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BENJAMIN STEINBRUCH
Uma grande dama
Dona Ruth será sempre lembrada como figura engajada na luta pela dignidade da mulher
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A MORTE de dona Ruth Cardoso, aos 77 anos, além de chocar e entristecer a todos que
tiveram o privilégio de conhecê-la,
suscita uma reflexão sobre as grandes damas brasileiras. Não me refiro
às primeiras-damas, mulheres de
presidentes da República, nem a
personalidades femininas importantes da literatura ou do teatro,
mas às mulheres guerreiras que temos aos milhões por todo o país.
Dona Ruth teve educação extraordinária e brilhante carreira acadêmica. Mas o que a fez uma das grandes damas do país, as guerreiras do
dia-a-dia, foi, de um lado, sua dignidade e naturalidade, e de outro, sua
firmeza e determinação. Enfrentou
a ditadura, sofreu as dificuldades do
exílio com a família e, quando seu
marido, Fernando Henrique Cardoso, chegou à Presidência da República, jamais se agarrou ao poder e
manteve-se igual no seu jeito de ser.
Distantes do poder, as grandes damas brasileiras constroem carreiras
semelhantes na forma de encarar a
vida. Quem já teve a oportunidade
de percorrer o Brasil certamente
presenciou a obstinação e a coragem
com que mães, algumas com 10, 11 filhos, lutam para colocar pelo menos
um deles em posição de destaque na
sociedade, como um professor, talvez. Com ou sem marido, elas
agüentam tudo, da estafante atividade doméstica até o duro trabalho fora de casa, passando pela tarefa de
alimentar e educar os filhos, encaminhá-los à escola e afagar-lhes carinhosamente a cabeça nos freqüentes momentos difíceis.
Isso não é poesia. É a realidade do
país. À mulher brasileira nada tem
sido delegado. Tudo, conquistado.
Até 1932, ela nem tinha direito ao
voto. A zoóloga Berta Maria Júlia
Lutz, filha do célebre cientista Adolfo Lutz, liderou a luta pelo direito feminino de escolher seus representantes. O voto da mulher só foi legalizado com o código eleitoral de
1932, no governo de Getúlio Vargas.
Na Assembléia Nacional Constituinte de 1934 havia apenas uma
mulher, a médica Carlota Pereira de
Queirós, eleita por São Paulo.
A inserção da mulher na força de
trabalho ainda não é completa, mas
já representa uma grande conquista
da sociedade brasileira. Alguns setores industriais, como o têxtil, certamente não sobreviveriam sem o trabalho feminino, muito mais qualificado que o masculino. O setor do ensino, igualmente, entraria em colapso sem a participação da mulher, dada a importância da figura da professora na educação em todos os níveis.
Mais de 90% dos universitários que
se matriculam em cursos de pedagogia são do sexo feminino.
Falta ainda uma inserção maior
da mulher em atividades mais técnicas. A superioridade do preparo das
mulheres não é uma simples suposição. Está evidenciada nas estatísticas do IBGE que mostram taxa de
escolaridade média feminina de um
ano a mais em relação aos homens.
Nas últimas décadas, aumentou
muito, por exemplo, o número de
engenheiras no país, mas elas ainda
representam apenas pouco mais de
20% das matrículas universitárias
nessa área. Em cursos como direito
e administração, elas já dividem o
número de vagas com os homens.
Dona Ruth será sempre lembrada
como figura contemporânea engajada nessa luta pela dignidade da mulher. Esbanjava uma soma imensa
de qualidades -dignidade, lealdade,
discrição, equilíbrio, patriotismo,
inteligência, sensibilidade social e
muito família-, todas justamente
atribuídas a ela por aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la. Ela
nunca quis ser chamada de primeira-dama. Na verdade, foi muito mais
do que isso. Foi uma grande mulher
brasileira, uma grande dama.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.
bvictoria@psi.com.br
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