São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O BCE atrás do prejuízo


Herdeiro do Bundesbank, o BCE é dominado totalmente pelo pensamento ultraconservador em relação à política monetária

UMA DAS minhas brigas favoritas como economista tem sido a que travo com os economistas radicais e dogmáticos. Eles não conseguem aceitar a evolução sistemática das economias de mercado e se agarram, de forma irracional, a conceitos do passado. De um lado, há os que eu chamo de calvinistas, sempre prontos a sacrificar o crescimento econômico no altar dos juros altos ao menor sinal de inflação, como se fosse um pecado humano a ser evitado a qualquer custo. Há ainda o segundo grupo, chamado de TESTEMUNHAS DE JEOVÁ da economia em um dos relatórios econômicos internacionais que leio diariamente. O paralelo vem da constante ameaça do fim do mundo que faz parte da pregação desse grupo religioso. Esse grupo está sempre a anunciar a recessão terminal da economia americana, após o longo período de expansão pecaminosa do crédito. Hoje vou falar dos calvinistas, que vêem a inflação como uma ameaça sempre iminente e, portanto, defendem a obrigação dos bancos centrais de combatê-la mesmo que com elevadíssimo sacrifício em termos de crescimento. Uma das instituições que mais representam esse calvinismo revisitado é o Banco Central Europeu. Herdeiro do Bundesbank, o banco central alemão, ele é dominado totalmente pelo pensamento ultraconservador em relação à política monetária. Podemos entender essa cultura como resultante da devastação criada pela hiperinflação na Alemanha durante a década de 20 do século passado. Mas vivemos agora um desses momentos em que o radicalismo do BCE levou a instituição a um comportamento inaceitável ao longo do ano, que só agora começa a ser revertido. Para os monetaristas alemães e seus seguidores de outros países europeus -o mais radical parece ser um grego-, a Europa corre o risco de entrar em um processo de inflação destruidor. Por isso, na reunião do BCE em 3 de julho passado, apesar de o enfraquecimento da atividade econômica já estar evidente, seus diretores decidiram por mais um aumento dos juros, para 4,25% ao ano. Pior ainda, deixaram um recado claro para o mercado de que os juros ainda poderiam subir mais no futuro. Para justificar essa decisão, apresentavam um quadro otimista de crescimento econômico para a segunda metade deste ano, que a maioria dos analistas não conseguia prever. Ontem, em nova reunião, o BCE decidiu manter a taxa de juros. Mas, na coletiva à imprensa, o presidente Trichet fez a observação envergonhada de que "os riscos negativos para o crescimento PODEM SE MATERIALIZAR". Para bom entendedor, meia palavra basta, diz o ditado popular. O mercado, que precisa menos do que isso para ler uma mensagem da autoridade monetária, derrubou significativamente as taxas de juros de mercado. Claramente o BCE aceitou o cenário de recessão, embora vá levar algum tempo ainda para reconhecer esse fato de forma clara. Mas isso não interessa para um mercado que vive de antecipar as ações dos bancos centrais. Desde o aumento dos juros do BCE em julho, as taxas dos títulos do governo alemão já se reduziram em 0,6 ponto percentual e o BCE vai ter que correr atrás do prejuízo. Está dado que houve contração da economia européia no segundo trimestre e já se prevê crescimento zero para o restante do ano, o que é um resultado bem pior que o dos EUA. A única salvação do BCE para a vergonha que está passando é o petróleo voltar à corrida maluca de algumas semanas atrás.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br



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