São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O FMI precisa de competição


Uma iniciativa como a ICM pode fortalecer a integração regional e reforçar o poder de barganha no FMI

VOLTEI DA CHINA há poucos dias -e ainda estou sofrendo de "jet-lag" e tremendas insônias. Isso a título de desculpa, leitor, pela coluna de hoje. Mas não queria deixar de escrever um pouco sobre a viagem.
Fui a Pequim para reuniões do G-20, mas aproveitei para ter alguns encontros paralelos com especialistas chineses. Um dos temas foi a Iniciativa Chiang Mai (ICM), ainda pouco conhecida no Brasil. Em janeiro, já havia discutido o tema com especialistas japoneses, em Tóquio.
O tema é potencialmente importante para o Brasil. Pode ser interessante criar um esquema semelhante na nossa região. Uma iniciativa desse tipo poderá fortalecer o processo de integração regional sul-americano ou latino-americano e reforçar o nosso poder de barganha no FMI (Fundo Monetário Internacional).
A ICM é um esquema de cooperação monetária regional, que vem sendo construído por países do Leste da Ásia desde 2000. Pode ser visto como um embrião de um Fundo Monetário Asiático. Participam China, Japão e Coreia do Sul e mais dez países do Sudeste Asiático, entre eles Indonésia, Tailândia e Filipinas.
Aqui no FMI essa iniciativa asiática é vista com certa preocupação. Ninguém gosta de competição.
A esta altura, a ICM já é mais do que um embrião. No final de março, entrou em vigor a chamada multilateralização da ICM, isto é, a rede de acordos bilaterais de "swaps" anteriormente existente foi substituída por um único contrato e um único processo decisório.
Criou-se um pool de reservas autoadministradas de US$ 120 bilhões, ou seja, as reservas continuam a ser administradas pelos bancos centrais ou ministérios de Finanças dos participantes, mas os países se comprometem a fornecer recursos até certo limite. Japão e China contribuem, cada um, com 32% do total desse pool virtual. A Coreia entra com 16%. Os dez países do Sudeste Asiático entram com os outros 20%.
O objetivo é proporcionar financiamento emergencial a países com dificuldades cambiais. O acesso máximo de cada país ao pool de reservas é determinado por sua contribuição e um multiplicador. Para a Coreia, por exemplo, o multiplicador é igual a 1. Para países como Indonésia e Tailândia, o multiplicador sobe para 2,5. Países mais pobres, como Laos e Vietnã, têm multiplicador 5.
Se um país decidir lançar mão do pool, e a sua solicitação for aprovada, os demais se cotizarão "pro rata", de acordo com a sua contribuição, para fornecer o montante solicitado.
A Malásia, por exemplo, pode levantar até US$ 11,92 bilhões. O Vietnã pode obter até US$ 5 bilhões.
Porém, se o país tomador quiser levantar mais do que 20% do seu acesso máximo, há um requisito adicional -a existência de um programa com o FMI.
A razão desse vínculo com o FMI está no fato de que a ICM ainda não conta com uma estrutura própria de monitoramento. Os credores potenciais não se sentem confortáveis em fazer grandes empréstimos sem a garantia associada ao acompanhamento das políticas econômicas dos países tomadores.
O próximo passo será a criação de uma pequena unidade regional de monitoramento, com sede em algum país do Sudeste Asiático. À medida que essa unidade ganhar experiência e for sendo ampliada, será possível atenuar o vínculo com o FMI, elevando gradualmente o percentual do acesso que pode ser obtido sem um programa com o Fundo. Um pouco de competição não fará mal ao FMI.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 55, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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