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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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ARTIGO

Fed pode se orgulhar do BCE

JOHN LIPSKY
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Em lugar de ser elogiado por ter cortado as taxas de juros em meio ponto percentual na quinta-feira, o Banco Central Europeu provavelmente será criticado por ter ficado para trás da curva da política monetária. A maior parte dos analistas acredita que o BCE vem teimosamente ignorando os pontos fracos da zona do euro ao estabelecer sua política de juros. Em contraste, o relaxamento da política monetária do Federal Reserve (banco central dos EUA) de 2000 em diante é interpretado, geralmente, como o mais agressivo da história moderna.
A divergência parece evidente. De 2001 para cá, o Fed reduziu sua meta para a taxa de juros 12 vezes, em um total de 5,25 pontos percentuais. No mesmo período, o BCE fez sete corte, em apenas 2,75 pontos. Enquanto isso, o PIB dos EUA cresceu 2,9% no ano passado, ante 0,9% de crescimento médio na zona do euro. O diferencial de crescimento persistiu neste ano, e a expectativa é que aumente nos próximos meses.
De fato, o impacto atual da política monetária não é significativamente diferente nas duas regiões, pelo menos se julgado com base no ágio relativo entre as taxas de juros de curto prazo e os rendimentos dos títulos de longo prazo, determinados pelo mercado em ambas as regiões. Essa é uma regra comumente usada para determinar o grau de agressividade de uma política monetária.
Segundo a Lei de Taylor, sob a qual um banco central deveria alterar sistematicamente os juros em resposta a desvios com relação às metas de inflação e à meta de pleno emprego, o quadro é ainda mais surpreendente. A política do Fed é coerente com a regra, mas o BCE vem adotando uma política muito mais expansiva.
A explicação para esse resultado inesperado é bastante clara. Os EUA são capazes de sustentar um ritmo anual de crescimento de 3,5% a 4%. A capacidade excedente norte-americana vem se acumulando de maneira relativamente rápida desde a metade de 2000, e agora já atinge entre 3% e 6% do PIB. O potencial de crescimento da zona do euro é estimado entre 2% e 2,5% ao ano. O crescimento da capacidade excedente equivaleu a 2% do PIB. Ao mesmo tempo, a inflação da zona do euro excedia, até o mês passado, o limite de 2% estipulado pelo BCE. Em contraste, a inflação nos EUA vem se mantendo próxima da faixa preferida pelo Fed desde 1997.
Com a economia da zona do euro no momento estagnada, e com uma queda acentuada da inflação em curso, o BCE reduzirá as taxas ainda mais este ano, talvez em um ponto percentual, seguindo a receita da Lei de Taylor. Mas um afrouxamento dessa escala não conseguirá reduzir rapidamente a disparidade de crescimento entre os EUA e a zona do euro. Isso reflete diferenças estruturais, como fatores demográficos, regulamentação e tradições culturais.
Por outro lado, a expansão fiscal sem precedentes que ocorre nos EUA deu sustentação à renda domiciliar, enquanto a política fiscal da UE segue restrita pelo histórico de déficits.
Justificadas ou não, as percepções sobre a flexibilidade relativa do Fed e do BCE estão exercendo um importante impacto. Por exemplo, a recente valorização aguda do euro diante do dólar (e de outras moedas) reflete a mudança progressiva anterior nos diferenciais de taxas de juros de curto prazo, em favor do euro, e a crença comum de que as taxas de juros da zona do euro continuam "altas demais".
À medida que se torna claro que a alta do euro está prejudicando o crescimento da zona do euro, e assim que os mercados financeiros europeus tiverem descontado plenamente o declínio iminente da inflação, o processo começará a se reverter. Assim, é provável que os mercados de câmbio se estabilizem nos próximos meses, refletindo a nova ampliação da disparidade de crescimento, com a aceleração da economia norte-americana e a mudança favorável ao dólar dos EUA nos juros de curto prazo.


John Lipsky é economista-chefe da corretora JP Morgan Securities


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