São Paulo, segunda-feira, 07 de dezembro de 2009

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Afeganistão e segurança nacional


Para combater o terrorismo da Al Qaeda, a melhor solução para os EUA seria fazer acordos com os grupos, como o Taleban


NO FUTURO , provavelmente o presidente Barack Obama lamentará haver tomado a decisão de enviar mais 30 mil soldados para o Afeganistão, triplicando dessa forma o número em relação ao que havia no início de seu governo. A decisão não surpreendeu, porque era isso o que o establishment e a maioria da população americana desejavam. Mas demonstrou que um presidente que tanta esperança provocou -e que está sendo firme em defender seu projeto de universalização dos cuidados de saúde- afinal não teve força e coragem suficientes para mudar o conceito de segurança nacional vigente e, dessa forma, atender melhor aos reais interesses de seu país.
Se ele tivesse a visão de um estadista, perceberia que existe em relação a esse problema um equívoco básico -o de que a segurança nacional americana não é fortalecida, mas enfraquecida quando os EUA apoiam governos corruptos que se antepõem a projetos de formação de um Estado nacional nos países do Oriente Médio. Ele se daria conta de que, para combater o terrorismo da Al Qaeda e para ter acesso comercial ao petróleo produzido na região, a melhor solução não é dar apoio a títeres locais, mas fazer acordos com os grupos, hoje geralmente islâmicos, como é o caso do Taleban, e não se opor a seus projetos de formação de um Estado nacional e capitalista.
Os movimentos islâmicos que se inspiram na Revolução Iraniana de 1979 são movimentos nacionalistas que visam fundar Estados-nação dignos desse nome. Usam da religião para lograr legitimidade e unidade, da mesma forma em que os países hoje desenvolvidos, a começar pela Inglaterra, usaram da religião para legitimar suas revoluções nacionais. Seu combate é contra regimes como aquele que foi implantado pelos EUA no Afeganistão (e também na Somália), sobre os quais o editorial de "O Estado de S. Paulo" (3/12/2009) é claro: "Hamid Karzai chefia o que é considerado o segundo mais corrupto governo do globo (o primeiro seria o da Somália). Os afegãos são extorquidos a cada passo, não admira que tolerem ou simpatizem com o Taleban".
Há equívocos históricos que são trágicos para um povo. Os EUA estão ainda dominados pelo "complexo industrial-militar" que o presidente Dwight D. Eisenhower denunciou em seu discurso de despedida do governo, em janeiro de 1961. Por isso não compreendem que o tempo da geopolítica imperialista que era praticada há cem ou mesmo há 50 anos está perempto. Seus custos são maiores que seus benefícios. Vivemos no tempo da globalização e da democracia. Do ponto de vista político, a globalização significa que a superfície da Terra passou a ser coberta por Estados-nação soberanos e que nenhum deles pode se recusar a vender pelo preço de mercado os bens que produz. Não é, portanto, necessário controlar as fontes de matéria-prima do mundo. A democracia no plano internacional significa que existe hoje uma vigilância política para que esses princípios sejam respeitados. O Taleban está interessado na independência nacional de seu país.
Os EUA, em combater o terrorismo da Al Qaeda. O melhor, tanto para um quanto para o outro, seria chegarem a um acordo que envolvesse o compromisso do Taleban de não abrigar a Al Qaeda e envolvendo também as ações no Paquistão. Dessa forma, os EUA estariam servindo melhor sua segurança nacional e sendo mais fiéis aos princípios democráticos do que ao tentarem a vitória militar sobre um povo com o auxílio de um governo local apoiado no tráfego de drogas e nos interesses de senhores de guerra.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição". Internet: www.bresserpereira.org.br bresserpereira@gmail.com

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