São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Greenspan pode estar errado, de novo

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Quando a Bolsa subia embalada na euforia, o presidente do banco central dos EUA, Alan Greenspan, fez várias advertências, chegou a cunhar a expressão "exuberância irracional" para descrever os mercados.
Na semana passada, num momento de trégua na sucessão de pânicos financeiros, ele declarou que o pior na crise de liquidez pode estar finalmente próximo do fim. Será que, desta vez, Greenspan está certo?
Ou melhor, já que ele estava certo ao alertar contra a euforia irrefletida, será que desta vez o sinal é dado na hora certa?
Como toda economia funciona por meio de ciclos, a rigor nenhum economista está certo ou errado. O acerto depende do "timing" e não é por acaso que a melhor frase de economista do século 20 é "no longo prazo estaremos todos mortos", formulada por Keynes.
Até mesmo o (agora) catastrofista Jeffrey Sachs, professor de Harvard, escreveu um artigo anunciando o começo de uma nova era na Ásia. Seu argumento básico é que simplesmente ficou tudo barato demais. Chegou a hora de voltar a comprar, iniciando um novo ciclo de alta.
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Oferta e procura
O barateamento, entretanto, em si mesmo não é suficiente para atuar como gatilho de uma recuperação econômica. A questão do tempo, da velocidade em que a recuperação vai acontecer, depende da disposição dos investidores. Ou seja, embora a economia funcione sempre na base da oferta e da procura, a queda nos preços não basta para fazer com que a demanda pelos ativos automaticamente se eleve.
Em primeiro lugar, os agentes capazes de comprar estão abalados, psicológica e operacionalmente. Em alguns casos, departamentos inteiros de investimento em mercados emergentes estão sendo simplesmente desativados. É o que fez, por exemplo, o megainvestidor George Soros.
Em segundo lugar, as instituições financeiras estão apenas começando a contabilizar as perdas e, até segunda ordem, devem preferir fechar o balanço de 1998 menos expostos a riscos. Ou seja, Greenspan aponta um processo real (certa exaustão do pânico financeiro e recuperação da liquidez). Mas, de novo, pode não estar certo com relação à velocidade.
No mercado global estarão convivendo, ainda, dois tipos de comportamento. De um lado os fundos especulativos, que buscam ganhos extraordinários e podem alavancar recuperações meteóricas em Bolsas e moedas. Ao mesmo tempo, uma comunidade de investidores traumatizados pela montanha "russa" dos últimos dois meses.
As atenções estão voltadas para a queima de riqueza e para os desastres em Bolsas que, afinal, são frequentadas pelos ricos. É uma boa hora para ler com atenção o editorial da edição de novembro do jornal "Le Monde Diplomatique", com dados estarrecedores apresentados por Ignacio Ramonet.
As três pessoas mais ricas do planeta possuem hoje uma fortuna superior à soma dos PIBs dos 48 países mais pobres do mundo (um quarto do planeta).
Em 1960, os 20% mais ricos do mundo tinham uma renda 30 vezes superior à dos 20% mais pobres. Em 1995, a diferença chegava a 82 vezes. A cada ano, 30 milhões de pessoas morrem de fome.
A crise financeira é grave, mas é de curto prazo. No longo prazo, a maioria já está morrendo.



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