São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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LUÍS NASSIF

O Vioxx agravado

Relatório do Congresso dos Estados Unidos concluiu que Saddam Hussein não dispunha de armas de destruição em massa. O governo Bush Jr. se defendeu sustentando que poderia vir a ter. Quem é que pode saber?
A ata do Copom (Comitê de Política Monetária) prenuncia chuvas, trovoadas e inflação em revoada. A inflação cai. Mas poderá voltar ao futuro, sustenta o Banco Central. E, se não voltar, é porque a taxa de juros funcionou. E quem vai saber?
A política cambial adotada de 1994 a 1998 quebrou o país, emperrou o crescimento, inviabilizou a produção interna. Mas, se não fosse ela, a inflação teria destruído o país. Não é o que dizem? E quem vai saber, se a hipótese não foi testada?
O grande problema da economia é o chamado efeito Vioxx agravado. Quando foram feitas as primeiras avaliações do remédio, constatou-se que pacientes tratados com Vioxx apresentavam maior irritação estomacal. Atribuiu-se a diferença às pretensas virtudes do outro remédio para prevenir esses efeitos. Só anos depois constatou-se que o problema era com o Vioxx, mesmo.
Na economia, o problema é agravado porque as relações de causalidade não são definidas. O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega entregou a seu sucessor um país em moratória, depois de recusar a proposta de securitização da dívida externa de seu antecessor, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Quem se lembra disso?
Essa impossibilidade de conferir a priori os resultados da política econômica e, a posteriori, o que teria sido a política alternativa permite toda sorte de manipulações.
Nas últimas colunas, tenho tentado mostrar similaridades entre o momento atual e o da República Velha. Outro ponto em comum era o fato de os detentores da liquidez terem exercido um papel tipo Jack, o Estripador asséptico. Enquanto os políticos, os políticos regionais em particular, se digladiavam em torno de verbas públicas escassas, os donos da liquidez praticavam uma suposta política de "interesse nacional".
Apropriavam-se apenas do Ministério da Fazenda e do Banco do Brasil -praticamente não existia sistema bancário privado. Todas as políticas de defesa dos preços do café eram adotadas em nome do interesse nacional. Empréstimos eram tomados para financiar a queima da lavoura, permitia-se excesso de produção remunerada, tudo em nome do "interesse nacional".
Depois, apresentava-se a industrialização paulista como resultado dessa defesa reiterada do "interesse nacional". E não é possível avaliar o que teria sido o país se não houvesse esse custo fantástico bancado pelo conjunto da nação. Qual o custo da concentração de riqueza no centro-sul, da impossibilidade do desenvolvimento de políticas regionais, dos cortes na educação e saúde para garantir recursos para as políticas de sustentação de preços?
O mesmo ocorre agora, o mesmo ocorreu com a apreciação do real. Não se consideram os custos da política de juros, dos cortes orçamentários, do contingenciamento dos fundos. Acena-se apenas com o benefício de curto prazo de debelar uma inflação que ninguém vê.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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