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OPINIÃO ECONÔMICA
Risco autógeno em 2006
PAULO RABELO DE CASTRO
"Diga-me rápido, em três
segundos: qual o grande
projeto, significativo em termos
geopolíticos, ou por seu conteúdo
financeiro ou objetivo social, cuja
interrupção agora teria tanto impacto a ponto de quebrar o foco e a
razão de ser do atual governo?" A
pergunta, lançada de surpresa
àquele seleto grupo de empresários e executivos, ainda ficou no
ar, mais do que os três segundos do
desafio repentista, uma técnica de
animação de palestra, até que um
senhor discreto levantou o braço,
timidamente, para ensaiar seu
lance: "De significativo mesmo",
ele tentou, não sem uma ponta de
ironia, "só estou me lembrando
dos juros altos e das metas de inflação".
O resto da platéia sorriu, aliviada por alguém ter lembrado alguma coisa para dizer, e esperou que
o palestrante prosseguisse com o
argumento.
O tema versava sobre as perspectivas econômicas deste e do próximo ano. A virada para 2006, um
ano de corrida eleitoral, merecia a
pergunta sobre o que estaria marcado, no imaginário do grande
público, como sonho de realização
desse governo. Um governo que,
generosamente, inaugurou-se
pensando acabar com a fome e hoje está preso na gaiola de ouro da
sua política monetária.
A instabilidade intrínseca de
2006 é a frustração do desejo coletivo por uma realização maior,
agravada, neste momento, pela
enorme repulsa ao custo moral de
"fazer política" em nosso país.
Definitivamente, o governo produziu uma nova espécie de risco
político, que não advém do seu
mau comportamento financeiro
nem do seu eventual excesso de
realização -como se costuma,
ainda hoje, lançar olhar crítico à
administração JK, com sua Brasília e sua revolução industrial nos
anos 50-, mas, sim, por um tipo
de risco autógeno, produzido pela
própria vulnerabilidade do sistema político brasileiro. A crise de
expectativas e a ausência de planejamento estratégico geram uma
frustração da demanda interna,
esta já dominada pelos freios aplicados ao consumo e ao investimento privado, por meio do único
instrumento que tem calendário
mensal no governo: o Copom. A
distância crescente entre as agendas dos poderes públicos e o Brasil
privado amplifica desnecessariamente os riscos políticos de 2006.
A economia empresarial brasileira revela, pela primeira vez, em
muitos anos, uma clara consolidação de força financeira, como revela a amostra de 455 empresas
abertas, a ser apresentada, na semana que vem, no anuário da
Abrasca, 2004-2005. Contudo a
boa saúde financeira de um segmento importante do universo
empresarial, após anos e anos de
esforço de auto-superação, defronta-se com um ambiente de negócios pouco amigável, quando não
minado por riscos cambiais e de
taxa de juros.
Mas ainda haveria tempo de
reagir, se o principal partido da situação, o PT, não governasse apenas em função da próxima crise. O
governo se perdeu na "Agenda
Perdida". Os instrumentos públicos capengam. Toda energia financeira do governo é empregada
em saldar compromissos com encargos de sua dívida pública, rolada no mercado com juros de mau
pagador. Enquanto isso, sonha-se
com a possibilidade de o país ser
guindado à condição de "grau de
investimento" pelas agências de
classificação de risco norte-americanas, um capricho incompatível
com a atual estrutura de financiamento do setor público, baseado
em intensa indexação de seus papéis e altos custos de rolagem do
principal.
A atual administração tem esperança de reacender as expectativas do setor empresarial ainda
neste ano. Foi com esse otimismo
que o presidente voltou da Ásia.
Existe boa munição do lado das
empresas. Mas os empresários precisam, antes, enxergar o que Rinaldo Soares, principal executivo
da Usiminas, chamou, recentemente, de "Qualidade do Ambiente de Negócios", condição crucial
para um crescimento sustentado.
Entre os vários e relevantes fatores de desenvolvimento por ele
apontados, Soares começa por
enumerar a "direção estratégica
nacional", algo que está por cima
dos chamados fundamentos macroeconômicos. Essa direção estratégica falta, certamente, há bastante tempo, para cuja carência
tem contribuído a falsa noção de
que o exercício do livre mercado é
condição suficiente ao nosso aperfeiçoamento institucional.
A lacuna de estratégia e de objetivos claros, por mais polêmicos
que pudessem ser, promove a alimentação do risco político autógeno. Esse, sim, o grande inimigo do
crescimento no cenário 2006.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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