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Especialista vê EUA à beira da recessão
Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York e ex-consultor do Tesouro dos EUA, critica ação do Fed e o Brasil
Queda do mercado
imobiliário aliada ao preço
do petróleo nos US$ 80 e a
sinais de inflação em alta
levariam os EUA à freada
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
Nouriel Roubini, um dos
maiores opositores à política
monetária de Alan Greenspan e
Ben Bernanke à frente do Fed,
o banco central americano, defende que os Estados Unidos
estão à beira de uma recessão.
Para Roubini, as chances de
uma recessão grave já no fim
deste ano chegam a 70%.
Roubini se preocupa com o
efeito da recessão americana
em países emergentes. "O Brasil cresceu 2,3% no ano passado
e a previsão para este ano é de
3,5%. Neste cenário, é um crescimento medíocre. Se isso é o
melhor que vocês conseguem
fazer no melhor dos cenários
globais, o que vai acontecer
quando esse cenário piorar?"
O professor da New York
University esteve no Brasil recentemente e participou de
uma reunião na Casa das Garças, onde alertou para a receita
de uma "recessão anunciada":
queda do mercado imobiliário
aliada aos preços do petróleo
na faixa dos US$ 80 e aos sinais
moderados de inflação em alta.
Roubini foi consultor do Tesouro americano e membro do
Conselho de Economistas da
Casa Branca de 1998 a 1999.
Trabalhou também no FMI
(Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial.
Leia os principais trechos da
entrevista concedida à Folha.
FOLHA - A expansão da economia
dos EUA no segundo trimestre foi revista de 2,5% para 2,9%. Quais os sinais de que o desempenho dos próximos trimestres será pior?
NOURIEL ROUBINI - As manchetes
parecem melhores, mas, quando se observa os detalhes, é
possível verificar que muita
coisa piorou. Em primeiro lugar, grande parte do crescimento pode ser atribuída à revisão
nos números de estoques, que
representam bens não vendidos. O PIB pode parecer mais
alto porque você produz muito,
mas, se observar as vendas, a
demanda está baixa. As vendas
finais cresceram apenas 2,3%
exatamente porque há um acúmulo de estoques e um ajuste
deve ocorrer nesse trimestre
ou no próximo.
Os números de investimento
real residencial foram revisados de uma queda de 6,3% para
um recuo de 9,8%.
FOLHA - E quanto ao consumo?
ROUBINI - O consumo está se
arrastando lentamente. O consumo de duráveis praticamente
não está mudando. Essas pessoas não estão comprando mais
tantas casas, carros ou mobília
quanto antes.
FOLHA - O sr. estima as chances de
uma recessão no fim deste ano em
70%. De onde vem esta previsão?
ROUBINI - Ela não é baseada em
modelos mecânicos. Estou
olhando modelos formais como o do Federal Reserve, que já
aponta uma probabilidade de
44%. Quando adiciono a isso a
queda no mercado imobiliário,
o fato de os preços do petróleo
estarem a US$ 70 e o efeito tardio da alta dos juros chego aos
70%. Os consumidores estão
em ritmo lento por conta de
três grandes choques: petróleo,
moradia e juros, num momento em que os salários reais estão
em queda, os níveis de poupança estão negativos e os níveis de
dívida, elevados. Não houve
muita geração de emprego nos
últimos meses, o desemprego
está subindo e a confiança do
consumidor está em queda.
FOLHA - Qual será o impacto da
queda do mercado imobiliário?
ROUBINI - O choque do mercado imobiliário vai ter um efeito
muito mais forte sobre a economia do que o estouro da bolha
tecnológica em 2000. São todos
dados negativos e quando os
coloco juntos e comparo com o
que ocorreu em 2000 e 2001
concluo que há uma grande
probabilidade de recessão.
FOLHA - Por que o impacto será
maior?
ROUBINI - A habitação tem um
peso grande no PIB. O efeito
cumulativo da queda na habitação será mais amplo na demanda agregada do que a queda do
investimento real no setor de
tecnologia. O alcance do efeito
do estouro da bolha tecnológica
afetou pouca gente, uma série
de empreendedores do vale do
Silício, operadores do mercado
e algumas pessoas com ações
do setor. O alcance do setor
imobiliário é muito maior. O
efeito da queda nos preços será
muito severo porque as pessoas
estão financiando o excesso de
consumo com receitas de refinanciamento de suas residências porque suas poupanças estão negativas. Quando houver
um retrocesso, vão ficar loucos.
Além disso, o efeito da habitação sobre o emprego é mais importante. O setor de tecnologia
tem trabalhadores especializados e emprega pouca mão-de-obra. Já a habitação contribui
diretamente com 30% dos empregos desde 2001. Se incluirmos atividades relacionadas,
como mobília e ferramentas
domésticas o percentual chega
a 40%. Haverá um efeito mais
sério em receitas e salários. A
recessão será mais feia, longa e
profunda do que a de 2001.
FOLHA - O início de um processo de
corte dos juros não poderia aquecer
a economia?
ROUBINI - Mesmo que o Fed resolva reduzir a taxa isso não será capaz de evitar a recessão.
Quando há uma situação dessa
ordem no mercado imobiliário
e no consumo de duráveis, a demanda por estas coisas se torna
insensível a taxas de juros. Chegamos a esse ponto porque tivemos uma bolha de tecnologia
que o Fed resolveu não controlar nos anos 90. Ela estourou e
teve início uma recessão. Em
parte por causa da recuperação
posterior, teve início a bolha
imobiliária que agora está prestes a estourar.
FOLHA - Há alguma forma de evitar essa recessão?
ROUBINI - Não. O consumo está
no limite. Não acredito que a
política monetária vá fazer alguma diferença, da mesma forma que cortar os juros em 2001
não foi capaz de evitar a recessão. Pode ter feito com que ela
fosse mais superficial, mas não
conseguiu evitá-la.
FOLHA - Caso essa recessão se confirme, a performance de China, Índia, Europa não poderia evitar redução no nível de atividade mundial?
ROUBINI - A idéia de que o mundo vai continuar crescendo alegremente enquanto os EUA
mergulham numa recessão está errada. Países que exportam
muito para os EUA vão ser afetados diretamente, como México, Canadá, parte da Europa e
da Ásia. Mesmo países que não
exportam tanto para os EUA,
como o Brasil, serão afetados
indiretamente. Se os EUA reduzirem o ritmo, vão importar
menos da China e ela também
vai desacelerar. A China é responsável pela compra de grande parte das commodities de
Brasil, Chile, Argentina. A recessão afetará todos os exportadores de commodities porque os preços destes produtos
vão cair. Mesmo nas últimas semanas os preços de algumas
commodities já começaram a
desacelerar.
FOLHA - Qual será o impacto sobre
os emergentes?
ROUBINI - Mercados emergentes, em particular, serão afetados porque nos últimos anos
têm crescido muito rapidamente, em parte por políticas
melhores, reforma, macroestabilidade, menor inflação, mas
em parte também por causa da
sorte. Em um cenário de crescimento mundial elevado, altos
preços de commodities e juros
baixos é claro que os emergentes terão uma performance melhor. Em um mundo de recessão americana, crescimento
mundial menor e commodities
em queda será mais difícil. Não
espero crises na maioria desses
países, mas redução significativa no ritmo de crescimento.
FOLHA - Mesmo com esse cenário,
o Brasil cresceu 0,5% no segundo trimestre...
ROUBINI - O Brasil cresceu 2,3%
no ano passado, e a previsão para este ano é de 3,5%. Neste cenário, é um crescimento medíocre. Se isso é o melhor que
vocês conseguem fazer no melhor dos cenários globais, o que
vai acontecer quando esse cenário piorar? O Brasil faz parte
dos Brics, mas Rússia, Índia e
China estão crescendo de 6% a
10%. O Brasil deve crescer de
3% a 3,5% e no melhor cenário
continua com um desempenho
econômico fraco. Vai ficar mais
difícil para o Brasil.
FOLHA - Qual é a sua principal crítica à política monetária de Greenspan e Bernanke?
ROUBINI - A visão deles é que
quando se forma uma bolha
não se deve fazer nada no caminho. A realidade é que países
como Reino Unido, Austrália e
Nova Zelândia lidaram com bolhas e tiveram um pouso suave
da economia com uma política
monetária mais apertada. Já os
EUA não fazem nada durante a
formação do problema porque
é muito arriscado e quando
vêem que vai estourar começam a tentar reduzir agressivamente o dano colateral. Minha
opinião é que se deveria apertar
a política monetária mais cedo
e mais rápido para evitar que a
situação saia de controle.
FOLHA - Qual será o efeito sobre o
mercado financeiro?
ROUBINI - Como em qualquer
recessão o mercado de ações
vai ter uma queda veloz. Em cada uma das últimas seis recessões há uma queda de 28% no
mercado de ações americano.
Em qualquer recessão o mercado de ações opera com tendência de baixa e não há por que esperar que seja diferente.
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