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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Papel crepom ou aço?
Para que algo mais grave
ocorra no Brasil, será preciso
que a China também desabe,
o que parece improvável
UM DOS temas recorrentes
neste início do ano tem sido a
questão envolvendo os impactos da crise externa sobre o Brasil. Afinal, estamos blindados com
aço ou, como dizem outros, com papel crepom?
Para alguns analistas -entre os
quais eu me incluo-, a economia
brasileira tem hoje condições estruturais novas e que fazem com que a
tempestade nos países mais avançados aqui chegue com ventos bem
mais suaves. Para outros, tudo isso
não passa de invenção de uns poucos e que vamos sofrer -como sempre sofremos- os efeitos da desaceleração nas economias do Primeiro
Mundo. Para facilitar o entendimento sobre esse debate, vou recorrer a uma imagem muito utilizada
na época da Guerra Fria: a teoria dos
dominós.
Neste novo mundo, criado pela ascensão da China e de outras economias emergentes, existem três grandes dominós: a economia americana; a economia da União Européia; e
a China e outros emergentes, como
os países exportadores de petróleo e
de outras commodities. Em 2007, os
Estados Unidos contribuíram com
25% do crescimento do PIB mundial, a Europa, com 29%, e a China e
outros emergentes, inclusive o Brasil, com 30%.
Em 2008, esses números vão mudar bastante em razão da recessão
americana. A parcela do aumento do
PIB mundial devida aos Estados
Unidos deve encolher para cerca de
10%, a da Europa, para algo próximo
a 20%, e a das economias emergentes vai aumentar para mais de 50%.
Chega-se a esses números assumindo um crescimento de 1,2% nos Estados Unidos, de 1,4% na Europa e
de 8% na terceira peça do dominó.
A economia brasileira em 2008
vai crescer basicamente por forças
internas, principalmente o consumo das famílias e o investimento
privado. Já o dinamismo criado pelas exportações está concentrado
nos segmentos de commodities
agrícolas e de metais. E os mercados
futuros desses produtos não mostram sinais de quedas significativas
de preços, mesmo no caos que atinge os ativos financeiros.
Como exemplo claro desse descolamento podemos citar o fato de que
se espera hoje um aumento de cerca
de 50% nos preços do minério de
ferro embarcados ao longo de 2008.
Com isso nossas exportações desse
produto devem adicionar cerca de
US$ 5 bilhões à balança comercial
deste ano. Se acreditarmos nas promessas da Petrobras, outros US$ 4
bilhões poderão vir do aumento da
produção interna de petróleo.
Esse cenário benigno só poderá
ser afetado se a crise externa mudar
de maneira importante as expectativas, principalmente do setor empresarial, inclusive o financeiro. E isso
só ocorrerá caso tenhamos uma desvalorização importante do real. Mas
basta olhar para o mercado de câmbio e notar que nossa moeda -já
com seis meses de crise- é hoje uma
das mais fortes e estáveis no mundo
emergente. Nesse período, o real
praticamente não se moveu. Entre
outubro -que marca o agravamento da crise no Primeiro Mundo- e
janeiro passado, o Banco Central
acumulou US$ 14 bilhões em reservas internacionais. Além disso, muito por conta da valorização dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos
em razão da queda dos juros, ocorreu uma alta adicional de mais US$
10 bilhões no valor de nossas reservas.
Para que algo mais grave ocorra
no Brasil, será preciso que a peça final do dominó, a China, também desabe por conta da crise americana.
Hoje isso parece improvável, mas
certamente é o risco mais grave para
o cenário brasileiro.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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