São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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STEPHEN ROACH

Crise causa memória curta


Com muito mais liquidez circulando nos mercados, há grande tentação de ignorar a lembrança da crise de 2008/09

A ESPERANÇA parece redespertar eternamente nos mercados financeiros impulsionados pela liquidez. É esse o caso que vemos hoje, depois da maior injeção de liquidez da história moderna.
Infelizmente, em companhia da esperança surge uma sensação aguda de perda de memória de curto prazo -mais perceptível na incapacidade do consenso mais amplo de investidores para aprender as lições difíceis da Grande Crise e Recessão de 2008/9. E isso é uma combinação perigosa para os mercados financeiros cada vez mais agitados.
Fomos repetidamente instruídos, pelos apóstolos de ainda outra Nova Era, de que os desequilíbrios deveriam ser desconsiderados -quer tomassem a forma de uma acumulação sem precedentes de deficit e superavit em conta corrente, quer a de uma variante cada vez mais virulenta de crescimento dependente de ativos e dívidas nos EUA.
Um ano depois que o mundo passou por uma experiência quase fatal, existe ampla aceitação de que é preciso que haja uma maneira mais segura e mais sã de crescer.
Trocar a arquitetura do G7 pela do G20 é importante avanço. Isso atualiza a estrutura de poder de um mundo globalizado e insta a maior apreciação das influências mútuas cada vez maiores entre os países ricos e os em desenvolvimento.
Mas o risco de uma nova estrutura dominada pelo G20 é que ela seja mais retórica que concreta. Essa preocupação enfatiza uma questão essencial que sempre ocupou posição central no debate sobre nova arquitetura financeira global: será que os Estados soberanos estão realmente dispostos a abdicar do controle de suas economias em favor de uma autoridade supranacional?
As recentes iniciativas políticas não reconfortam muito. Os programas de subsídios à troca de automóveis por modelos zero, nos EUA, e de subsídios à construção de estradas, na China, são emblemáticos dessa inclinação a medidas de estímulo que oferecem soluções rápidas, mas ao mesmo tempo acarretam o risco de agravar os desequilíbrios.
Apesar do novo lema de "crescimento sustentado e equilibrado" adotado na recente conferência de cúpula de Pittsburgh, o mundo continua a optar por medidas de inclinação local como solução para problemas mundiais. Dessa forma, continua a operar sob a suposição de que as melhores políticas mundiais são o resultado aritmético da soma das melhores políticas nacionais.
Isso sublinha a mais gritante inconsistência da nova estrutura do G20: falta a ela um mecanismo de execução para levar o reequilíbrio a efetivamente acontecer. Até que, ou a menos que, o mundo se disponha a criar uma nova arquitetura financeira dotada de ferramentas efetivas e robustas de implementação de políticas, será difícil acreditar que chegou o dia do reequilíbrio.
Os mercados propelidos pela liquidez descartaram esse debate. O início da recuperação é tudo o que parece importar aos investidores. Os mercados de ações subiram nos seis últimos meses, apostando na esperança e no e sonho de uma recuperação clássica em forma de V.
Com injeções maciças de liquidez, os mercados estão ignorando os fundamentos inflexíveis.
E, no entanto, foi exatamente esse dúbio roteiro que o mundo seguiu depois do estouro da bolha das ações no início da década. E veja como isso acabou. Com muito mais liquidez excedente circulando pelos mercados de ativos, hoje, existe uma grande tentação de ignorar as lembranças da Grande Crise. Isso é uma potencial armadilha para os mercados -bem como para o mundo ainda desequilibrado que sobreviveu à crise.


STEPHEN ROACH é presidente do conselho do Morgan Stanley Asia. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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