São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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PROJEÇÃO

Estudo de 1999 previa que, com economia de apenas 0,03%, seria possível manter relação dívida/PIB de 46,5%

BC errou superávit deste ano em 9.970%

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é sustentável?", pergunta, em seu título, um recente estudo do Banco Central que serviu de base para as metas acertadas com o FMI (Fundo Monetário Internacional) destinadas a conter a escalada do endividamento brasileiro.
Para sua sorte, o governo não deu um título tão desafiador nem dedicou tanto alarde a um estudo semelhante do BC produzido há menos de três anos, em dezembro de 99: ali se estimava que, no ano de 2002, um superávit primário de R$ 500 milhões -ou 0,03% do PIB (Produto Interno Bruto)- bastaria para manter a dívida estável em 46,5% do PIB.
Como foi divulgado nesta semana, 2002 terminará com um superávit primário -a parcela das receitas do governo destinada ao pagamento de juros- de R$ 50,35 bilhões, valor que a equipe econômica descobriu ser necessário para segurar a dívida em desejados 59% do Produto Interno Bruto.
Olhando apenas para o valor do superávit imaginado, trata-se de um erro de 9.970%.
Na comparação entre a dívida estimada em 99 -coerente com as metas do acordo da época com o FMI- e o valor esperado para este ano, a diferença é de R$ 140 bilhões.
O trabalho de 99, elaborado por um grupo de técnicos do BC, se amparava no que os especialistas chamam de modelo econométrico: a partir de hipóteses para o comportamento futuro de fatores que influenciam a dívida pública, como os juros, o câmbio e o crescimento do PIB, foram calculados os superávits necessários para manter a dívida no patamar desejável.
O trabalho mais recente, do diretor de Política Econômica, Ilan Goldfajn, segue a mesma lógica, embora com hipóteses diferentes (leia quadro nesta página).
No modelo de Goldfajn, exibido nos sites do Ministério da Fazenda e do BC, estima-se o comportamento da dívida pública se mantido, por vários anos, um superávit de 3,75% do PIB. A conclusão é que não há razões para temer a insolvência do Estado brasileiro.

Desvios na origem
O sucesso de modelos como esses depende, obviamente, das hipóteses utilizadas no cálculo.
Escolhas infelizes são responsáveis pela grande maioria dos já folclóricos casos de previsões erradas de economistas.
No estudo de 99, por exemplo, imaginou-se que, em 2001, o dólar ficaria em R$ 2,03, os juros do BC seriam de 11,92% ao ano e o PIB cresceria 4,5%.
Como nada disso se confirmou, esfarelaram-se não só as estimativas para aquele ano, mas também todos os resultados calculados para o período 2002-2010.
Na época, o acordo entre o Brasil e o FMI estipulava metas rígidas de superávit primário para os anos de 99, 2000 e 2001. Pelo discurso oficial, em 2002 o acordo não seria renovado e não haveria mais a necessidade de sacrifícios tão grandes.
Os cálculos de Goldfajn partem de uma situação catastrófica se comparada às previsões de 99. A dívida pública estimada para este ano é de R$ 765 bilhões, contra R$ 625 bilhões calculados pelo modelo anterior.
Em defesa da solidez dos novos números, o estudo diz ter usado hipóteses "conservadoras": dólar nos níveis atuais, juros reais de 9% ao ano e crescimento econômico de 3,5% ao ano. Sob essas condições, a dívida cairia a 49,86% do PIB em 2010.

Riscos em 2003
A longo prazo, de fato, não são hipóteses otimistas, uma vez que o dólar hoje bate recordes, juros reais de 9% continuariam entre os mais altos do mundo e o crescimento imaginado seria medíocre para um país como o Brasil.
O estudo ainda se preocupou em testar hipóteses ainda piores, consideradas improváveis, e ainda assim a dívida se manteve em trajetória razoável na maior parte dos cenários.
Há, porém, um problema: se são "conservadoras" para uma década, as hipóteses soam como feitos espetaculares para o ano de 2003, na comparação com o desempenho recente da economia brasileira e diante da perspectiva de permanência da crise financeira internacional.
Se o sucessor do presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro ano de mandato, não conseguir deter a alta do dólar, reduzir os juros para o menor nível desde o Plano Real e obter a melhor taxa de crescimento desde 2000, todo o cenário básico do estudo estará inviabilizado.
Não por acaso, o acordo com o FMI já exigiu a elevação do superávit para 3,88% do PIB neste ano e estabeleceu quatro reuniões para reavaliar as metas fixadas para o próximo.



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