São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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LUÍS NASSIF

O guerreiro da tecnologia

Na semana passada, foi lançado, no Rio de Janeiro, o livro "Engenharia da Transparência: Vida e Obra de Lobo Carneiro", de autoria da jornalista Terezinha Costa. Fernando Luiz Lobo Carneiro é importante demais para a história do país para ser devidamente reconhecido. No país das irrelevâncias, das planilhas, dos bilharecos, da retórica superficial, do ouro dos tolos, Lobo Carneiro foi grande demais, fundamental demais para ser notado.
Ele foi uma das figuras centrais da criação de uma tecnologia brasileira. É da mesma raça do brigadeiro Montenegro, que foi aos Estados Unidos, importou a experiência do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e criou as bases do que viria a ser a futura indústria aeroespacial brasileira. Ou do almirante Álvaro Alberto, que atravessou mares e moveu montanhas para dotar o país de tecnologia nuclear. Ou ainda de Alberto Pereira de Castro, do IPT, e de lá também Ernesto Pichle, que fez questão de morrer trabalhando e ser enterrado com suas botas de trabalho.
Lobo Carneiro nasceu em 1913, no Rio de Janeiro. Formou-se aos 21 anos pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Brasil, futura Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos anos 40, publicou o "Ensaio Brasileiro", método para calcular a resistência do concreto à tração e que deu dimensão internacional à incipiente engenharia brasileira. Ajudou a fundar o Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ) e o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial).
Nos anos 50, tornou-se suplente de deputado. Sua atuação foi fundamental para a aprovação da lei de criação da Petrobras. Por trás da intensa discussão política que desembocou na campanha do "petróleo é nosso" e dos acesos debates no Clube Militar, houve uma importante discussão técnica que ficou em segundo plano -mas que foi decisiva para a adesão da UDN à idéia.
Discutia-se se a Petrobras deveria dominar todo o ciclo, da prospecção à comercialização do combustível. Havia muita pressão para que houvesse desmembramento -o que, para uma empresa infante, teria sido fatal.
Coube a Lobo Carneiro convencer tecnicamente o grande engenheiro Maurício Joppert, deputado pela UDN, da importância de manter o controle de toda a cadeia. O meio-campo entre ambos foi feito por Mário Bittencourt Sampaio, que no governo Dutra havia sido responsável pela implementação do Plano Salte e pelo início da petroquímica brasileira. Joppert convenceu Bilac Pinto, a grande liderança udenista da época.
A contribuição de Lobo Carneiro não parou aí. Nos anos seguintes, com seu conhecimento técnico na área de concreto, monitorou as pesquisas do Coppe com a Petrobras que resultaram em um dos grandes feitos da tecnologia nacional no século 20: a tecnologia para prospecção de petróleo em águas profundas, setor em que o país detém a liderança absoluta.
Anos atrás, escrevi sobre Lobo Carneiro. Recebi uma cartinha manuscrita sua, com a letra trêmula dos velhos, agradecendo à lembrança. Mais que isso, manifestando surpresa que alguém -de fora do meio técnico- soubesse dele.
Soube por acaso. Nos 25 anos da Petrobras, jovem repórter ainda, propus à revista em que trabalhava levantar a história do movimento "o petróleo é nosso".
Foi Mário Bittencourt Sampaio quem me falou de Lobo Carneiro. Na ocasião, ele estava fora do país. Décadas depois, quando me escreveu, telefonei para combinar conhecê-lo.
Não deu tempo. Morreu em 2001. Não enriqueceu com suas descobertas, ao contrário dos economistas que implementaram planos de estabilização na economia. Não deturpou o objetivo de descobertas que livraram o país da dependência externa do petróleo, diferentemente dos economistas que criaram um rombo nas contas externas para irrigar esse grande negócio da arbitragem de taxas com recursos brasileiros no exterior.
Quando o Brasil tornar-se, enfim, um país maduro, certamente será candidato ao panteão em que os países costumam enterrar seus grandes.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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