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ARTIGO
A China não é culpada pela crise mundial
STEPHEN ROACH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A China está rapidamente se
transformando no bode expiatório para a fraqueza da economia mundial. A opinião de todo o planeta cada vez mais se une
na insistência de que os chineses
alterem sua atual política, a fim de
aliviar as tensões globais crescentes. John Snow, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, e Alan
Greenspan, presidente do Federal
Reserve (Fed, o banco central dos
Estados Unidos), sugeriram que a
China precisa elevar o valor do
yuan. As autoridades japonesas
vêm há muito culpando a China
por grande parte de seus problemas, e os europeus acreditam que
a chamada âncora cambial chinesa -uma taxa fixa de 8,3 yuans
por dólar- significa que caiba ao
euro assumir parcela desproporcional do ajuste mundial ao dólar
em queda.
Cresce a pressão sobre Pequim
por uma mudança de seu atual regime econômico. Mas isso seria
um erro imenso para a China, a
Ásia e o restante da economia
mundial.
Embora o crescimento das exportações chinesas seja verdadeiramente extraordinário -até
33% nos 12 meses encerrados em
junho de 2003-, não se deveria
interpretá-lo como uma ameaça a
uma economia mundial fraca por
outros motivos. Por mais de uma
década, o vigoroso crescimento
das exportações chinesas se originou muito mais das estratégias de
terceirização das multinacionais
ocidentais do que de um crescimento rápido de companhias chinesas nativas.
De 1994 à metade de 2003, as exportações chinesas triplicaram,
passando de US$ 121 bilhões para
US$ 365 bilhões. Mas na prática as
"empresas de investimento estrangeiro" -subsidiárias chinesas de multinacionais de alcance
mundial e joint ventures com empresas de países industrializados- respondem por 65% do ganho nas exportações chinesas ao
longo do período em questão. O
poder da máquina chinesa de exportação, portanto, deveria ser
atribuído mais a "nós" do que a
"eles".
O fenômeno chinês não representa, de maneira nenhuma, a
conquista de mercado antes detido por empresas dos demais países. Na prática, ele surgiu como
efeito colateral da disputa pela sobrevivência competitiva entre os
produtores de alto custo nos países industrializados. No ano passado, US$ 53 bilhões em investimentos estrangeiros diretos foram registrados na China, um recorde que torna o país o maior recipiente desse tipo de capital em
todo o mundo.
Esses investimentos não foram
realizados sob coerção. Os empresários dos países industrializados de alto custo decidiram que
terceirizar a produção para a China poderia servir para lhes garantir a sobrevivência. Desmantelar a
âncora cambial chinesa desestabilizaria a cadeia de suprimento que
se tornou parte tão essencial dos
novos modelos globalizados de
produção adotados no Japão, nos
Estados Unidos e na Europa.
Além disso, se a China elevar o
valor de sua moeda, como o mundo deseja, isso poderia gerar bolhas em outros mercados de ativos, especialmente o imobiliário.
Também poderia sinalizar aos especuladores de mercado que o
yuan se tornou um "alvo lícito".
O governo chinês vem reiterando consistentemente seu compromisso de longo prazo para
com um regime cambial flexível e
uma conta de capital aberta. Mas
sabe muito bem que diversas reformas são necessárias antes que
esses objetivos possam ser atingidos, especialmente reformas nos
mercados de capital e uma limpeza nos problemas bancários do
país. Trata-se de uma lição essencial da crise financeira asiática de
1997/98 e o mundo impaciente
não deveria ignorá-la.
Ironicamente, foi o Japão que
abriu caminho para a recente onda de ataques à China. Importantes funcionários do governo japonês culparam a China por exportar sua deflação e "esvaziar" o
mercado de trabalho japonês.
Mas isso está muito longe da verdade. Produtos importados chineses de alta qualidade e baixo
custo beneficiam o poder aquisitivo dos assediados consumidores
japoneses -exatamente os benefícios que a máquina exportadora
japonesa estendeu ao restante do
mundo nos anos 70 e 80.
Se você deseja, num exemplo de
moeda desvalorizada, basta lembrar de que o dólar esteve cotado,
em média, a 300 ienes nos anos 70
e a 220 ienes na década seguinte,
dramaticamente mais fraco que
sua atual cotação de 115 a 120 ienes por dólar. É hipocrisia que o
Japão critique a China pela imitação de uma estratégia crucial para
o seu modelo de desenvolvimento. Forçar a China a alterar a cotação de sua moeda é uma desculpa
medíocre para a falta de vontade
ou capacidade dos japoneses de
empreender as reformas necessárias em seu país.
Políticos, funcionários do governo e empresários dos Estados
Unidos também estão ocupados
com críticas à China. Muitos deles
apontaram que o maior déficit comercial norte-americano no momento é com a China -uma diferença de US$ 103 bilhões em 2002,
que deve se ampliar ainda mais
neste ano. Mas os déficits comerciais não deveriam ser surpresa
para uma economia norte-americana na qual a poupança é escassa.
Eles são parte indissociável da
crescente necessidade norte-americana de importar poupança externa a fim de financiar o crescimento do país. A única maneira
de obter esse capital é manter déficits comerciais imensos. Se os
Estados Unidos não estivessem
comerciando com a China, esses
déficits teriam de acontecer com
outros países: Canadá, México,
Japão ou até, possivelmente, a Europa.
Como aconteceu no caso do Japão, a China está hoje fornecendo
aos consumidores norte-americanos os produtos de alta qualidade
mais baratos que os fabricantes
mundiais levam ao mercado. Se
os Estados Unidos desejam reduzir seu déficit comercial, precisam
enfrentar problemas internos
fundamentais, a saber, um nível
de poupança nacional cada vez
mais baixo. Até que o façam, o déficit comercial deve ser a regra nos
Estados Unidos, e a opção de alta
qualidade e baixo custo oferecida
pelo comércio com a China representa o melhor interesse norte-americano.
Períodos de perturbação na
economia muitas vezes produzem bodes expiatórios. A China é
o alvo errado na fraca economia
mundial atual. Está mais do que
na hora de o mundo parar de contemplar o próprio umbigo e pôr
fim a esse perigoso jogo de acusações.
Stephen Roach é economista-chefe do
banco de investimentos Morgan Stanley.
Tradução de Paulo Migliacci
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