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OPINIÃO ECONÔMICA
Acesso bancário
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA
Há uma divisão social no
país: os cidadãos com e os
sem conta corrente, estes excluídos do mercado financeiro. Estima-se que somente cerca de 15%
da população brasileira tem conta
bancária -no máximo 25 milhões de pessoas. Na rede bancária nacional, em 1999, eram movimentadas 49,9 milhões de contas
correntes e 44,8 milhões de contas
de poupança, a grande maioria de
clientes pessoas físicas. As pessoas
jurídicas possuíam 4.360.461 de
contas correntes e 448.210 depósitos de poupança. Verifica-se, então, que a clientela bancária deve
ter, em média, mais de uma conta
corrente. No ano passado, as contas correntes dos bancos gigantes
-Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú, Unibanco e Banespa- somavam cerca de 35,4 milhões.
Qual é o perfil socioeconômico
dessa parcela da população cliente dos bancos? Basta cruzar os dados com os da distribuição de
rendimento médio mensal das
pessoas de 10 anos ou mais de idade, no Brasil, para perceber que
eles privilegiam as contas correntes dos 10% mais ricos, que recebem 47,5% do total da renda. O
rendimento médio mensal dessas
pessoas era, em 1998, R$ 2.539
(quase 20 salários mínimos). Em
torno de 60% do mercado composto pela "elite", os "batalhadores" e os "remediados" reside na
região Sudeste.
O segmento que no Brasil tem
21 milhões de domicílios, com
renda de até dez salários mínimos, é o alvo da missão social dos
bancos públicos. A parcela com
renda inferior a dois salários mínimos é composta de 10 milhões
de domicílios de "desbancarizados". Dos com renda de dois a
cinco salários mínimos, só 20%
têm conta corrente. Os com renda
de cinco a dez salários mínimos
representam 22% da população e
detêm 15% do PIB, porém são
pouco sofisticados no uso do sistema bancário.
Um dos segmentos privilegiados pelos bancos privados representa 35% do PIB nacional e é
composto de clientes com renda
domiciliar de 10 a 30 salários mínimos e/ou de R$ 5.000 a R$ 30
mil em volumes de negócios. Cerca de 78% das suas famílias são
"bancarizadas", possuem, em
média, 2,9 produtos por cliente,
46% utilizam as centrais telefônicas, 10% utilizam "home banking". Outro segmento que recebe um tratamento personalizado
possui acima de 30 salários mínimos de renda domiciliar e/ou
mais que R$ 30 mil em volume de
negócios. Esse é o mais expressivo
em termos de retorno financeiro,
consumindo em média quatro
produtos. No mercado brasileiro,
é constituído por 2 milhões de famílias com renda acima de 30 salários mínimos (representam
40% do PIB), das quais 92% são
"bancarizadas", 65% têm nível
superior e 40% já utilizam "home
banking".
Na economia com pior concentração de renda do mundo desenvolvido e/ou em desenvolvimento, o mercado que realmente interessa aos bancos privados é excludente e concentrado, inclusive regionalmente. Lamentavelmente,
no programa de privatização das
instituições financeiras públicas,
se concede uma significativa participação no disputado mercado
bancário sem a exigência de os
vencedores dos leilões se comprometerem com a manutenção do
papel social histórico do banco
público: o atendimento bancário
da população e o financiamento
do desenvolvimento nacional.
Percebe-se, assim, a ameaça social que representa mais um golpe
de "privataria" financeira. Ao privilegiar interesses privados em
desfavor dos sociais, o "Relatório
de Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das
Instituições Financeiras Públicas
Federais (IFPFs)", elaborado pelo
consórcio Booz Allen & Hamilton Fipe/USP, sob encomenda do
BNDES, desdenha esse papel social dos bancos públicos. A proposta de eliminar suas ações comercial e de acesso leva ao fechamento de suas agências. Atualmente, o país possui 5.612 municípios, 16.223 agências e 6.610
postos de atendimento bancário
(PAB). No entanto, 73% da rede
de agências localiza-se no Centro-Sul. Há 1.638 municípios sem
atendimento bancário, 163 com
PAB, mas sem agência, e 1.395
com uma única agência. Em outras palavras, 57% dos municípios
já não despertam hoje interesse
de atendimento bancário.
Só uma parcela mínima dos
municípios de regiões mais pobres é atendida por bancos privados. Evidência disso é o fracasso
nas tentativas de privatização dos
bancos estaduais do Norte e Nordeste.
Causou surpresa o fato de, em
pouco tempo, o pagamento de
contas de água, luz, gás e telefone
nas 6.500 lotéricas espalhadas pelo país representar 50% do total
pago em todo o sistema bancário.
A justificativa é que as casas lotéricas, em nome da CEF, deram
acesso ao público de baixo poder
aquisitivo. Existem 25 milhões de
famílias no Brasil que não têm
acesso a bancos, mas têm contas
para pagar.
A dificuldade de acesso ao crédito bancário tradicional justifica
a busca dos bancos públicos pela
ampliação da "bancarização" da
população, seja por meio da rede
lotérica, seja dos Correios. A "desbancarização" foi o fator mais
grave de concentração de renda,
durante o longo regime de alta inflação, cindindo a população entre os que detinham o "dinheiro
de pobre" e os que se protegiam
com o "dinheiro (indexado) de rico". O apoio político às IFPF aumentará desde que atuem como
"bancos dos pobres". Será uma
revolução financeira dar prioridade ao microcrédito, dirigido aos
pequenos empreendimentos de
trabalho autônomo, e não ao
grande capital.
Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da área
de economia da Fapesp, é autor dos livros "Economia em Dez Lições", "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista" e "Ensaios de Economia Monetária".
E-mail -
fercos@eco.unicamp.br
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