São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O esperado nunca acontece

A valorização cambial pode pôr em risco o dinamismo da economia e ressuscitar a vulnerabilidade externa

ESTAMOS entrando provavelmente em uma nova fase da economia internacional. Pela primeira vez, a China e a Índia são os países que mais contribuem para o crescimento mundial, segundo estimativas do FMI. A participação dos países em desenvolvimento no PIB global vem aumentando de maneira contínua. Países como China, Rússia, Brasil e Índia estão adquirindo uma importância econômica e política gradualmente maior.
Nem sempre os países desenvolvidos encaram essas mudanças com tranqüilidade. As velhas potências econômicas, embora ainda dominantes, estão em processo de declínio relativo aparentemente inexorável. O seu comportamento é cada vez mais defensivo e protecionista.
Não querem abrir espaço para os que vêm de baixo.
Os países do G7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) ainda respondem por 40% do PIB mundial, mas sua participação tende a diminuir. São países economicamente maduros, basicamente acomodados e satisfeitos, com populações estacionárias ou cadentes. O crescimento demográfico que ainda conseguem registrar resulta, freqüentemente, dos fluxos de imigrantes legais ou ilegais provenientes da América Latina, da África ou da Ásia. Atualmente, os países do G7 abrigam apenas 11% da população do planeta. Os países em desenvolvimento, 85%.
Na crise financeira recente, as economias emergentes desempenharam um papel estabilizador, compensando os efeitos recessivos oriundos dos EUA e da Europa. Tumulto financeiro no Norte e -quem diria?- relativa calma no Sul.
Como dizia Keynes, "the expected never happens; it is the unexpected always" (o esperado nunca acontece; é o inesperado sempre). Quem poderia prever que uma grave crise financeira nos EUA e na Europa teria, pelo menos em uma fase inicial, repercussões tão modestas na periferia do sistema internacional?
Enquanto as velhas potências se debatem com surpreendente fragilidade financeira, países como o Brasil estão assoberbados por influxos excessivos de capital que, quando não são neutralizados ou contidos, contribuem para a valorização da moeda nacional, solapando a competitividade externa.
O que está por trás dessa relativa tranqüilidade dos emergentes é o grande progresso que esses países fizeram em termos de redução das suas vulnerabilidades financeiras.
As contas públicas e os sistemas financeiros nacionais foram fortalecidos. Houve um notável ajustamento das contas externas. Em boa parte do mundo emergente, os balanços de pagamento tornaram-se superavitários e as reservas internacionais aumentaram de forma expressiva.
Com algum atraso, o Brasil acompanhou essa onda e está hoje em posição razoavelmente confortável. Mas atenção: não há muito espaço para complacência. A situação internacional pode se complicar. Se a economia americana entrar em recessão, se a crise financeira no Norte se agravar, é pouco provável que países como o Brasil saiam ilesos.
Por isso, é essencial deter a valorização cambial, que vem produzindo efeitos cada vez mais claros nos setores de "tradeables" e nas contas externas brasileiras. A valorização não é inevitável. Uma combinação de abrandamento da política monetária, com intervenções cambiais esterilizadas e controles sobre a entrada de capitais, pode ser suficiente para enfrentar o problema. Se ele não for enfrentado, estaremos colocando em risco o dinamismo da economia e ressuscitando o problema da vulnerabilidade externa.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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