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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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FÉ DOLARIZADA

Cultos atraem empreendedores atrás de ajuda para melhorar os negócios; mas é preciso "dar para receber"

Empresários lotam templo em busca de lucro

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Tua vida vai ser dolarizada pela fé." Na noite de segunda-feira, em uma pequena sala do 4º andar do Templo da Fé (o maior de São Paulo), em Santo Amaro, zona sul da cidade, chega ao auge a pregação em um culto da Igreja Universal do Reino de Deus.
Na platéia, 500 microempresários e comerciantes seguram pastas de papelão com os dizeres "Meus Projetos para 2004 Serão Todos em Dólar" -onde devem escrever seus planos de negócio para o Ano Novo- e ouvem com atenção cada palavra.
"Olha quanta nota, é só isso que vai ter na sua vida. Você pode preparar o cofre", brada o bispo Darlan, fazendo referência às fotografias de notas da moeda americana estampadas nas pastas distribuídas momentos antes -e que estão reproduzidas nesta página.
Com algumas diferenças, o culto direcionado para quem tem seu próprio negócio se espalha por diversos salões de igrejas em todo o país.
Cansados de esperar o tão prometido crescimento da economia brasileira, mais e mais empresários e comerciantes vêm se tornando alvo fácil de um produto cuidadosamente adaptado ao seu paladar: a promessa de prosperidade. Versão negócios.
Em áreas mais restritas de templos gigantescos, ouvem que são "a cabeça, não a cauda", que "Deus quer fazer algo grande" e, principalmente, que "vai entrar dinheiro que nem água".
Em média, de cada cem pequenas empresas abertas neste ano no Estado de São Paulo 31 vão fechar as portas em 2004, segundo números do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Isso pode ajudar a explicar a razão de essas reuniões estarem sempre lotadas.
O discurso, adaptado do calvinismo, vem sendo adotado desde meados dos anos 90 por igrejas como a Renascer em Cristo e a Sara Nossa Terra (leia matéria na página ao lado), para arrebanhar às casas de oração engravatados que tragam, na mesma proporção, prestígio e recursos a essas instituições.
Outras neopentecostais, como a Universal -que possui hoje 8 mil templos-, começaram a olhar esses potenciais fiéis com mais atenção em 2003.
Desde fevereiro, a igreja, que há anos realiza a sua "Reunião dos Empresários com os 318 Pastores"- na prática um culto voltado para qualquer um com problemas financeiros-, reserva salões menores para cativar em separado os que efetivamente possuem empresas ou comércios.
"Para certos empresários, que são os realmente de fé, fazemos uma ou outra reunião onde se fala de algo mais profundo. São mensagens específicas para quem tem um compromisso com Deus, onde se incentiva os negócios dessas pessoas", afirma o bispo da Universal Carlos Rodrigues, deputado federal pelo PL e coordenador político da igreja.
Não por acaso, este é o ano em que a economia pode ficar estagnada, em que a renda média do trabalhador bateu recordes de tão baixa, em que o consumo despencou, desesperando a indústria.
"É um espaço que se abriu, e a Universal é uma igreja muito criativa, ágil e flexível, que sabe capturar as brechas que a sociedade oferece", analisa o antropólogo Ari Pedro Oro, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Não que o tom adotado durante as cerimônias -frequentadas por microempresários e comerciantes- tenha relação direta com o que ocorre na economia.
Em vez de falar sobre o patamar dos juros no país, os bispos que conduzem as reuniões preferem simplificar e pregam que "só não cresce quem não quer".
Mesmo assim, durante os programas de televisão da igreja, apresentados nas redes Record e Mulher, pertencentes à Universal, os bispos falam para empresários em frente a monitores de agências de notícias especializadas em economia, como a Bloomberg.
"A tônica da vida financeira foi tema do discurso da Universal desde sempre. Agora, estão tentando separar o "joio" do "trigo'", aponta o sociólogo Ricardo Mariano, um dos 19 pesquisadores -juntamente com Oro- do livro "Igreja Universal do Reino de Deus - Os Conquistadores da Fé", lançado pela editora Paulinas.
"Com a crise que o país vem enfrentando desde o ano passado, aumentou muito a frequência nos cultos da vida financeira", diz o bispo Rodrigues.

Segundo boi
A abundância prometida pelos bispos aos empresários não vem de graça: precisa ter fé. O que, segundo os discursos proferidos, significa "entrar no sacrifício", ou seja, dar dinheiro para Deus, representado na terra pela Universal. Para os bispos, é a "única forma" de materializar a crença em Deus e viabilizar o crescimento econômico.
"Deus vai te pedir o segundo boi. Eu não sei o que é, mas o que Deus te pedir não tenha medo, que muito mais Ele tem para te dar. Então começa já a gerar o sacrifício no seu coração", aconselha o bispo Darlan, em tom paternal, durante os cultos.
O "segundo boi" é referência ao personagem bíblico Gideão, que, no livro de Juízes, consegue salvar Israel de um povo inimigo, os midianitas. Antes de ganhar a batalha, ele ofereceu um cabrito a Deus, que pediu então o sacrifício do segundo boi do seu rebanho.
"Todo personagem bíblico que tem uma relação de barganha com Deus é bastante utilizado nas pregações", diz o sociólogo Mariano. Durante os cultos, o discurso, analisa ele, se assemelha muito ao da auto-ajuda. Quem participa afirma que sai encorajado para tentar melhorar seus negócios.
Um empresário aparentando 45 anos ouvido pela Folha relata, na saída da reunião, que recebeu uma injeção de ânimo para pensar em estratégias comerciais.
Sua mulher, que o acompanha nas reuniões, diz que desde que ambos vão à igreja, há dois meses, começou a pensar em seguir carreira como artista plástica. Ela conta que já recebeu convites para participar de exposições.

Pessoa física
A "Reunião dos Empresários com os 318 Pastores" acontece em diversos horários todas as segundas-feiras -o dia dedicado à vida financeira na igreja.
Os "318" são pastores e auxiliares de pastor que ajudam os bispos durante os cultos. O número é tirado de uma parte da Bíblia onde Abraão é ajudado por 318 servos de sua confiança para resgatar seu sobrinho Ló, sequestrado por quatro reis.
Nessas reuniões, o mais comum é encontrar pessoas endividadas ou que almejam abrir seu próprio negócio, e que estão dispostas a dar o dízimo -10% do que ganham- para melhorar de vida.
"Há muita gente pobre que frequenta a Universal, a mais eficaz em atrair pessoas com problemas financeiros. É a igreja com renda média das mais baixas entre as evangélicas", diz Mariano.
É esse público que participa das "correntes da prosperidade", realizadas nos finais de tarde das segundas-feiras. Todos os fiéis que estão no templo -nas grandes catedrais cabem até 5.000 pessoas- se encaminham em direção ao palco, onde os "318 pastores" formam um corredor.
Erguendo carteiras de trabalho, cartões de crédito e projetos empresariais, milhares de fiéis passam no meio dos pastores, que oram pela melhora em sua vida.
Enquanto isso, o bispo realiza uma pregação onde são comuns frases como "muitas dívidas" e ""pessoas que perderam tudo": "Opera na vida desta pessoa, Deus, para ela pagar as dívidas, para sair da mão dos agiotas. Vem agir na vida desta pessoa, que já perdeu a conta bancária, perdeu o crédito, faz ela recuperar tudo".
É o tipo de discurso que permite à Universal continuar crescendo, entre patrões ou empregados, de forma espantosa no país.
Neste momento, 17 catedrais -como a igreja chama os seus templos maiores- estão sendo construídas no país por grandes construtoras, como a Queiroz Galvão e a Odebrecht.



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