São Paulo, sexta-feira, 08 de setembro de 2006

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Especialista vê EUA à beira da recessão

Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York e ex-consultor do Tesouro dos EUA, critica ação do Fed e o Brasil

Queda do mercado imobiliário aliada ao preço do petróleo nos US$ 80 e a sinais de inflação em alta levariam os EUA à freada

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

Nouriel Roubini, um dos maiores opositores à política monetária de Alan Greenspan e Ben Bernanke à frente do Fed, o banco central americano, defende que os Estados Unidos estão à beira de uma recessão. Para Roubini, as chances de uma recessão grave já no fim deste ano chegam a 70%.
Roubini se preocupa com o efeito da recessão americana em países emergentes. "O Brasil cresceu 2,3% no ano passado e a previsão para este ano é de 3,5%. Neste cenário, é um crescimento medíocre. Se isso é o melhor que vocês conseguem fazer no melhor dos cenários globais, o que vai acontecer quando esse cenário piorar?"
O professor da New York University esteve no Brasil recentemente e participou de uma reunião na Casa das Garças, onde alertou para a receita de uma "recessão anunciada": queda do mercado imobiliário aliada aos preços do petróleo na faixa dos US$ 80 e aos sinais moderados de inflação em alta.
Roubini foi consultor do Tesouro americano e membro do Conselho de Economistas da Casa Branca de 1998 a 1999. Trabalhou também no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial.
Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha.  

FOLHA - A expansão da economia dos EUA no segundo trimestre foi revista de 2,5% para 2,9%. Quais os sinais de que o desempenho dos próximos trimestres será pior?
NOURIEL ROUBINI
- As manchetes parecem melhores, mas, quando se observa os detalhes, é possível verificar que muita coisa piorou. Em primeiro lugar, grande parte do crescimento pode ser atribuída à revisão nos números de estoques, que representam bens não vendidos. O PIB pode parecer mais alto porque você produz muito, mas, se observar as vendas, a demanda está baixa. As vendas finais cresceram apenas 2,3% exatamente porque há um acúmulo de estoques e um ajuste deve ocorrer nesse trimestre ou no próximo. Os números de investimento real residencial foram revisados de uma queda de 6,3% para um recuo de 9,8%.

FOLHA - E quanto ao consumo?
ROUBINI
- O consumo está se arrastando lentamente. O consumo de duráveis praticamente não está mudando. Essas pessoas não estão comprando mais tantas casas, carros ou mobília quanto antes.

FOLHA - O sr. estima as chances de uma recessão no fim deste ano em 70%. De onde vem esta previsão?
ROUBINI
- Ela não é baseada em modelos mecânicos. Estou olhando modelos formais como o do Federal Reserve, que já aponta uma probabilidade de 44%. Quando adiciono a isso a queda no mercado imobiliário, o fato de os preços do petróleo estarem a US$ 70 e o efeito tardio da alta dos juros chego aos 70%. Os consumidores estão em ritmo lento por conta de três grandes choques: petróleo, moradia e juros, num momento em que os salários reais estão em queda, os níveis de poupança estão negativos e os níveis de dívida, elevados. Não houve muita geração de emprego nos últimos meses, o desemprego está subindo e a confiança do consumidor está em queda.

FOLHA - Qual será o impacto da queda do mercado imobiliário?
ROUBINI
- O choque do mercado imobiliário vai ter um efeito muito mais forte sobre a economia do que o estouro da bolha tecnológica em 2000. São todos dados negativos e quando os coloco juntos e comparo com o que ocorreu em 2000 e 2001 concluo que há uma grande probabilidade de recessão.

FOLHA - Por que o impacto será maior?
ROUBINI
- A habitação tem um peso grande no PIB. O efeito cumulativo da queda na habitação será mais amplo na demanda agregada do que a queda do investimento real no setor de tecnologia. O alcance do efeito do estouro da bolha tecnológica afetou pouca gente, uma série de empreendedores do vale do Silício, operadores do mercado e algumas pessoas com ações do setor. O alcance do setor imobiliário é muito maior. O efeito da queda nos preços será muito severo porque as pessoas estão financiando o excesso de consumo com receitas de refinanciamento de suas residências porque suas poupanças estão negativas. Quando houver um retrocesso, vão ficar loucos. Além disso, o efeito da habitação sobre o emprego é mais importante. O setor de tecnologia tem trabalhadores especializados e emprega pouca mão-de-obra. Já a habitação contribui diretamente com 30% dos empregos desde 2001. Se incluirmos atividades relacionadas, como mobília e ferramentas domésticas o percentual chega a 40%. Haverá um efeito mais sério em receitas e salários. A recessão será mais feia, longa e profunda do que a de 2001.

FOLHA - O início de um processo de corte dos juros não poderia aquecer a economia?
ROUBINI
- Mesmo que o Fed resolva reduzir a taxa isso não será capaz de evitar a recessão. Quando há uma situação dessa ordem no mercado imobiliário e no consumo de duráveis, a demanda por estas coisas se torna insensível a taxas de juros. Chegamos a esse ponto porque tivemos uma bolha de tecnologia que o Fed resolveu não controlar nos anos 90. Ela estourou e teve início uma recessão. Em parte por causa da recuperação posterior, teve início a bolha imobiliária que agora está prestes a estourar.

FOLHA - Há alguma forma de evitar essa recessão? ROUBINI - Não. O consumo está no limite. Não acredito que a política monetária vá fazer alguma diferença, da mesma forma que cortar os juros em 2001 não foi capaz de evitar a recessão. Pode ter feito com que ela fosse mais superficial, mas não conseguiu evitá-la.

FOLHA - Caso essa recessão se confirme, a performance de China, Índia, Europa não poderia evitar redução no nível de atividade mundial?
ROUBINI
- A idéia de que o mundo vai continuar crescendo alegremente enquanto os EUA mergulham numa recessão está errada. Países que exportam muito para os EUA vão ser afetados diretamente, como México, Canadá, parte da Europa e da Ásia. Mesmo países que não exportam tanto para os EUA, como o Brasil, serão afetados indiretamente. Se os EUA reduzirem o ritmo, vão importar menos da China e ela também vai desacelerar. A China é responsável pela compra de grande parte das commodities de Brasil, Chile, Argentina. A recessão afetará todos os exportadores de commodities porque os preços destes produtos vão cair. Mesmo nas últimas semanas os preços de algumas commodities já começaram a desacelerar.

FOLHA - Qual será o impacto sobre os emergentes?
ROUBINI
- Mercados emergentes, em particular, serão afetados porque nos últimos anos têm crescido muito rapidamente, em parte por políticas melhores, reforma, macroestabilidade, menor inflação, mas em parte também por causa da sorte. Em um cenário de crescimento mundial elevado, altos preços de commodities e juros baixos é claro que os emergentes terão uma performance melhor. Em um mundo de recessão americana, crescimento mundial menor e commodities em queda será mais difícil. Não espero crises na maioria desses países, mas redução significativa no ritmo de crescimento.

FOLHA - Mesmo com esse cenário, o Brasil cresceu 0,5% no segundo trimestre...
ROUBINI
- O Brasil cresceu 2,3% no ano passado, e a previsão para este ano é de 3,5%. Neste cenário, é um crescimento medíocre. Se isso é o melhor que vocês conseguem fazer no melhor dos cenários globais, o que vai acontecer quando esse cenário piorar? O Brasil faz parte dos Brics, mas Rússia, Índia e China estão crescendo de 6% a 10%. O Brasil deve crescer de 3% a 3,5% e no melhor cenário continua com um desempenho econômico fraco. Vai ficar mais difícil para o Brasil.

FOLHA - Qual é a sua principal crítica à política monetária de Greenspan e Bernanke?
ROUBINI
- A visão deles é que quando se forma uma bolha não se deve fazer nada no caminho. A realidade é que países como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia lidaram com bolhas e tiveram um pouso suave da economia com uma política monetária mais apertada. Já os EUA não fazem nada durante a formação do problema porque é muito arriscado e quando vêem que vai estourar começam a tentar reduzir agressivamente o dano colateral. Minha opinião é que se deveria apertar a política monetária mais cedo e mais rápido para evitar que a situação saia de controle.

FOLHA - Qual será o efeito sobre o mercado financeiro?
ROUBINI
- Como em qualquer recessão o mercado de ações vai ter uma queda veloz. Em cada uma das últimas seis recessões há uma queda de 28% no mercado de ações americano. Em qualquer recessão o mercado de ações opera com tendência de baixa e não há por que esperar que seja diferente.


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