São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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"Cavallo precisa de mais poderes"

ROGERIO WASSERMANN
DE BUENOS AIRES

A concessão de mais poderes ao ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, dará ao governo "uma velocidade maior", afirma o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Ignacio de Mendiguren. "Apoiamos o governo, mas queremos mais capacidade de execução."
A Argentina viveu forte turbulência na semana passada. Boatos que circulavam no mercado criaram a expectativa de que anúncios importantes poderiam ser feitos neste fim de semana.
A hipótese mais provável é que o ministro da Economia assuma o controle dos órgãos de seguridade social. Assim, teria condições de apresentar um programa de corte de gastos públicos mais factível aos olhos do mercado.
Para o industrial Mendiguren, momentos de crise como o que a Argentina vive permitem a obtenção de consensos políticos. "Sem isso, será difícil conseguir encontrar tranquilidade nos mercados, que estão tão nervosos." Ele concedeu entrevista à Folha na tarde de sexta-feira, em Buenos Aires.

Folha - O sr. vê uma solução para a crise econômica da Argentina?
Ignacio de Mendiguren -
A saída é implementar uma série de medidas que ainda não se concretizaram, como os acordos de competitividade, medidas que visam a reativação, a geração de demanda, por meio da redução de impostos. Hoje a economia necessita imperiosamente gerar demanda.

Folha - Essas questões não ficam em segundo plano neste momento de crise mais aguda, com um índice de risco-país (sobretaxa paga na obtenção de empréstimos em relação ao que pagam os EUA) acima dos 1.100 pontos, que impede investimentos e a obtenção de créditos pelas empresas?
Mendiguren -
Sem dúvida, mas o risco-país às vezes segue caminhos diferentes da economia real. É sobretudo um índice financeiro, que castiga muito o país, mas consideramos que a Argentina baixará o risco-país quando conseguir reativar a economia.

Folha - Há tempo para isso?
Mendiguren -
Claro. Situações de crise permitem consensos que em outros momentos seria mais difícil obter, entre setores políticos, sociais, produtores, banqueiros, para apoiar as medidas que propõe o ministro Cavallo.

Folha - A proximidade das eleições legislativas não torna um acordo político mais difícil?
Mendiguren -
Primeiro temos de pensar em como chegar a outubro. Para permitir o sucesso das medidas econômicas, o setor político deve pensar a longo prazo.

Folha - O sr. crê na viabilidade política do atual governo?
Mendiguren -
Acho que este governo está passando por problemas, mas todos os setores econômicos já manifestaram seu apoio. Queremos é maior velocidade na execução de medidas.

Folha - A concessão de poderes maiores a Cavallo dará mais velocidade ao governo?
Mendiguren -
Acho que sim. Até aqui ele dedicou muito tempo à megatroca de títulos para refinanciamento da dívida, e não pôde dedicar toda sua energia à reativação econômica. Acreditamos que agora possa se dedicar a isso.

Folha - A presença de Cavallo no governo é essencial?
Mendiguren -
Preferimos trabalhar com Cavallo, porque é uma pessoa com uma grande experiência internacional e muito eficiente na tomada de decisões.

Folha - No Brasil, consideram que a crise cambial é consequência da crise argentina, e os argentinos culpam a desvalorização do real pelo aprofundamento de sua crise. Quem está com a razão?
Mendiguren -
É fundamental que a Argentina e o Brasil consigam consensos políticos. Hoje a situação técnica no Mercosul é muito difícil. Já está claramente demonstrado que as duas políticas econômicas são divergentes, não convergentes. O que se deve fazer, até que se possa falar outra vez em harmonizar políticas macroeconômicas, é conseguir acordos transitórios para evitar que as assimetrias entre os dois países destruam empregos e sigam produzindo quebras de empresas. Se isso acontecer, o risco é que as pessoas, na Argentina, relacionem o Mercosul à quebra de empresas e ao desemprego.

Folha - A resolução 258, que oferece desconto à importação de bens de capital de fora do bloco, não dificulta esse entendimento?
Mendiguren -
Esse é um tema menor, que pode ser resolvido dentro de um marco político global. Se para o Brasil isso é importante, muito mais preocupante para a Argentina é a desvalorização diária da moeda brasileira.

Folha - O sr. acha que o ministro Cavallo deveria revogar ou alterar a resolução?
Mendiguren -
Não a conheço em profundidade. Mas o que me preocupa é que Brasil e Argentina não consigam encontrar soluções pontuais para os problemas que temos, porque está em jogo algo muito mais importante, a viabilidade de um bloco comercial.



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