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CRISE
Choque de juros é para quem leva meta de inflação "ao pé da letra demais"; dólar alto ajusta contas externas, diz ex-diretor do BC
Juro maior traz recessão inútil, diz Werlang
ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO
Um dos "pais" do sistema de
metas de inflação, o economista
Sérgio Werlang, ex-diretor do BC
(Banco Central) e hoje na FGV
(Fundação Getúlio Vargas), é
uma voz dissonante da opinião de
boa parte dos analistas, que defendem uma forte alta nos juros
para conter a escalada do dólar.
Para Werlang, aqueles que defendem a alta dos juros "estão levando ao pé da letra demais o sistema de metas de inflação", que,
segundo sua definição, "não tem
que ser à prova de excepcionalidades" nem nasceu para evitar o
impacto imediato do dólar.
"Se já não fosse um caso excepcional o primeiro racionamento
desde a década de 60, junte-se a isso a Argentina, que talvez tenha
de abandonar um sistema cambial em vigor desde 1991. São fatos
extremamente excepcionais
acontecendo juntos", disse Werlang, que saiu do governo em setembro do ano passado.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - O senhor vê um ataque especulativo contra o real?
Sérgio Werlang - Não. O dólar
mudou de patamar. A crise na Argentina reduz, num primeiro momento, os investimentos para essa
área do planeta. Só mais adiante
os investidores diferenciam as
duas situações. A segunda causa
fundamental é o racionamento de
energia elétrica, que aumentou
muito a probabilidade de que seja
eleito alguém não-alinhado com
as idéias do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Isso faz com
que as pessoas, que não conhecem ou conhecem muito pouco
essas novas políticas, se tornem
mais prudentes, o que significa fazer hedge [proteção cambial" a
um custo elevado.
Folha - O dólar já passou de R$
2,50. Esses fatos explicam a alta?
Werlang - A análise do Copom é
que havia uma bolha especulativa. A notícia da intervenção de
US$ 6 bilhões ao longo do ano
com um câmbio tão desvalorizado deixa a impressão de que, a
médio prazo, o câmbio deveria
convergir para o que o BC acha
correto, entre R$ 2,20 e R$ 2,30.
Folha - Mas o senhor acha que
US$ 6 bilhões é suficiente? O mercado, a princípio, fez as contas e
achou o volume diário pequeno.
Werlang - Essa conta não tem
muito sentido. O que importa é
que esse nível do câmbio vai nos
garantir um superávit comercial
de US$ 10 bilhões ao longo de 12
meses. Fácil. Voltamos a níveis
pré-real. Não tenho dúvida de que
o balanço de transações correntes
[balança comercial, balança de
serviços e transferências unilaterais, como recursos enviados do
exterior" vai ter um déficit menor.
Colocando mais US$ 6 bilhões, temos um bocado de dólares disponíveis para o país. Se for mesmo
uma bolha, ao longo do tempo o
dólar vai convergir para o nível
que o BC considera bom. Se não
for bolha, mas um novo nível do
câmbio, o dólar vai ficar em torno
de R$ 2,50 e não vai se mexer muito com intervenções. Os US$ 6 bilhões são um volume grande se a
análise do BC estiver correta. As
pessoas têm na cabeça aquele volume de intervenção dos tempos
de câmbio fixo. Naquela época, a
taxa de câmbio era menos da metade do que é hoje. O câmbio está
muito mais desvalorizado. Minha
sensação é que está um pouco
desvalorizado, além do que deveria, mas é o mercado que vai dizer
isso. Eu, particularmente, acho
que está mais para R$ 2,40 do que
para R$ 2,15, que seria a faixa inferior possível, segundo o BC.
Folha - A elevação dos juros para
18,25% não surtiu efeito no dólar.
O BC errou na dose?
Werlang - Para mim, errou porque mexeu demais. Deveria ter
deixado o dólar subir sem mexer
nos juros. A economia poderia ter
ficado um pouco mais aquecida, a
inflação ficaria em torno de 6,5%
ou 7%. O sistema de metas de inflação, como o BC descreveu no
relatório de março, tem por objetivo evitar o repasse dos choques
de oferta, ou seja, a propagação. É
muito ruim fazer política monetária para evitar choque de oferta. E
a subida do dólar é um choque de
oferta nos preços administrados,
nas tarifas. Evitar o choque em si
mesmo, fazendo com que outros
preços da economia caiam ou tenham uma inflação tão pequena a
ponto de manter a média dentro
da banda de tolerância, é submeter a economia a um choque e a
uma recessão desnecessários.
Folha - O senhor acha que a meta
de 6% já está comprometida?
Werlang - Talvez com a última
alta do dólar. Não tenho certeza
ainda. Estamos entre 5,8% e 6,3%.
Certamente, a R$ 2,50, a probabilidade de a meta ser excedida é
bem maior do que a R$ 2,30.
O senhor acha então que não vale
a pena mexer nos juros?
Werlang -Acho que não. O BC
tem é que evitar a propagação do
choque de oferta.
E como ele vai fazer isso sem mexer na Selic [taxa de juros básica"?
Werlang - Pode ser pelos juros,
mas não com uma taxa elevada.
Para combater os efeitos secundários do dólar não precisa voltar às
taxas de abril ou março de 2000.
Folha - A solução mais apontada
por analistas é justamente a de
uma elevação mais drástica nos juros. Estão errando em conjunto?
Werlang - Eles estão levando o
sistema de metas de inflação ao pé
da letra demais. O sistema foi feito
para funcionar com alguma regularidade, mas tivemos duas grandes excepcionalidades neste ano.
Se já não fosse um caso excepcional o primeiro racionamento desde a década de 60, junte-se a isso a
Argentina, que talvez tenha de
abandonar um sistema cambial
em vigor desde 1991. São fatos excepcionais acontecendo juntos. O
sistema de metas não tem que ser
à prova de excepcionalidades. As
pessoas também só vêm o instrumento de política monetária. Ela
tem que ser mais frouxa. Precisa
apertar é a política fiscal. E o Brasil
tem condições de gerar um superávit primário maior que 3% do
PIB (Produto Interno Bruto).
Folha - Mas como melhorar o superávit fiscal num momento em
que se fala da necessidade de aumentar os investimentos públicos
por conta da crise de energia?
Werlang - Basta parar de gastar.
O aumento de arrecadação bate
recorde atrás de recorde. Houve
um aumento brutal da arrecadação, de 30% para 32% do PIB, mas
os gastos do governo subiram 2%
do PIB, mantendo o superávit primário. É só cortar onde aumentou. Estão gastando demais. Tem
espaço para cortar gastos e fazer
investimento estatal. Dá para cortar uns 2% do PIB, 1,5%, por aí.
Folha - O senhor se debruçou em
cima dos números para ver onde é
que estão gastando demais?
Werlang - Eu tinha uma noção
melhor no governo, mas, se naquela época eu já achava que tinha espaço para cortar, agora
também acho. Não estou convencido de que não tenha.
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