São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Risco autógeno em 2006

PAULO RABELO DE CASTRO

"Diga-me rápido, em três segundos: qual o grande projeto, significativo em termos geopolíticos, ou por seu conteúdo financeiro ou objetivo social, cuja interrupção agora teria tanto impacto a ponto de quebrar o foco e a razão de ser do atual governo?" A pergunta, lançada de surpresa àquele seleto grupo de empresários e executivos, ainda ficou no ar, mais do que os três segundos do desafio repentista, uma técnica de animação de palestra, até que um senhor discreto levantou o braço, timidamente, para ensaiar seu lance: "De significativo mesmo", ele tentou, não sem uma ponta de ironia, "só estou me lembrando dos juros altos e das metas de inflação".
O resto da platéia sorriu, aliviada por alguém ter lembrado alguma coisa para dizer, e esperou que o palestrante prosseguisse com o argumento.
O tema versava sobre as perspectivas econômicas deste e do próximo ano. A virada para 2006, um ano de corrida eleitoral, merecia a pergunta sobre o que estaria marcado, no imaginário do grande público, como sonho de realização desse governo. Um governo que, generosamente, inaugurou-se pensando acabar com a fome e hoje está preso na gaiola de ouro da sua política monetária.
A instabilidade intrínseca de 2006 é a frustração do desejo coletivo por uma realização maior, agravada, neste momento, pela enorme repulsa ao custo moral de "fazer política" em nosso país.
Definitivamente, o governo produziu uma nova espécie de risco político, que não advém do seu mau comportamento financeiro nem do seu eventual excesso de realização -como se costuma, ainda hoje, lançar olhar crítico à administração JK, com sua Brasília e sua revolução industrial nos anos 50-, mas, sim, por um tipo de risco autógeno, produzido pela própria vulnerabilidade do sistema político brasileiro. A crise de expectativas e a ausência de planejamento estratégico geram uma frustração da demanda interna, esta já dominada pelos freios aplicados ao consumo e ao investimento privado, por meio do único instrumento que tem calendário mensal no governo: o Copom. A distância crescente entre as agendas dos poderes públicos e o Brasil privado amplifica desnecessariamente os riscos políticos de 2006.
A economia empresarial brasileira revela, pela primeira vez, em muitos anos, uma clara consolidação de força financeira, como revela a amostra de 455 empresas abertas, a ser apresentada, na semana que vem, no anuário da Abrasca, 2004-2005. Contudo a boa saúde financeira de um segmento importante do universo empresarial, após anos e anos de esforço de auto-superação, defronta-se com um ambiente de negócios pouco amigável, quando não minado por riscos cambiais e de taxa de juros.
Mas ainda haveria tempo de reagir, se o principal partido da situação, o PT, não governasse apenas em função da próxima crise. O governo se perdeu na "Agenda Perdida". Os instrumentos públicos capengam. Toda energia financeira do governo é empregada em saldar compromissos com encargos de sua dívida pública, rolada no mercado com juros de mau pagador. Enquanto isso, sonha-se com a possibilidade de o país ser guindado à condição de "grau de investimento" pelas agências de classificação de risco norte-americanas, um capricho incompatível com a atual estrutura de financiamento do setor público, baseado em intensa indexação de seus papéis e altos custos de rolagem do principal.
A atual administração tem esperança de reacender as expectativas do setor empresarial ainda neste ano. Foi com esse otimismo que o presidente voltou da Ásia. Existe boa munição do lado das empresas. Mas os empresários precisam, antes, enxergar o que Rinaldo Soares, principal executivo da Usiminas, chamou, recentemente, de "Qualidade do Ambiente de Negócios", condição crucial para um crescimento sustentado.
Entre os vários e relevantes fatores de desenvolvimento por ele apontados, Soares começa por enumerar a "direção estratégica nacional", algo que está por cima dos chamados fundamentos macroeconômicos. Essa direção estratégica falta, certamente, há bastante tempo, para cuja carência tem contribuído a falsa noção de que o exercício do livre mercado é condição suficiente ao nosso aperfeiçoamento institucional.
A lacuna de estratégia e de objetivos claros, por mais polêmicos que pudessem ser, promove a alimentação do risco político autógeno. Esse, sim, o grande inimigo do crescimento no cenário 2006.


Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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