São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O dólar dança na ópera de Pequim

Autoridades chineses dizem que vão vender dólar, "moeda fraca", e pioram a ressaca nas finanças dos Estados Unidos

"É O DRAGÃO" chinês, é o dragão chinês", gritavam os ambulantes suados das praias do Rio, quando vendiam esse picolé gororoba, ao que parece extinto. Não deu praia de novo no mercado americano, ontem, em mais uma ressaca devida aos rombos nos bancos, rolos judiciais em instituições financeiras, calotes crescentes dos americanos em cartões de crédito e, para piorar, também devido à gelada que o dragão chinês deu no dólar, que caiu a níveis recordes de 8, 27 ou 30 anos, a depender da moeda estrangeira que se escolha.
Um vice-diretor do Banco Central da China disse ontem que o dólar "está perdendo seu valor como moeda mundial". A seguir, o vice-presidente do Congresso chinês sugeriu que o país venda parte dos dólares das reservas chinesas, uma brincadeirinha de US$ 1,4 trilhão, algo mais que o equivalente ao PIB brasileiro deste ano. Na verdade, o vice do Congresso disse que o país prefere "moedas fortes a fracas, e vamos fazer ajustes [nas reservas]".
Não se trata do destampatório do apocalipse, mas estimula investidores com ativos em dólares a se desfazer de parte deles, ou ao menos causa um susto e uma corridinha contra as Bolsas americanas. Aos poucos, investidores estrangeiros já vinham vendendo ativos americanos, ações inclusive. Empresas americanas não procuram investir apenas em países emergentes com crescimento brutal, mas também procuram "diversificar" sua cesta de receitas, dadas as más perspectivas do dólar.
Nada tampouco de apocalíptico aqui, pois as empresas americanas por ora não apresentam um desempenho (lucros) tão ruim como o setor financeiro, embora estejam sendo reavaliados para baixo os ganhos do quarto trimestre. Mas a finança ultrapassa as piores expectativas.
Bancões de Wall Street estimam que a evaporação do valor dos derivativos de crédito em seu poder e em outras instituições financeiras deve ficar em torno de US$ 65 bilhões -até agora, admitira-se por escrito que uns US$ 24 bilhões haviam virado pó, ou melhor, vapor.
A Bolsa perdeu o terreno ganho desde o talho de juros do Fed, em setembro. Justiça e órgãos de supervisão do mercado financeiro nos EUA intensificaram a varredura em balanços e padrões de empréstimo devido a contabilidade criativa, cotação exagerada de ativos e avaliação "equivocada" de preços de casas, enfim, a farra da bolha imobiliária e dos derivativos que, como todas as bolhas, acaba em parte na polícia.
O nível de alerta também subiu para "laranja" no que diz respeito a dívidas de cartão de crédito, pois o calote cresce. As ações de bancos, seguradoras, corretoras etc. marcam os piores resultados do ano. O índice de volatilidade da Bolsa de Opções de Chicago, o VIX (não confundir com "Vixe!"), indicador de variações do preço das ações, voltou ao nível de setembro, anterior ao talho de juros do Fed, ainda durante o primeiro ato da crise do aperto de crédito.
Isso não é uma crise de dívidas imobiliárias. É uma crise do modo pelo qual o centro do mundo fazia negócios financeiros neste século e do modo americano de crescer com a ajuda de bolhas, típico da última década. Não tem cara de catástrofe, mas vai demorar mais que o esperado para limpar a sujeira sob o tapete.


vinit@uol.com.br

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