São Paulo, terça-feira, 08 de julho de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Uma grande dama


Dona Ruth será sempre lembrada como figura engajada na luta pela dignidade da mulher

A MORTE de dona Ruth Cardoso, aos 77 anos, além de chocar e entristecer a todos que tiveram o privilégio de conhecê-la, suscita uma reflexão sobre as grandes damas brasileiras. Não me refiro às primeiras-damas, mulheres de presidentes da República, nem a personalidades femininas importantes da literatura ou do teatro, mas às mulheres guerreiras que temos aos milhões por todo o país.
Dona Ruth teve educação extraordinária e brilhante carreira acadêmica. Mas o que a fez uma das grandes damas do país, as guerreiras do dia-a-dia, foi, de um lado, sua dignidade e naturalidade, e de outro, sua firmeza e determinação. Enfrentou a ditadura, sofreu as dificuldades do exílio com a família e, quando seu marido, Fernando Henrique Cardoso, chegou à Presidência da República, jamais se agarrou ao poder e manteve-se igual no seu jeito de ser.
Distantes do poder, as grandes damas brasileiras constroem carreiras semelhantes na forma de encarar a vida. Quem já teve a oportunidade de percorrer o Brasil certamente presenciou a obstinação e a coragem com que mães, algumas com 10, 11 filhos, lutam para colocar pelo menos um deles em posição de destaque na sociedade, como um professor, talvez. Com ou sem marido, elas agüentam tudo, da estafante atividade doméstica até o duro trabalho fora de casa, passando pela tarefa de alimentar e educar os filhos, encaminhá-los à escola e afagar-lhes carinhosamente a cabeça nos freqüentes momentos difíceis.
Isso não é poesia. É a realidade do país. À mulher brasileira nada tem sido delegado. Tudo, conquistado.
Até 1932, ela nem tinha direito ao voto. A zoóloga Berta Maria Júlia Lutz, filha do célebre cientista Adolfo Lutz, liderou a luta pelo direito feminino de escolher seus representantes. O voto da mulher só foi legalizado com o código eleitoral de 1932, no governo de Getúlio Vargas.
Na Assembléia Nacional Constituinte de 1934 havia apenas uma mulher, a médica Carlota Pereira de Queirós, eleita por São Paulo.
A inserção da mulher na força de trabalho ainda não é completa, mas já representa uma grande conquista da sociedade brasileira. Alguns setores industriais, como o têxtil, certamente não sobreviveriam sem o trabalho feminino, muito mais qualificado que o masculino. O setor do ensino, igualmente, entraria em colapso sem a participação da mulher, dada a importância da figura da professora na educação em todos os níveis.
Mais de 90% dos universitários que se matriculam em cursos de pedagogia são do sexo feminino.
Falta ainda uma inserção maior da mulher em atividades mais técnicas. A superioridade do preparo das mulheres não é uma simples suposição. Está evidenciada nas estatísticas do IBGE que mostram taxa de escolaridade média feminina de um ano a mais em relação aos homens.
Nas últimas décadas, aumentou muito, por exemplo, o número de engenheiras no país, mas elas ainda representam apenas pouco mais de 20% das matrículas universitárias nessa área. Em cursos como direito e administração, elas já dividem o número de vagas com os homens.
Dona Ruth será sempre lembrada como figura contemporânea engajada nessa luta pela dignidade da mulher. Esbanjava uma soma imensa de qualidades -dignidade, lealdade, discrição, equilíbrio, patriotismo, inteligência, sensibilidade social e muito família-, todas justamente atribuídas a ela por aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la. Ela nunca quis ser chamada de primeira-dama. Na verdade, foi muito mais do que isso. Foi uma grande mulher brasileira, uma grande dama.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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