São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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CRISE

Choque de juros é para quem leva meta de inflação "ao pé da letra demais"; dólar alto ajusta contas externas, diz ex-diretor do BC

Juro maior traz recessão inútil, diz Werlang

ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO

Um dos "pais" do sistema de metas de inflação, o economista Sérgio Werlang, ex-diretor do BC (Banco Central) e hoje na FGV (Fundação Getúlio Vargas), é uma voz dissonante da opinião de boa parte dos analistas, que defendem uma forte alta nos juros para conter a escalada do dólar.
Para Werlang, aqueles que defendem a alta dos juros "estão levando ao pé da letra demais o sistema de metas de inflação", que, segundo sua definição, "não tem que ser à prova de excepcionalidades" nem nasceu para evitar o impacto imediato do dólar.
"Se já não fosse um caso excepcional o primeiro racionamento desde a década de 60, junte-se a isso a Argentina, que talvez tenha de abandonar um sistema cambial em vigor desde 1991. São fatos extremamente excepcionais acontecendo juntos", disse Werlang, que saiu do governo em setembro do ano passado.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - O senhor vê um ataque especulativo contra o real?
Sérgio Werlang -
Não. O dólar mudou de patamar. A crise na Argentina reduz, num primeiro momento, os investimentos para essa área do planeta. Só mais adiante os investidores diferenciam as duas situações. A segunda causa fundamental é o racionamento de energia elétrica, que aumentou muito a probabilidade de que seja eleito alguém não-alinhado com as idéias do presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso faz com que as pessoas, que não conhecem ou conhecem muito pouco essas novas políticas, se tornem mais prudentes, o que significa fazer hedge [proteção cambial" a um custo elevado.

Folha - O dólar já passou de R$ 2,50. Esses fatos explicam a alta?
Werlang -
A análise do Copom é que havia uma bolha especulativa. A notícia da intervenção de US$ 6 bilhões ao longo do ano com um câmbio tão desvalorizado deixa a impressão de que, a médio prazo, o câmbio deveria convergir para o que o BC acha correto, entre R$ 2,20 e R$ 2,30.

Folha - Mas o senhor acha que US$ 6 bilhões é suficiente? O mercado, a princípio, fez as contas e achou o volume diário pequeno.
Werlang -
Essa conta não tem muito sentido. O que importa é que esse nível do câmbio vai nos garantir um superávit comercial de US$ 10 bilhões ao longo de 12 meses. Fácil. Voltamos a níveis pré-real. Não tenho dúvida de que o balanço de transações correntes [balança comercial, balança de serviços e transferências unilaterais, como recursos enviados do exterior" vai ter um déficit menor. Colocando mais US$ 6 bilhões, temos um bocado de dólares disponíveis para o país. Se for mesmo uma bolha, ao longo do tempo o dólar vai convergir para o nível que o BC considera bom. Se não for bolha, mas um novo nível do câmbio, o dólar vai ficar em torno de R$ 2,50 e não vai se mexer muito com intervenções. Os US$ 6 bilhões são um volume grande se a análise do BC estiver correta. As pessoas têm na cabeça aquele volume de intervenção dos tempos de câmbio fixo. Naquela época, a taxa de câmbio era menos da metade do que é hoje. O câmbio está muito mais desvalorizado. Minha sensação é que está um pouco desvalorizado, além do que deveria, mas é o mercado que vai dizer isso. Eu, particularmente, acho que está mais para R$ 2,40 do que para R$ 2,15, que seria a faixa inferior possível, segundo o BC.

Folha - A elevação dos juros para 18,25% não surtiu efeito no dólar. O BC errou na dose?
Werlang -
Para mim, errou porque mexeu demais. Deveria ter deixado o dólar subir sem mexer nos juros. A economia poderia ter ficado um pouco mais aquecida, a inflação ficaria em torno de 6,5% ou 7%. O sistema de metas de inflação, como o BC descreveu no relatório de março, tem por objetivo evitar o repasse dos choques de oferta, ou seja, a propagação. É muito ruim fazer política monetária para evitar choque de oferta. E a subida do dólar é um choque de oferta nos preços administrados, nas tarifas. Evitar o choque em si mesmo, fazendo com que outros preços da economia caiam ou tenham uma inflação tão pequena a ponto de manter a média dentro da banda de tolerância, é submeter a economia a um choque e a uma recessão desnecessários.

Folha - O senhor acha que a meta de 6% já está comprometida?
Werlang -
Talvez com a última alta do dólar. Não tenho certeza ainda. Estamos entre 5,8% e 6,3%. Certamente, a R$ 2,50, a probabilidade de a meta ser excedida é bem maior do que a R$ 2,30.

O senhor acha então que não vale a pena mexer nos juros?
Werlang -
Acho que não. O BC tem é que evitar a propagação do choque de oferta.

E como ele vai fazer isso sem mexer na Selic [taxa de juros básica"?
Werlang -
Pode ser pelos juros, mas não com uma taxa elevada. Para combater os efeitos secundários do dólar não precisa voltar às taxas de abril ou março de 2000.

Folha - A solução mais apontada por analistas é justamente a de uma elevação mais drástica nos juros. Estão errando em conjunto?
Werlang -
Eles estão levando o sistema de metas de inflação ao pé da letra demais. O sistema foi feito para funcionar com alguma regularidade, mas tivemos duas grandes excepcionalidades neste ano. Se já não fosse um caso excepcional o primeiro racionamento desde a década de 60, junte-se a isso a Argentina, que talvez tenha de abandonar um sistema cambial em vigor desde 1991. São fatos excepcionais acontecendo juntos. O sistema de metas não tem que ser à prova de excepcionalidades. As pessoas também só vêm o instrumento de política monetária. Ela tem que ser mais frouxa. Precisa apertar é a política fiscal. E o Brasil tem condições de gerar um superávit primário maior que 3% do PIB (Produto Interno Bruto).

Folha - Mas como melhorar o superávit fiscal num momento em que se fala da necessidade de aumentar os investimentos públicos por conta da crise de energia?
Werlang -
Basta parar de gastar. O aumento de arrecadação bate recorde atrás de recorde. Houve um aumento brutal da arrecadação, de 30% para 32% do PIB, mas os gastos do governo subiram 2% do PIB, mantendo o superávit primário. É só cortar onde aumentou. Estão gastando demais. Tem espaço para cortar gastos e fazer investimento estatal. Dá para cortar uns 2% do PIB, 1,5%, por aí.

Folha - O senhor se debruçou em cima dos números para ver onde é que estão gastando demais?
Werlang -
Eu tinha uma noção melhor no governo, mas, se naquela época eu já achava que tinha espaço para cortar, agora também acho. Não estou convencido de que não tenha.



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