São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Anistias: me engana que eu gosto


Governo propõe anistia a pilantrópicas, desmatadores, devedores do fisco, a quem foge com dinheiro do país etc.

A REFORMA tributária subiu no telhado, entre outros motivos, porque o deputado federal que redigia seu texto tratou o projeto como se negociasse contrabandos na rabeira de uma medida provisória. Contrabando em medida provisória é atividade comum no Congresso, pois os parlamentares são na maioria relapsos, não desenvolvem nem aprovam seus projetos, toleram a torrente de MPs e, por fim, pegam carona nos decretos presidenciais para enfiar suas mumunhas e lobbies.
Sandro Mabel (PR-GO), esse deputado, distribuiu o favor de chancelar reduções de impostos malandras que Estados dão a empresas para atraí-las para seu território -a guerra fiscal. Trata-se de um lobby de mil cabeças, que vem de empresários, doadores de campanha, prefeitos, secretários de Estado, deputados, senadores, governadores, embora em muitos casos seja difícil distinguir bem tais papéis, tal o número de políticos-empresários envolvidos. No fim das contas, Mabel distribuía biscoitos recheados de subsídios e irregularidades fiscais.
Há um surto de anistia na praça. O governo Lula cozinha a idéia estrambótica de anistiar os crimes envolvidos na remessa por baixo do pano de dinheiro para o exterior (quer que o dinheiro volte ao país). Lula também deu o vexame recente de tentar anistiar, via MP, entidades filantrópicas que apenas filavam o dinheiro que deixam de recolher para a Previdência sem oferecer serviço social algum, para nem mencionar as fraudes.
Na quarta, a Câmara anistiou 62 municípios criados de modo inconstitucional. Já não bastam os Estados que inexistem, sem renda para se sustentar, ou a praga de criação de municípios fantasmas, apenas para que os capiaus-líderes do lugar abocanhem fundos federais. A Câmara estimula a bandalha anistiando a picaretagem dos lugarejos.
O Ministério da Agricultura e, claro, a bancada ruralista outra vez querem anistiar desmatadores, que plantaram em área de preservação. É mais um projeto dos tantos que desmoralizam qualquer lei, autoridade ou fiscal de reservas ambientais. E que incentiva o "ruralista" a desmatar, à espera da próxima anistia.
Por falar em incentivo, as freqüentes rodadas de anistia de dívidas via subsídios para juros (ou perdão mesmo) de agricultores chegou ao escárnio neste ano, quando em Mato Grosso vários empresários deixaram de pagar em conjunto financiamentos de máquinas, numa espécie de locaute. A confusão permanente no crédito agrícola, a raridade de seguros rurais e do mercado de capital organizado para o campo criaram a figura do anistiado profissional, que já dá como certo que não pagará sua dívida.
Em vez de projetos de longo prazo para dar cabo dessa precariedade que gera promiscuidade e incentiva o calote, a liberal senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que preside a Confederação da Agricultura e Pecuária, quer que o setor encoste ainda mais nas liberalidades estatais.
Na semana, Lula ainda anistiou via MP quem deve até R$ 10 mil, há mais de cinco anos, à Receita Federal. "Custa caro e demora cobrar", alega o governo. Mas pagar imposto também custa muito caro: há tributos demais e as despesas administrativas são altas, dada a confusão tributária. Mas a maioria paga. Se o calote é cada vez mais premiado, quantos mais vão se locupletar?

vinit@uol.com.br


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