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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O jogo da economia e do direito

GESNER OLIVEIRA

O presidente Lula descobriu que há cidades limpas na África. E que é prudente fazer um acordo com o FMI mesmo contrariando os petistas radicais e as promessas de campanha. Tais fatos não são novos e não deveriam causar surpresa, como de resto não há muita novidade na conjuntura econômica brasileira.
Em contraste com a conjuntura, as instituições do país estão em mudança. Embora lento, tal processo terminará por alterar a vida econômica do país.
A aproximação do direito e da economia ilustra uma das alterações em curso. Não é uma mudança formal. Algo que possa ser feito por decreto ou portaria. Trata-se de uma mudança cultural.
Uma parcela crescente das novas gerações de economistas e advogados tem uma cabeça diferente. O economista está mais consciente dos aspectos institucionais, ou pelo menos deveria estar, sobretudo à luz da literatura recente de desenvolvimento. O advogado está mais atento ao fato econômico e transita com maior frequência nas áreas da economia.
Nesta semana o advogado e economista Marcelo Cagliari defendeu tese de doutoramento na Universidade de São Paulo em tema tipicamente aplicado na teoria econômica. O trabalho discute a aplicação da teoria dos jogos ao direito internacional.
Não é por acaso que a teoria dos jogos é um natural ponto de encontro entre a economia e o direito. O problema central envolve interação estratégica entre indivíduos, empresas, países ou coalizões envolvendo governos nacionais e organizações não-governamentais.
A teoria dos jogos acabou tendo aplicação muito mais ampla do que imaginava seu criador e Prêmio Nobel de 1994, John Nash. A organização industrial e o comércio internacional são as áreas de utilização mais frequente desse instrumental.
No trabalho de Cagliari, por exemplo, a negociação entre países que têm interesse na liberalização da agricultura, como Brasil e Argentina, e a União Européia é discutida à luz do chamado jogo do covarde.
O jogo do covarde não tem nada a ver com gafes presidenciais ou com alguma referência menos elogiosa a ex-presidentes. Trata-se de uma situação em que dois jogadores adotam uma posição negocial inflexível na expectativa de que o outro jogador ceda, fazendo o papel do covarde.
Ocorre que em determinadas circunstâncias nenhum dos lados cede e o resultado é negativo para todos. Qualquer semelhança com aquilo que pode acontecer em Miami, na Alca, ou em Genebra, na negociação da Rodada de Doha da OMC, não é mera coincidência.
Há vários outros exemplos no estudo e inúmeras outras possibilidades de aplicação. Os problemas de coordenação nos processos de falência de uma empresa ou mesmo de um país foram explorados por outros autores.
A teoria dos jogos tem suas limitações como toda teoria, mas ajuda a pensar diferentes problemas de maneira útil e criativa. Contribui especialmente para entender que tipo de incentivos pode levar os jogadores a adotar essa ou aquela estratégia e consequentemente a obter determinados resultados.
A aproximação dos profissionais do direito, economia e áreas afins é um fato em vários países. É urgente promovê-la no Estado nacional, a começar pelas procuradorias dos órgãos públicos e pela magistratura. Sem o que não haverá modernização da economia brasileira.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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