca ao presidente, que estava deixando o gabinete. Foi um
prazer, ressaltou ele em tom acerbo, servir o país em tempos tão
"desafiadores".
Caso restasse alguma dúvida,
poucos minutos depois a Casa
Branca anunciou que O'Neill deixara o posto a pedido do presidente. E então, enquanto Washington estava digerindo as notícias quanto à partida do secretário do Tesouro, o governo informou que Lindsey também estava
deixando seu posto como presidente do Conselho Econômico
Nacional da Casa Branca e principal assessor econômico de Bush.
Já era claro há algum tempo que
uma reforma na equipe econômica do governo Bush estava sendo
preparada, e que era provável que
acontecesse logo depois das eleições para o Congresso, no mês
passado. O principal alvo da Casa
Branca durante todo o processo,
de acordo com funcionários do
governo, era O'Neill. O apreço do
secretário pelas saraivadas verbais impensadas causou repetidos embaraços ao presidente.
Algumas das gafes eram simplesmente motivo de risada, como a sua observação de que "se
excetuarmos Three Mile Island e
Chernobyl, o histórico da energia
nuclear vem sendo muito bom".
Algumas custaram caro ao governo. Em diversas ocasiões, sua disposição apressada de se pronunciar sobre acontecimentos nos
mercados de câmbio internacionais causou quedas severas na cotação do dólar. Suas declarações
desdenhosas, meses atrás, em um
momento em que o Brasil estava
afundado em negociações com o
FMI, quanto à probabilidade de
que novos empréstimos "terminassem em contas numeradas na
Suíça", provavelmente elevou em
US$ 10 bilhões o montante do pacote do FMI para o país, já que a
instituição multilateral de crédito
e o governo norte-americano tiveram de reparar os danos causados pela declaração à credibilidade dos pacotes do Fundo.
Mas o mais importante é que as
receitas políticas de O'Neill, e não
suas declarações infames, é que
parecem ter causado o maior dano à sua posição no governo. Desde o começo, expressou ceticismo
quanto ao uso da política fiscal
como ferramenta de estímulo à
economia. E já que o estímulo fiscal passou a ser o principal argumento de Bush em defesa de seu
corte de impostos de US$ 1,35 trilhão aprovado pelo Congresso em
2001, a atitude dele era de pouca
ajuda, para dizer o mínimo.
O'Neill continuou então a expressar otimismo ensolarado sobre as perspectivas econômicas, a
despeito da inquietação crescente
e cada mais óbvia do público
quanto à saúde da recuperação.
Nas últimas semanas, ele se opôs
fortemente a novas medidas fiscais de auxílio à recuperação, assumindo posição de confronto direto com Lindsey e a Casa Branca.
Essa aparente complacência e a
profunda desconfiança quanto ao
papel do governo na promoção
da recuperação deixaram O'Neill
em posição de confronto com um
governo ávido por ser visto como
ativo no combate à estagnação
econômica. Bush e os republicanos conquistaram um triunfo notável nas eleições. Mas os estrategistas políticos da Casa Branca,
comandados por Karl Rove, o
principal assessor político de
Bush, continuam inseguros quanto à reeleição.
Rove sabe que, não importa o
que aconteça no Iraque, a economia interna será crucial para determinar de que maneira o povo
votará daqui a dois anos.
Se a demissão de O'Neill era,
portanto, previsível, como explicar a saída simultânea de Lindsey?
Afinal, o principal assessor econômico de Bush foi o principal
defensor dos cortes de impostos
em 2001 e vem pressionando desde a eleição por novo estímulo fiscal. Ninguém poderia acusá-lo de
deixar o ativismo econômico fora
das prioridades do governo.
O problema de Lindsey era diferente. Suas repetidas disputas
com O'Neill e outros membros do
governo Bush resultaram em vazamentos prejudiciais sobre tensões internas no governo.
As relações de Lindsey com a
imprensa eram incertas, para dizer o mínimo. E, embora tenha sido proponente vigoroso do ativismo fiscal, quanto à outra questão
central da política econômica nos
12 meses passados -a reforma financeira- ele adotou atitude tão
indiferente quanto a de O'Neill. A
Casa Branca não deu nenhuma
indicação, ontem, quanto aos sucessores de O'Neill e Lindsey. Alguns analistas interpretam o fato
como sinal de que os acontecimentos transcorreram um pouco
mais rápido do que o governo
planejava, com O'Neill, especialmente, talvez se recusando a cumprir o cronograma que a Casa
Branca preferiria.
Se você planeja demitir alguém,
em geral é uma boa idéia ter um
sucessor em mente. No Tesouro,
as especulações se concentram
em Phil Gramm, que recentemente se aposentou como senador pelo Texas, um economista
conservador. Outro candidato é
Don Evans, secretário do Comércio, amigo íntimo de Bush, muito
apreciado pelos republicanos, se
bem que suas credenciais econômicas sejam bastante duvidosas.
Muitos analistas econômicos
enfatizaram o fato de que restam
apenas dois anos antes da próxima eleição presidencial. Quem assumir a política econômica estará
atendendo às demandas do ciclo
eleitoral. Como disse Richard Medley, da Medley Global Advisers,
consultoria política e econômica,
"para todos os propósitos e intenções, Karl Rove é o próximo secretário do Tesouro".
Tradução de Paulo Migliacci
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