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Opinião
Como preencher a lacuna do dólar
Moeda americana não perderá seu papel central, mas pode ser suplementada por ativos como o yuan e a divisa do FMI
MOHAMED EL-ERIAN
RAMIN TOLOUI
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
TORNOU-SE moda especular sobre o futuro do
dólar dos Estados Unidos como moeda de reserva
mundial. Em meio a uma queda
média de 10% nos últimos seis
meses, os analistas tendem a favorecer uma de duas conclusões. Alguns deles argumentam
que, já que não existe maneira
de substituir alguma coisa por
nada, o papel mundial do dólar
está garantido. Outros acreditam que as perspectivas dos Estados Unidos em médio prazo
são agora incompatíveis com
esse papel.
Como acontece com muitas
outras das questões pós-crise, a
realidade é bem mais complicada. E não apenas porque o dólar, longe de ocupar um desses
extremos, no futuro previsível
deve ficar em uma confusa posição intermediária; também é
preciso considerar que a moeda
é parte de um quadro mais amplo, como única fornecedora de
uma série de bens públicos
mundiais. Em um momento no
qual o sistema mundial precisa
de âncoras como essa, a incerteza sobre o dólar propõe diversas questões de política econômica importantes.
Cerca de duas décadas atrás,
Charles Kindlebeger, economista hoje mais conhecido como autor de "Manias, Panics
and Crashes", identificou cinco
bens públicos que sustentam
uma economia mundial orientada ao crescimento: (1) operar
como consumidor de último
recurso; (2) coordenar políticas
macroeconômicas; (3) sustentar um sistema estável de taxas
de câmbio; (4) agir como fonte
de crédito de último recurso; e
(5) oferecer financiamento
contracíclico de longo prazo.
No mundo financeiro globalizado em que hoje vivemos,
poderíamos acrescentar dois
outros bens públicos a essa lista: oferecer um ativo sem riscos
de classificação verdadeiramente AAA -para servir como
referência a outros instrumentos e atividades- e oferecer
mercados financeiros profundos e previsíveis, que outros
países possam usar a fim de
melhorar seus processos de intermediação financeira.
Pouco antes da crise, os Estados Unidos serviam como provedores incontestes de todos
esses bens públicos. Mas, já que
a crise nasceu no centro, e não
na periferia do sistema mundial, agora quase todos esses
bens parecem menos sólidos.
Como resultado, surgem duas
questões de política econômica
que precisam ser decididas:
primeira, quais desses bens públicos podem ser restaurados,
quais deles terão de ser fornecidos de forma conjunta e quais
deles precisarão ser substituídos; e, segunda, de que maneira
isso vai transcorrer.
Quanto à questão de que
bens podem ser restaurados,
restabelecer a credibilidade e a
previsibilidade dos mercados
financeiros norte-americanos
requer uma reforma bem conduzida da fiscalização financeira e um programa confiável de
médio prazo para conter o deficit orçamentário e limitar o
crescimento da dívida dos Estados Unidos.
Quanto à questão dos bens
públicos que poderão ser fornecidos de maneira conjunta, a
expansão do papel do G20 (grupo de 19 grandes economias
mais a União Europeia) e a
agenda de reforma do FMI sublinham até que ponto a administração da política econômica mundial aspira a se tornar
mais inclusiva. Isso é positivo.
No entanto, ainda não se sabe
se esses fóruns terão força suficiente para resolver divergências políticas e convencer governos a assumir responsabilidades compartilhadas.
Também deveríamos antecipar, para os próximos anos,
uma discussão mais ampla sobre novos tipos de ativos de reserva. Embora a discussão deva
incluir veículos supranacionais
(como a expansão das funções
dos Direitos Especiais de Saque
do FMI), a questão mais importante seria o uso mais amplo de
moedas como o yuan. Essas opções não servirão para substituir o dólar dos Estados Unidos
em seu papel central, mas poderão suplementá-lo.
Existe um bem público que
precisará ser substituído: o papel central que os Estados Unidos desempenhavam como
propulsor do crescimento
mundial. Esse papel, agora, está
restrito pelas dívidas dos domicílios norte-americanos. Uma
economia mundial sustentável
precisa de outras grandes fontes de demanda interna, especialmente em países como a
China, que tem por foco histórico o crescimento propelido
por exportações.
A maneira pela qual essas
transições devem ocorrer é
muito importante. Um risco é
que agentes fundamentais resistam a essas mudanças seculares e tentem reconstituir um
sistema desatualizado que já
não se enquadra à realidade
pós-crise. No outro extremo,
está o risco de que as grandes
potências ajam isoladamente,
deixando de lado uma coordenação efetiva de política e adotando medidas mais nacionalistas, como uma administração agressiva do câmbio ou do
comércio externo, e protecionismo financeiro.
As melhores defesas contra
esses desfechos são reconhecer
cedo os riscos de que aconteçam e a ação coordenada como
resposta. As grandes potências
econômicas precisam formular
suas expectativas e suas estratégias de política econômica de
maneira que ela se enquadre
aos contornos alterados da economia mundial. Também precisam administrar ativamente
as mudanças de política econômica em nível nacional e multilateral, de maneira a ampliar a
base de provisão dos bens públicos mundiais.
MOHAMED EL-ERIAN e RAMIN TOLOUI são,
respectivamente, presidente-executivo e vice-presidente executivo do fundo Pimco.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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